Escrito por Waldemar Rossi
Historicamente, quando há cortes nos orçamentos brasileiros, a quem eles têm atingido? Assim, é necessário perguntar ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo: em quem vão doer os novos cortes? Irão, por acaso, mexer com os interesses das grandes empreiteiras envolvidas em contratos de mega-projetos, verdadeiros elefantes brancos, como as barragens e a implantação da usina de Xingu? Ou com a criminosa transposição do “Velho Chico” que praticamente só beneficiará o agronegócio do nordeste? Ou com o dinheiro que o BNDES irá bancar para garantir a Copa de 2014 e as Olim”piadas” de 2016? Um bom exemplo de como andam as prioridades do governo está na nota oficial do Ministério do Planejamento: “Prevê isenção de ICMS nas operações com mercadorias e bens destinados aos estádios” (Estadão – Esportes – E2 -18/05).
O ministro Paulo Bernardo anunciou em entrevista à imprensa que, para evitar o crescimento da inflação acima das perspectivas oficiais, se faz necessário promover cortes nos gastos governamentais e, assim, não onerar o BC com possíveis aumentos dos juros. A equipe econômica do governo Lula não quer ver a economia brasileira crescer a não ser dentro do miserável limite de 2 ou 3 por cento ao ano. E isto se dá porque – como o governo brasileiro recusou elaborar um projeto de desenvolvimento voltado para as reais necessidades e potenciais internos – sabe que um crescimento maior não encontrará produtos básicos de consumo para atender à demanda e isso provocará procura maior que a oferta, o que gera inflação. (Inflação ou aumento do preço dos produtos ocasionado por um comércio que não visa outra coisa senão o lucro fácil e imediato. Afinal, a filosofia que prevalece no Brasil, sobretudo a partir da ditadura militar, é “tirar proveito em tudo”. Que o digam os banqueiros! É a tal de liberdade do comércio…).
Ora, se vai retirar dinheiro dos mega-projetos e dos circos do futebol e das olimpíadas que “precisam de incentivos” – e o famigerado superávit primário não pode ser reduzido -, sobrará para as áreas sociais. Não por menos o governo dificulta e reduz os reajustes dos aposentados, congela salários do funcionalismo público de base (mas não arrocha os salários dos de cima, dos figurões), não faz a tão prometida reforma agrária, irá reduzir, ainda mais, os investimentos em saúde e educação públicas de qualidade, em saneamento básico, e assim por diante.
Lula tem provado competência para tratar com muito carinho e argúcia os problemas da economia e da política internacional; torna-se alvo de bajulações de governos dos países do primeiro mundo (aqueles que ditam as normas da economia e da política) e das grandes empresas financeiras (que se beneficiam do superávit e dos altos juros aqui praticados). Fica feliz com o sucesso da economia de exportação, que agrada particularmente ao agronegócio e à indústria extrativa; regozija-se com o aceno da imprensa para sua possível elevação ao nível de Estadista e joga com isso para internamente ter fatura política para si ou em função do grupo que o entorna.
Porém, Lula não revela sensibilidade alguma com o crescimento do narcotráfico, da violência, da falência das instituições policiais, dos assassinatos freqüentes e impunes. Lula não conseguiu mostrar a mesma sensibilidade e argúcia quanto aos graves problemas do povo que o elegeu. Um povo que – despolitizado historicamente – vê grandeza política em grades eventos, em títulos de campeão disso ou daquilo, enaltece seus idealizadores, favorecendo sua popularidade. Ao mesmo tempo, nossa gente não percebe que continua a marcha rumo ao rebaixamento geral do padrão de vida, ao aumento da pobreza e à exclusão econômica e social, origem primeira dos sofrimentos crescentes dos brasileiros, onde nem mesmo os ricaços conseguem se sentir seguros, apesar de todas as precauções. Engana-se com as manchetes que indicam crescimentos do emprego formal, sem esclarecer, porém, que, em sua maioria, são temporários, sujeitos aos altos e baixos próprios dos humores do capital e à freqüente e elevada rotatividade da mão de obra. Não percebe que os salários são bem inferiores ao mínimo necessário para garantir uma vida familiar decente, com um mínimo de dignidade própria dos humanos. Infelizmente nosso povo ainda não se deu conta do verdadeiro “conto do vigário” que vem lhe sendo passado de governo para governo.
Para tornar a situação ainda mais precária, não desponta no horizonte eleitoral qualquer grupamento político ou mesmo candidato ao governo federal, nem estadual (entre os com chances reais de vitória), que tenham sua caminhada política e social comprometida com a elevação da qualidade de vida do conjunto da população. E o povo fica torcendo por Dilma ou Serra, comprometidos com o continuísmo dessa política nefasta, nociva aos interesses populares. A imprensa, para tapar o sol com a peneira, ainda tenta alavancar um pouquinho a Marina da Silva que, aliás, chegou a despertar esperanças em muitos eleitores. Porém, garantiu um grande industrial como seu vice, o dono da Natura (considerada a 12ª riqueza pessoal do país). Mais ainda, em almoço com empresários, Marina elogiou as privatizações feitas por FHC como “tão acertadas que Lula não revogou nenhuma” (Diário de São Paulo, 18/05 –pág. 11).
A esquerda restante, entretanto, não conseguiu unir seus destroços para dizer ao povo, unitariamente, que “um outro Brasil é possível” e que o brasileiro pode ser feliz, se o quiser e se souber discernir entre a demagogia e o compromisso real com a Justiça Social.
Assim, nos próximos anos, ao que tudo indica, não conseguiremos ter um projeto nacional voltado para os nossos reais interesses. Mas vibraremos com a seleção brasileira na Copa da África do Sul, ou choraremos com ela!
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
Artigo originalmente publicado no Portal Correio da Cidadania