Por Zilmar Alverita da Silva
A análise de alguns dados mais recentes referentes à situação das mulheres no Brasil nos faz questionar a propaganda do Governo Lula, que diz governar o país para “todos”. De maneira suposta, aí estariam incluídas as mulheres.
Os dados produzidos pelo próprio governo concernentes à violência e aos efeitos da crise econômica na vida das mulheres evidenciam uma situação bastante preocupante com a situação das mulheres.
No que diz respeito à violência observa-se que com a promulgação e divulgação da Lei Maria da Penha cresceu o numero de queixas de violência contra as mulheres em muitas regiões do país, o que significa crescimento da demanda nos serviços que atendem estas mulheres. Porem, ao invés de aumentar, estes serviços estão sendo reduzidos, ou estão sendo muito timidamente ampliados.
Dados existentes, produzidos, sobretudo através das Delegacias, e, portanto, sub-notificados, mostram que em 2004, em Porto Alegre, foram registradas 6.237 queixas e três anos depois estes números subiram para 11.430. Numa delegacia do Rio de Janeiro, a DEAM de Campo Grande, de um total de 3.063 denúncias semestrais, passou-se para 4.442 denúncias no semestre.
Enquanto isso, o número de serviços está sendo reduzido. Em 2005, existiam 398 delegacias da mulher no país e, mais recentemente, segundo pesquisa realizada pelo Observatório da Lei Maria da Penha, existem 396 unidades, ou seja, duas a menos. Mas, a SPM insiste em afirmar, em seus mapeamentos, que existem 418 deams, contabilizando aquelas que não funcionam como é o caso de algumas do interior do Estado da Bahia.
Alguns serviços de assistência às mulheres em situação de violência doméstica, como a casa abrigo e os centros de referencia, apresentam baixíssimo crescimento. Só para se ter uma idéia existia, em 2005, apenas 65 casas abrigos e, mapeamento realizado pela SPM, mostrou que de lá pra cá o número alterou insignificantemente. O número atual deste serviço no país subiu para 68. O mesmo ocorreu com os centros de referência: o registro é de que existiam 100 em funcionamento em 2005. E, os números mais recentes, apontam para a existência de 131.
Essa situação se agrava seriamente quando a política econômica do Governo torna ainda mais incerta a permanência das mulheres no mundo do trabalho, ou torna sua inserção neste muito precária. Sobre este aspecto, vale mencionar o impacto da crise econômica no trabalho das mulheres. Aqui vale mencionar, mais uma vez, que estudo realizado pela SPM, Ipea, IBGE e OIT, aponta como principais conclusões:
Uma interrupção da “feminização” do mercado de trabalho no Brasil metropolitano. Há redução nos postos ocupados (queda de 3,1% no nível de ocupação feminina, contra 1,6% dos homens) e aumento da inatividade feminina no período. E que na indústria, as mulheres perderam mais postos: -8,38%, contra -4,81% dos homens. Além disso, as mulheres foram mais empregadas no comércio (88,8%) e nos serviços (78,3%), setores nos quais os salários de contratação das mulheres foram sempre inferiores aos dos homens no período analisado, ou seja, parece haver substituição de salários mais altos por mais baixos.
Longe de ser uma “marolinha”, a crise atingiu os homens e as mulheres da classe trabalhadora, mas, sobretudo estas. E seu desemprego significa mais do que um retorno à exclusividade do trabalho doméstico, um retorno a uma situação de maior dependência econômica com relação ao marido, o que e grave quando se vive num contexto de violência conjugal e, mais grave ainda, quando se vive num país como o Brasil, no qual não se tem, de forma ampliada, serviços de atendimento às crianças, como creches e escolas em tempo integral.
Esses dados retratam apenas algumas das conseqüências das escolhas políticas feitas pelo Governo Lula por dar continuidade às políticas neoliberais de FHC. O que, como vimos anteriormente, tem agravado ainda mais a situação de vulnerabilidade social das brasileiras, com expressivo aumento dos assassinatos de mulheres. E a impunidade permanece. Assim, longe de ser um governo “aliado das mulheres”, a política implementada pelo Governo Lula ao longo desses sete anos tem sido contraditória com os compromissos firmados formalmente, através das convenções internacionais e nacionais, e com as promessas feitas às mulheres nos contextos eleitorais.
