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Pré-candidato à Presidência da República pelo PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, 79 anos, é intelectual católico próximo de uma corrente que na França produziu figuras como François Mauriac. Iniciou-se na política ao lado do governador paulista Carvalho Pinto, foi deputado federal pelo PDC e despertou as iras dos latifundiários ao criar durante o governo de João Goulart a Comissão Especial da Reforma Agrária. Com o golpe de 1964 foi um dos primeiros cem brasileiros que sofreram a cassação dos direitos políticos. Por seis anos viveu exilado no Chile. De volta, lecionou na FGV e militou no MDB. Em 1980, passou-se para o PT e foi autor do estatuto do partido. Voltou à Câmara Federal em 1986. Desde 2005 liderança do PSOL, aqui expõe suas decepções, esperanças e aspirações.
CartaCapital: É o senhor o candidato do PSOL à Presidência?
Plínio de Arruda Sampaio: Há uma certa disputa de correntes internas que se resolve em março. Eu acho que nós precisamos ter uma candidatura alternativa com capacidade de propor o outro lado, caso contrário será um lado só. A verdade é que entre o Serra e a Dilma há diferenças de nuances aqui, nuances ali, mas não tem uma diferença substancial. Ninguém propõe a solução necessária. Aliás, eu noto o seguinte, o domínio da burguesia é uma hegemonia completa, então o que eles não querem é que se levantem as soluções reais. Discutem-se os problemas através de um artifício: o País amadureceu, as ideologias estão superadas e vamos para as soluções técnicas. Por exemplo: como explorar o pré-sal? Com a Petrobras ou por meio de uma empresa nova? Este não é o problema e esta solução é acidental.
CC: Como o senhor interpreta então a clara resistência da mídia em geral, que é excelente porta-voz da burguesia nativa, ao nome de Dilma Rousseff e, sobretudo, de Lula?
PAS: A mesma coisa deu-se com Getúlio. Ele na verdade defendeu os fazendeiros de café como ninguém. Eu que descendo de fazendeiros de café sei muito bem o que acontecia lá em casa, no entanto o Getúlio com aqueles senhores não tinha vez. Porque Lula tem um vício de origem. Embora, a meu ver, ele tenha passado para o outro lado, totalmente, ele sempre é um cara do lado de lá.
CC: Ódio de classe no caso do Lula. Mas Dilma não é uma ex-metalúrgica.
PAS: A Dilma pode ser a Dilma, pode ser o Zequinha da esquina, pode ser um poste, a Dilma é o Lula.
CC: E Serra não é Fernando Henrique?
PAS: O Serra é melhor que o Fernando Henrique. Mas é o Fernando Henrique. Ele é mais nacionalista que o Fernando Henrique. Eu conheço bem o Serra, nós estudamos juntos em Cornell, fomos companheiros, trabalhamos juntos. Eu o conheço desde menino. Serra é mais decidido que Fernando, que só pensa nele mesmo. Há horas em que Serra não pensa só nele.
CC: A popularidade de Lula não decorre da identificação do povo com um igual que chegou à Presidência?
PAS: Esse é um componente, mas tem outros. O brasileiro diz para si mesmo: não tem jeito, é esse aí mesmo, esse é nosso. Mais um componente é a cultura do favor. Esta é uma sociedade que teve 300 anos de escravidão, quando havia duas figuras econômicas, um senhor de terras e um escravo. No meio ficava o bastardo, um mulato liberto, um branco pobre. Não tinham lugar na economia. Do que eles viviam? Do favor do senhor de terras. Isso está até hoje, a cultura do favor. Lula, ele dá 100 mil reais, ou 200 mil reais, não sei quanto, para 50 milhões de pessoas. O quadro brasileiro é o seguinte: há quem está melhor do que estava, 20 milhões de pessoas que estão consumindo. A minha empregada está comprando um carro zero. Objetivamente, a inflação está segura, ainda é alta para alguns padrões, mas para nós aqui é uma maravilha. Todo mundo gosta de ver o Lula ao lado do Obama. Então na superfície da sociedade a melhora aconteceu. Embaixo é que é o problema, as grandes tendências que estão se acumulando são terríveis. A educação está um horror. A mesma empregada que compra um carro tem dois filhos, os dois meninos estão formados no grupo escolar, não sabem ler nem escrever. E o País se endivida de uma maneira brutal. Amanhã dá um repeteco lá fora e isso aqui vai ser um desastre. Isto é o que tem de ser levantado na campanha, o povo precisa tomar consciência da situação e conhecer as soluções corretas.
CC: Quais são as soluções corretas?
PAS: As soluções concretas dos problemas concretos e em um discurso que aponte para a dinâmica dessa solução concreta. Vou dar um exemplo: reforma agrária, o que pode ser feito agora? O que pode ser feito agora é crédito. Em todo caso, o encaminhamento de uma solução que aponte para um desequilíbrio, uma desestabilização, uma dinâmica de transformação. O MST e a CNBB estão propondo o seguinte: as propriedades com mais de 1.000 hectares serão desapropriáveis, não quer dizer desapropriadas, o que permitirá muito maior flexibilidade. Qual é a solução para o programa educacional? Pagar melhor o professor, mais verba etc.
CC: Mas onde achar a verba?
