“pessimismo na análise, otimismo na ação”
Antonio Gramsci
Uma das maiores tragédias da história das esquerdas e da humanidade deu-se na década de 1920, quando o VI Congresso da Internacional Comunista (IC) chegou à conclusão que a social democracia e o fascismo eram as mesmas coisas. Nesta visão ambos partidos defendiam os interesses dos burgueses frente aos interesses dos proletários e do povo.
Por John Kennedy Ferreira
Do exílio, Trotsky tentou demonstrar que as bases políticas (e econômicas) do fascismo e da social democracia eram totalmente distintas, sendo que a social democracia só podia se assentar na democracia burguesa enquanto o fascismo era por excelência ditatorial; Bukharin, num silêncio desabonador, abdicou de seus cargos na direção do PCUS e IC; enquanto, do cárcere, Gramsci propunha como resposta ao fascismo uma frente ampla indo dos comunistas aos liberais.
A política oficial da IC julgava que bastava superar as ilusões do povo na social democracia (chamado de social fascismo) para assim liberar o avanço dos movimentos proletários rumo à revolução. O trágico resultado veio na derrota da esquerda (Partido Comunista) e centro esquerda (social democracia) nas eleições alemãs na década de 1930. Em seguida, o fascismo no poder promoveu perseguição implacável a todos opositores, depois a guerra e o genocídio foram consequências, digamos, “naturais”.
Com certeza, trata-se de momentos distintos: na década de 1920, o mundo enfrentava uma depressão econômica, assistia a troca das políticas de livre mercado pelas intervencionistas, a Inglaterra, França e Alemanha, superpotências de então, entravam em derrocada econômica e política, a Alemanha tentava compensar a perda de mercado e de importância através da indústria militar, havia a ascensão dos EUAs ao nível internacional e etc.
Da década de 1920 para cá, várias coisas aconteceram, dentre elas, vale lembrar: as esquerdas perderam o poder e a importância, vivem fragmentadas em guetos, animadas por ressentimentos e debilitada na análise concreta de realidades concretas.
Dessa maneira chegamos nós, ao ano de 2010, numa conjuntura tensa em nível global, na qual os EUAs, a Europa e o Japão tentam enfrentar a atual depressão econômica com a utilização de novas tecnologias, agilizando competição entre os grandes monopólios, causando perdas de direitos e de postos de trabalho; na mesma toada, os mesmos países centrais exportam suas contas aos países periféricos e às populações pobres.
Tal qual a outras épocas, há uma intensa confusão e resistência: países frágeis com governos que se opõem aos projetos imperiais são derrubados, potências regionais como a Venezuela e o Irã veem-se na iminência de uma guerra contra superpotências, ou seja, tudo indica que novamente a recuperação econômica dos países centrais – será brindada com champagne e carne de canhão.
Assim, chegamos ao ponto no qual devemos discutir as eleições presidenciais brasileiras tendo como cenário o tabuleiro e a realidade das peças em movimento.
Existem dois grandes projetos – burgueses – em curso: o neoliberal, capitaneado pelo PSDB e o social liberal (ou neodesenvolvimentista) do PT.
O projeto do PSDB afirma que o desenvolvimento nacional acontecerá associando-se ao capital estrangeiro, dessa maneira a aliança das empresas nacionais com o capitalismo global (em especial os EUAs) é fundamental para o advento da modernidade e do desenvolvimento. Nesta visão, o Estado é subordinado aos interesses da sociedade civil, tendo seu papel restringido ao mínimo, os setores como os movimentos sindicais e sociais, que se opõem a esta lógica, estão contra o progresso e o moderno e, portanto, merecem ser criminalizados.
Esta é a política levada a curso pelas gestões FHC e Serra: essa linha de pensamento concluiu que a associação subordinada é o meio mais rápido de atrair tecnologias, máquinas, capitais e etc. para o crescimento nacional. O resultado dessas gestões foi excludente e negativo para a maioria do Brasil, sendo a principal exceção o Estado de São Paulo.