Já no início do seu primeiro mandato, em 2003, suas ações já sinalizavam o que estava por vir: neste período foi criada a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, com “status” de ministério, o que significou, concretamente, pouco poder de implementação das políticas para as mulheres, seja pelo reduzido orçamento, seja pelo contingenciamento freqüente.
A promulgação da Lei Maria da Penha veio tardiamente, em agosto de 2006, no final do primeiro mandato e já em campanha pela reeleição. E veio com a notícia de um corte orçamentário no Programa de Combate a Violência contra as Mulheres. Com a crise econômica os contingenciamentos têm se intensificado. E as organizações feministas autônomas, que não são financiadas pelo Governo, vêm denunciando a falta de recursos para a efetiva implementação da Lei Maria da Penha e para a estruturação e fortalecimento da Rede de Atendimento às Mulheres.
Mas, a falta de compromisso do Governo Lula com as mulheres não para por aí. Após ter prometido, através de carta à CNBB, que seu Governo não contestaria os princípios católicos, Lula cumpriu suas promessas, firmando o Acordo entre Estado brasileiro e a Santa Sé. De natureza religiosa, o acordo representa um retrocesso porque fere, em muitos aspectos, o principio da laicidade do Estado. O pior é que este acordo aconteceu sem debate na sociedade, e, posteriormente, sem dialogar com as diversas posições religiosas existentes no país.
A postura frente ao Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa foi, mais uma vez, no sentido de beneficiar grupos religiosos hegemônicos. O plano – que prevê a legalização fundiária dos imóveis ocupados por terreiros de umbanda e candomblé e o tombamento de casas de culto – teve seu anúncio adiado em função das fortes pressões dos grupos católicos e protestantes. Neste contexto, o Governo argumentou que o plano “precisa ser pactuado”. Para não perder votos em suas bases cristãs, Dilma resolveu adiar o anúncio que seria feito no Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Trata-se de uma opção política por seguir beneficiando os grupos evangélicos que hoje contam com concessões públicas de rádio e televisão, que têm hospitais privados com o convênio com o SUS, e que, por isso, recebem verbas públicas; e grupos católicos que se apropriaram de terras públicas para construção das suas igrejas.
E frente às polêmicas em torno do III PNDH, o Governo recuou mais uma vez. Subserviente à hierarquia católica e de olho nas eleições, o governou cedeu, mais uma vez, às pressões políticas de grupos religiosos. Assim, usou o direito ao aborto como “moeda de troca”, desconsiderando os altos índices de mortes de mulheres em função da criminalização do aborto e as demandas colocadas pelas mulheres e aprovada na I e na II Conferencia Nacional de Políticas para as Mulheres (2004 e 2007). Neste aspecto, tendemos a concordar com as lideranças feministas do CFEMEA quanto questionam:
Enquanto Zapatero, o presidente espanhol, reconhece o terrível impacto da ilegalidade do aborto para a vida das mulheres e cumpre seu papel de estadista em garantir um direito, o presidente Lula anuncia que irá reverter a proposta de apoiar a descriminalização do aborto no III PNDH, porque a idéia de que as mulheres sejam autônomas para uma decisão como essa não é a visão de seu governo. Ora, podemos nos perguntar, às vésperas do centenário do dia de luta mais importante para as mulheres, o 8 de março, até quando nossa autonomia será vista como algo irrelevante?
Além de aprender com a experiência espanhola, o Governo Lula precisa aprender também com a experiência do Governo Evo Morales. Enquanto no Brasil tem continuidade a velha política de exclusão e de incentivo à perseguição às mulheres, o que observamos na Bolivia é outra história. O indígena Evo Morales dá uma lição a Lula da Silva, ensinando-o a governar com todos e todas, para todos e todas. Um dia após sua posse de segundo mandato, o presidente Evo formou um renovado Governo composto por dez mulheres e dez homens, e, com isso, pela primeira vez na história, a Bolívia terá, de fato, equidade de gênero.
Por tudo isso, avaliamos que quando o Governo Lula diz governar o país para “todos”, engana o povo e, sobretudo as mulheres. Na pratica, este governo do PT é apenas mais um governo voltado para a velha política, como tem sido o DEM (antigo PFL), o PSDB, o PMDB, entre outros. É mais um governo voltado para os interesses masculinos dos que compõem as classes dominantes. Dos religiosos, que estão na hierarquia católica e protestante. Dos militares. De todos os capitalistas e latifundiários. De todos os banqueiros e do agronegócio.
Zilmar Alverita da Silva é militante feminista, dirigente do PSOL/Ba e atua na Frente contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto.