O projeto de lei 414/08, recém-aprovado no Senado que altera a LDB obrigando que crianças de 5 anos de idade sejam matriculadas no primeiro ano do Ensino Fundamental foi duramente criticado pelo professor e deputado Carlos Giannazi. Membro titular da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, o parlamentar, que é docente de carreira e diretor licenciado de escola pública na rede de ensino, fez considerações enfáticas contra essa aprovação do projeto, que segue agora para a Câmara dos Deputados.
Na opinião do deputado, o PL 414 atende aos interesses econômicos das escolas particulares e também dos governos, mas prejudica imensamente as crianças pequenas, que serão privadas de experiências sensoriais, artísticas, recreativas e lúdicas porque deveriam brincar nessa idade, e não serem alfabetizadas como dispõe o projeto. “A Educação Infantil é o lugar privilegiado e pensado para o desenvolvimento de crianças nessa faixa etária e não o Ensino Fundamental; ela deve ter o direito de brincar e de expor sua criatividade sem a necessidade, aos 5 anos de idade, de já aprender a se expressar com uma linguagem formalizada na escrita”, argumenta ele. Estudos e resoluções de entidades especializadas em Educação como Conselhos Estaduais e Fóruns de Educação indicam prejuízos às crianças dessa idade, ao serem submetidas a um processo tão precoce de alfabetização.
O parlamentar encaminhou uma Moção contrária à aprovação desta alteração na LDB para a Comissão de Educação da ALESP e está estudando a possibilidade de ajuizar uma Ação Popular contra o PL.
Deputado requer audiência sobre matrícula obrigatório no ensino fundamental
Esta semana, o deputado federal Ivan Valente entrou com um pedido de audiência pública na Comissão de Educação da Câmara para debater o projeto de lei nº 6755/2010 (original PLS nº 414/2008), do Senador Flávio Arns (PSDB/PR) que, depois de aprovado no Senado Federal, tramita agora na Câmara. O projeto determina a matrícula de crianças de 5 anos de idade no ensino fundamental e tem como justificativa o estabelecimento de critérios que organizem dispositivos da constituição federal, da LDB e do ECA.
O texto, no entanto, ataca de forma contundente o direito das crianças de viverem suas infâncias em plenitude. O projeto ignora, por exemplo, a especificidade do trabalho educacional com as crianças nesta faixa etária e desconhece o importante debate que os movimentos sociais, educadores e a academia têm travado, já há alguns anos, em torno da importância da educação infantil.
Desde a implementação da Lei nº 11.114, que estabeleceu a obrigatoriedade de matrícula das crianças de 6 anos no ensino fundamental, e da Lei nº 11.274, que criou o ensino fundamental de 9 anos, o Brasil tem sido palco de importantes debates sobre a data a partir da qual as crianças devem ser matriculadas no ensino fundamental.
Neste sentido, diversos segmentos da sociedade colaboraram para a elaboração, no ano de 2009, das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil. Consensuou-se que as crianças que completam seis anos após 31 de março devem permanecer na educação infantil, conforme estabelece o § 3º do seu art. 5º. As matrículas no ensino fundamental seriam permitidas apenas para crianças com seis anos completos até 31 de março. Também o Conselho Nacional de Educação aprovou, no início deste ano, a Resolução Nº01, que determina a idade de entrada das crianças no Ensino Fundamental para seis anos completos até 31 de março do ano da matrícula.
A fim de garantir a qualidade da educação dessas crianças, respeitando as necessidades próprias de sua faixa etária, e considerando que muitos municípios brasileiros ainda não têm condições de atender com qualidade às crianças de seis anos na sua rede de ensino fundamental, a Conferência Nacional de Educação (CONAE), aprovou a possibilidade de que, mesmo as crianças de 6 anos completos, matriculadas no ensino fundamental, possam manter-se na rede física da educação infantil. O mandato do deputado Ivan Valente, já em 2007, apresentou projeto de lei que vai no mesmo sentido da resolução da CONAE e que agora entra na pauta de discussões, apensado ao PL 6755/10.
“Não existe nesse momento nenhuma justificativa para a aprovação da proposta do senador Arns. Se a intenção era organizar melhor os sistemas e homogeneizar os critérios, bastaria então estabelecer o que já foi amplamente acordado pelos movimentos e respaldado pelo CNE”, avalia Ivan Valente.
Para o deputado, uma nova mudança na idade para ingresso no ensino fundamental traria uma série de problemas para a organização das redes de ensino. Principalmente, significaria uma enorme perda para o desenvolvimento das crianças, que seriam obrigadas a freqüentar escolas que não estão preparadas para o trabalho com crianças nesta faixa etária. “São escolas que, de forma equivocada, desconsideram a importância do brincar, do lúdico e dos processos de socialização entre as crianças e que não possuem mobiliários ou mesmo espaços adequados a esses meninos e meninas ainda tão pequenos”, explica.
Estudos mostram que as crianças que freqüentam a educação infantil têm um desempenho escolar superior aos demais durante todo o seu percurso escolar. Dados recentes apontam um alto índice de reprovação entre as crianças que ingressaram no fundamental aos 6 anos, evidenciando que além dessa antecipação não beneficiar o aprendizado também falta preparo dos profissionais para trabalhar com essa nova realidade. Essa situação deve se agravar se o PL 6755/10 for aprovado.
“Também não podemos ignorar o fato de o ingresso aos 5 anos implicar numa redução de um ano na escolaridade dessas crianças, ferindo claramente o direito de todas as pessoas a terem uma educação pública e de qualidade da creche até a universidade”, conclui Ivan Valente.