Do Blog dos Quadrinhos
Desenhista foi assassinado na madrugada desta sexta-feira em Osasco, na Grande São Paulo
A tira de "Dona Marta", publicada na edição desta sexta-feira do jornal "Folha de S.Paulo", mostrava a personagem de Glauco numa disputa armada com seu chefe.
Numa daquelas inexplicáveis ironias, o criador da tira vivia situação semelhante em Osasco, na Grande São Paulo. A diferença é que as palavras dos assaltantes não ficaram apenas na ameaça.
O desenhista de 53 anos e um de seus filhos, Raoni, de 25, foram assassinados na frente da casa na madrugada desta sexta-feira.
O velório será velado na própria casa, que serve também de sede para a igreja Céu de Maria, fundada por ele e ligada à filosofia do Santo Daime.
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A polícia ainda investiga o caso. Uma das versões foi reportada pelo advogado do desenhista, Ricardo Handro, à "Folha Online". Segundo Handro, a casa teria sido invadida por volta da meia-noite por dois homens armados.
O desenhista e a esposa teriam sido agredidos. Ficou acertado que sairiam, possivelmente para sacar dinheiro.
Quando saíam, chegava Raoni. Ao ver o pai sangrando e com uma arma apontada para ele, houve discussão e os tiros fatais.
Há outra versão, noticiada no fim da manhã pela rádio CBN. Pai e filho estariam circulando pela rua, perto de casa, quando foram abordados.
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Na internet, por e-mail e via Twitter, já circulam manifestações de desenhistas a respeito da morte de Glauco.
O tom das manifestações é o da incredulidade e do inconformismo sobre a violência urbana, aliado às memórias sobre os contatos com ele.
Paranaense, natrual de Jandaia do Sul, Glauco Villas-Boas ganhou destaque após vencer, em 1977 e1978, o Salão de Humor de Piracicaba.
Pouco depois, estreava na "Folha de S.Paulo". Inicialmente como colaborador eventual, ele passou a fixo em 1984, com a tira "Geraldão".
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"Geraldão" não foi sua única criação – houve também Zé do Apocalipse, Dona Marta, Doy Jorge, Casal Neuras e tantos outras. Mas o filho folgado é seguramente a de maior repercussão, dentro e fora do jornal.
Na Folha, foi histórica a nudez do personagem. De início apenas com uma cueca, que ficava sempre segurando, ele foi depois mostrado totalmente nu, algo que só foi possível por conta do período democrático.
O personagem teve revista em quadrinhos própria, lançada pela Circo Editorial. Houve outros ensaios de volta às bancas, sem sucesso.
Nos últimos anos, ganhou três coletâneas em formato de bolso publicadas pela L&PM. A editora gaúcha lançou também uma reunião de charges feitas para a Folha, "Abobrinhas da Brasilônia".
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O livro de charges traz um prefácio da Angeli, autor das tiras de "Chiclete com Banana" e que criou com Glauco e Angeli as histórias de "Los Três Amigos", sátira das histórias de faroeste, que tinha como protagonistas o trio de desenhistas.
No prafácio, Angeli brincava que havia encontrado em Glauco um nariz maior que o seu.
"Mas deixando o nariz de lado – o que é difícil devido a seu tamanho – Glauco chegou arrasando. Os carrascos habitavam com desenvoltura o humor brasileiro."
"Nós, cartunistas, com raras exceções, tratávamos essas repelentes figuras como um monstro invencível. Efeitos de uma época."
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"Mas Glauco apareceu com um cartum onde o torturado, pendurado pelas mãos por fortes correntes, estica a perna para alcançar o traseiro do sisudo carrasco e, com cara de safado, diz: ´Bundão, hein?´"
"Quebrou tudo. Foi-se pras picas toda aquela oposição respeitosa que fazíamos nos últimos anos do governo Geisel."
E finaliza: "Glauco, em companhia de seu nariz, desarticulou o aparelho e tornou públicas nossas fraquezas."
"Mostrou que humorista só presta mesmo para fazer humor e mais nada."