Em São Paulo, as privatizações do sistema de transporte, de energia, de abastecimento, da educação, da saúde, dentre outras construiu uma ampla gama de novas empresas. Este momento viu-se reforçado com a terceirização de indústrias e empresas e com a expansão das novas tecnologias em informática, em segurança e em comunicação, surgindo daí novas camadas de capitalistas (grande, média e pequena) tanto na produção, nas finanças como no comércio, o que reforçou nestas paragens o pensamento liberal e autoritário, em especial, nas classes médias.
Esta visão e prática política têm encontrado resistência em outras paragens do país, pois, levando em conta que o Estado de São Paulo é o único onde a maioria da atividade econômica advém da iniciativa privada – projetos que visam à privatização e à associação subordinada a capitais desenvolvidos atraem os interesses das grandes empresas paulistas (e de seus sócios internacionais) –, é sinônimo de definhamento aos capitais e aos capitalistas, às pequenas burguesias e às classes médias de outros Estados.
Dessa forma, o neoliberalismo – do PSDB – tem sido duramente questionado pela capacidade de crescimento do capitalismo brasileiro através do neodesevolvimentismo do PT, já que o governo Lula saiu-se bem no combate à crise, aproveitou-se da expansão do mercado interno para compensar as perdas que teve no externo, o consumo expandido – com vastos subsídios – às empreiteiras, aos bancos e à indústria automobilística e ao comércio evitou um cenário pior e colocou o país na frente da recuperação econômica, como atesta todos os prêmios de estadistas conferidos ao Lula.
Deve-se registrar que, com o governo Lula, habilmente a burguesia brasileira ocupou espaços abertos com a crise do império e do imperialismo, como denota a expansão das empresas brasileiras na África, no Oriente Médio e nas Américas do Sul e Central, tudo isso aliado a uma política agressiva de fusões e incorporações entre capitais nacionais e regionais.
Com esse modelo os capitais brasileiros alcançaram o patamar de quinta economia mundial e o Brasil se vê entre o rol das potências globais. O ganho de capitais tem sido alto, e a sociedade brasileira, exceto São Paulo (RS e DF), não enfrenta grande agitação social. Isso tem deslocado frações consideráveis dos capitais industrial, financeiro e agrário paulistas para o leito do governo Lula.
José Serra e a oposição liberal parecem que sentiram o golpe e buscam redesenhar o modelo, tanto que a CESP – que encabeçava a lista das privatizações em 2010 – foi retirada da relação e, para a empresa, foi apresentado outro plano de funcionamento (aos moldes da CEMIG), em consequência disso as suas ações subiram 9%.
Se for fato que o neoliberalismo entrou em crise e que o capital global se esmera em construir um novo modelo sistêmico, é fato também que os modelos desenhados pela China, Rússia, Índia e Brasil são apontados como área de estudo, o que coloca como anacrônico aos amplos setores das classes dominantes brasileiras o modelo neoliberal de FHC e Serra.
Com efeito, aos países centrais e imperialistas, a importância regional e internacional de um mercado como o brasileiro não pode ser perdida sem que embates reais sejam travados, visando desestabilizar os interesses emergentes da burguesia brasileira e do governo Lula. Uma superpotência imperial como os EUAs não aceitará facilmente que seu “destino manifesto” seja traumatizado, em particular, em seu “quintal”. Dessa maneira, os interesses das frações burguesas associadas tenderão cada vez mais ao jogo autoritário e desestabilizador, como já tivemos uma pequena mostra no frust
rado movimento Cansei.
Por sua vez, observamos que a tendência do governo petista objetivará fortalecer a sua atividade estatal privilegiando a incorporação de capitais a determinados ramos de produção para a disputa internacional. Dessa plataforma política, os aliados no plano externo serão países que se opõem – ou mantêm contradições – aos interesses imperialistas como a Venezuela, Cuba, Irã, Rússia e etc., pois só assim terá possibilidade de afirmar seu projeto internacional. No plano interno, o governo Lula desenvolve aliança com movimentos sociais e sindicais por meio de uma pequena política distributiva e compensatória.
