Segundo a Carta do Rio, aprovada no Fórum Social Urbano, as empresas transnacionais e as agências multilaterais, assim como seus ideólogos e representantes políticos, têm um modelo próprio de cidade ideal: “É a cidade globalizada, associada aos mercados globais por fluxos e hierarquias e submetida aos interesses daqueles poucos que controlam e regulam os mercados desde seus escritórios nas metrópoles centrais”
Maurício Thuswohl
RIO DE JANEIRO – Os representantes de movimentos sociais, universidades, ONGs e sindicatos reunidos no Fórum Social Urbano – evento paralelo ao Fórum Urbano Mundial, realizado no Rio de Janeiro – votaram ao final do encontro um documento no qual “convocam todos os que lutam contra a cidade neoliberal, a serviço do mercado e do capital, a unirem-se, solidários, num movimento internacional pelo direito à cidade e pela democracia e justiça urbanas”. Batizado como Carta do Rio, o documento foi aprovado na sexta-feira (26) e será encaminhado a uma comissão responsável por sua redação final.
Segundo a Carta do Rio, as empresas transnacionais e as agências multilaterais, assim como seus ideólogos e representantes políticos, têm um modelo próprio de cidade ideal: “É a cidade globalizada, associada aos mercados globais por fluxos e hierarquias e submetida aos interesses daqueles poucos que controlam e regulam os mercados desde seus escritórios nas metrópoles centrais”. O documento afirma ainda que o modelo neoliberal prega a existência de uma cidade “dirigida por administradores-empreendedores, livre de qualquer controle público e ávida por parcerias público-privadas”.
Para os participantes do FSU, as conseqüências dessa visão de cidade são perversas e evidentes: “Mais desigualdade, mais desemprego, pobreza crescente, degradação da qualidade de vida para milhões, injustiça e crise ambientais, aumento da violência, criminalização dos pobres, frustração e desespero”. No modelo urbano neoliberal, prossegue a Carta do Rio, “a cidade se transfigura numa aglomeração de cidadelas para os ricos, enclaves para as classes médias, bairros vulneráveis para as classes trabalhadoras e guetos para os mais pobres e grupos discriminados”.
A última crise financeira global, segundo o documento, fez “cair definitivamente a máscara” do modelo urbano neoliberal: “Tendo por origem a mercantilização e financeirização ilimitada das cidades, a crise se rebate sobre essas mesmas cidades, com mais desemprego, mais trabalhadores sem teto, mais desigualdade”. No entanto, dizem os participantes do FSU, “as grandes corporações e agências multilaterais não têm nada a oferecer a não ser mais do mesmo” às cidades: “No contexto de uma nova e perversa distribuição desigual dos ônus da crise, a cidade se reafirma como lugar de produção e reprodução da desigualdade e da pobreza urbanas”.
A Carta do Rio defende a criação de alternativas ao modelo neoliberal, “baseadas em valores e objetivos diferenciados, em outros ideais de cidade, numa urbanidade e num planejamento urbano insurgentes, que desafiam e contrariam o mercado”. As alternativas, segundo os participantes do FSU, já começam a aparecer: “Mundo afora vêm brotando alternativas a este modelo de cidade. Em muitas cidades com governos progressistas, populares e democráticos, mas também em bairros e comunidades dentro de cidades sob hegemonia neoliberal”.
Movimento internacional
Feito o diagnóstico da crise do modelo neoliberal de cidade, o próximo passo, de acordo com o FSU, é aprofundar o movimento internacional alternativo. Para tanto, ficou definido que 25 de março passa a ser “o dia internacional de luta pelo direito à cidade e pela democracia e justiça urbanas”. Também foi decidida a realização do segundo Fórum Social Urbano daqui a dois anos, quando acontecerá a próxima edição do Fórum Urbano Mundial: “Estamos agora desafiados a dar um novo passo: construir e estruturar um forte movimento que cimente nossa solidariedade internacional e nos ajude a coletar, organizar e difundir nossas conquistas”.
A iniciativa de mobilização internacional é importante, pois raras têm sido as oportunidades, segundo a Carta do Rio, de reunir os militantes das lutas urbanas entre si e destes com pesquisadores, planejadores e urbanistas progressistas: “Apesar de sua riqueza e universalidade, raramente tais experiências têm sido olhadas e pensadas como um processo qualitativamente novo e, sobretudo, com uma dinâmica abrangente, capaz de oferecer novas maneiras de desafiar a agenda urbana dominante”, diz o documento.
Criado em Harvard
Um dos organizadores do FSU, o professor Carlos Vainer, da UFRJ, afirma que “o plano estratégico das cidades neoliberais é criado em Harvard e obedece a um modelo empresarial”. Essa forma de pensar e organizar a realidade urbana, segundo Vainer, tem como base um tripé que coloca a cidade como mercadoria, empresa e pátria: “A idéia de cidade mercadoria, por exemplo, está presente nos planejamentos do Rio de Janeiro, de Lisboa (Portugal) ou de Rosário (Argentina). É sempre o mesmo blá-blá-blá, com a cidade sendo apresentada como um objeto de luxo a ser vendido para um cliente preferencial, que é o grande capital internacional”.
Vainer afirma que o conceito de cidade empresa, por sua vez, é aquele que coloca como prioridade a necessidade de aumentar o poder de atração e a competitividade das cidades num cenário de intensa concorrência neoliberal: “É a cidade entregue aos empresários”, resume. Por fim, o conceito de cidade pátria, segundo o professor, é aquele que “realiza a idéia de cidadania sem política, onde toda divergência é uma ameaça a nossa competitividade”. Como exemplo, Vainer cita a mobilização das elites dirigentes em torno da realização das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016: “O uso patriótico desse tipo de evento, na base do ame-o ou deixe-o, busca tornar refém a maior parte da população da cidade”.