PAS: Tudo bem, que tem, tem, se não pagar a dívida brutal, essa dívida interna imensa, tem dinheiro adoiado. Mas não é isso, isso segura. O que não segura? Uma ideia. Se nós queremos democratizar este país, a educação tem de ser pública. Trata-se de transformar a educação em uma atividade fora do comércio.
CC: Eliminar a ideia da escola privada?
PAS: Não existe escola comércio. Escola ideológica, escola católica, tudo bem. Faz uma comunidade, vai no fundo de imposto para a educação e diz olha, a minha escola é tal. Só que a verba que ele vai tirar ali é idêntica à verba que uma outra escola marxista, uma outra escola do vudu, da umbanda tirará no Piauí porque aí o menino do Piauí tem o mesmo microscópio.
CC: Isso tudo não é um tanto utópico?
PAS: É utópico, mas na minha campanha eu me empenharia em apontar o outro lado. Não em campanha programática, ideo-lógica, propagandista, não falaria em socialismo, em produção de mercadoria, mas colocaria soluções mais fortes.
CC: Como se enfrenta o desequilíbrio social provocado por uma distribuição de renda muito ruim?
PAS: Eu acho que a primeira medida é justamente a reforma agrária, precisamos colocar 6 milhões de famílias no campo, na terra. Precisamos de uma reforma agrária de verdade. Aliás, eu fiz um projeto para o Lula, um projeto modesto. Para ter uma ideia, no tempo do Sarney o Zé Gomes fez um primeiro plano para assentar 1,4 milhão de famílias em quatro anos, eu fiz para 1 milhão porque a correlação de forças não permite. O plano não passou, cortaram pela metade. E não cumpriram nem a metade. Por que a reforma agrária é a primeira medida? Porque a desigualdade começa no campo. No segundo andar fica a educação, depois vem o resto. Se você resolver educação e terra, que foi o que fez a China…
CC: Mas nós não temos uma elite muito resistente?
PAS: A última vez que eu vi o empresariado foi na festa de CartaCapital. Aquele dia eu achei uma graça o discurso do Lula. Ele dizia “Eu dei tudo para vocês e vocês são contra mim?” Florestan Fernandes diz o seguinte: “Essa é uma burguesia lúcida, consciente, que montou um projeto de contrarrevolução permanente para evitar qualquer réstia de poder do povo”. Essa é uma verdade, ela é capaz. Por outro lado é muito limitada porque aceita viver de comissões. Ela é uma burguesiasinha de acomodação. Então é curioso porque por um lado ela é feroz e competentíssima, por outro lado ela é uma burguesia de negócios. Ela está aqui, o País oferece um monte de negócios e ela é uma espécie de corretor do capital estrangeiro, ela presta o serviço e aí recebe um caraminguá que eu acho o fim do mundo.
CC: O PSOL nasceu como uma dissidência do PT. O que determinou a ruptura?
PAS:
O PT era um projeto socialista, era um projeto de transgressão da ordem estabelecida e foi paulatinamente se tornando um partido da ordem. Quem estava lá dentro e não era da ordem era da desordem, falou “não, aqui tem um limite”. Eu segurei o que pude porque acho que o primeiro partido que o povo criou foi o PT, um partido que merecia o maior respeito. Em 300 anos de história, o PT foi o primeiro partido que não se fez no tapete. Segurei o que pude, mas chegou num ponto em que permanecer era impossível. Quando Lula começou a entregar a nossa moeda, o Banco Central rendeu-se à doutrina neoliberal, a reforma agrária não foi executada. Falei: bom, não tem mais o que fazer aqui dentro, vou tentar fazer em outro lugar. Essa é a origem do PSOL, o PSOL é uma tentativa de afastar-se da estratégia atual do PT. Nos seus primeiros 10 anos de vida, a estratégia do PT estava muito correta, respondia a uma realidade anterior à queda da União Soviética. Agora o caminho tem de ser outro, de certo modo mais radical, porque você tem menos intermediação. Naquele tempo havia uma intermediação social-democrata, hoje o conflito foi reduzido, mas ao mesmo tempo a situação não propicia uma correlação de forças favorável a mudanças profundas.
CC: O senhor acha que o governo de Lula foi melhor que o de FHC, ou pior?
PAS: Ah, de longe, muito melhor. É que o talento de Lula é maior que o de Fernando, Lula é um homem talentosíssimo. Ele é de certo modo, pegue a palavra com cuidado, ele é de certo modo um impostor, mas um impostor que acredita na própria impostura. É um demagogo, quando Lula chora, chora mesmo. Não é Jânio Quadros, que chorava lágrimas de crocodilo. Ele não, aquela explosão de choro quando o Brasil foi escolhido para a Copa… Imagine se o Fernando Henrique seria capaz de chorar. Aquilo tem um efeito popular enorme, porque é autêntico, porque é verdadeiro. E o Lula é um homem mais humano, sofreu mais, conhece mais.
CC: O que visa o PSOL ao concorrer na eleição para a Presidência?
PAS: A ideia básica é a seguinte: a nossa é uma candidatura realista, vai discutir os problemas reais e as soluções reais, mas vai mostrar que essas soluções ainda são um começo.
CC: A sua aposta numa votação num primeiro turno?
PAS: O quadro não está montado, mas é coisa pequena, na melhor das hipóteses uns 3% a 5%, não vai muito além disso.