Num terreno complexo como o atual, tendo diante de si uma eleição que tende ao plebiscito, qual deve ser a atuação das esquerdas? Cremos que o trabalho das esquerdas deva trilhar alguns caminhos:
a) Ter claro que há diferenças entre projetos do PT e do PSDB, sendo que o projeto do Governo Lula (e Dilma Roussef) caminham para um intervencionismo do Estado na economia e sociedade, promovendo a expansão da revolução burguesa brasileira. Observemos que neste cenário a expansão beneficiará prioritariamente os grandes capitais, por exemplo: a expansão da “luz no campo” beneficia as grandes empresas com capitais e o camponês com luz; o programa “minha casa, minha vida” favorece as grandes empreiteiras, mas igualmente o trabalhador que terá acesso a casa. O governo promove, assim, vários pactos sociais entre setores antagônicos, consolidando empresas nacionais para a disputa global e conquistando a legitimidade social junto ao público beneficiado. Por sua vez, a experiência com as políticas neoliberais dos tucanos aponta para uma ação voltada prioritariamente ao mercado, deixando as demandas sociais ao sabor dos interesses particulares. Com efeito, o Estado deixa de ser ator político privilegiado para tornar-se gerente dos interesses dos grandes grupos. Esse cenário tenderia agravar a política de austeridade com o recrudescimento da repressão e a criminalização dos movimentos sociais em nível nacional, acompanhado do aumento nas contas públicas e, possivelmente, da retomada da política de privatizações. Dessa forma, o que deve estar pautado prioritariamente às esquerdas é a derrota da direita e das práticas neoliberais e imperialistas no país.
b) Vivemos um momento de crescimento econômico e da taxa de lucro, o que viabiliza uma agenda reivindicativa, por parte dos movimentos sindicais, centrada em aumentos de salários e na luta geral pela ampliação de direitos trabalhistas, tendo como centro a redução de jornada para 40h.
c) Igualmente as obras do PAC transformaram as cidades em verdadeiros canteiros de obras, sendo possível ter-se uma ampliação de reivindicações por calçamento, água, cidadania e etc. nos centros urbanos, além do fortalecimento da reivindicação agrária.
d) Como metodologia geral, a combinação de lutas pontuais (visando dar à nova geração trabalhista e social confiança no associativismo e experiência no combate político) com lutas gerais (nas quais grandes temas como reforma agrária, modelo alternativo de desenvolvimento sustentável à sociedade, lutas contras as barragens no Iguape e São Francisco, condenação dos torturadores) dão densidade crítica e ideológica.
e) Consolidar a construção de um discurso autônomo das classes populares e proletárias, centrado na ampliação da democracia e cidadania, nas lutas anti-monopolistas, latifundiárias e anti-imperialista, cientes da necessidade de resistência às ações do imperialismo e no apoio ao avanço dos governos populares, como os da Venezuela, do Equador, da Bolívia e de Cuba socialista.
f) Para isso, as esquerdas devem desenvolver como intenção a constituição de uma pauta comum entre as várias centrais, sindicatos, igualmente entre os vários movimentos sociais e partidos de esquerda e de centro esquerda. Cabendo salientar que, se não houver o mínimo de prioridade política, dificilmente se sairá dessa situação defensiva, caindo na rotina de falar para si e de lutas intestinais e mal cheirosas.
g) Como elemento operador dessa gama de atividades políticas, coloca-se no horizonte a construção de uma Frente Política que tenha uma agenda para além das eleições. Uma movimentação dessa natureza precisa de uma coordenação ampla com decisões consensuais, aprendendo a respeitar o debate e as observações dos partícipes. Este tipo de movimento já foi realizado no passado pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) e é, hoje, realizado em alguns países, como a Frente Ampla no Uruguai. Esta Frente possibilita a participação de partidos institucionais e não institucionais, também de movimentos sociais e sindicais, mas essencialmente se caracteriza por uma pauta política clara e por ações consensuais, evitando o hegemonismo e as disputas Fratricidas
Por fim, neste momento em que setores da esquerda confundem as posições políticas de Hugo Chaves com a Globovisión , de José Serra com Dilma Roussef, de Central Sindical com Assembléia Popular. (etc). Talvez seja o instante exato de reconhecermos as nossas debilidades organizativas e programáticas e pensarmos um novo rumo para nossas ações e assim, evitarmos o custos dos mesmos velhos erros.
* John Kennedy Ferreira
Militante da Refundação Comunista, filiado – democraticamente – ao PSOL. Diretor do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo (Sinsesp).