Neste 10 de dezembro, completam-se 61 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Chico relatou, em pronunciamento, três episódios recentes no Brasil – inclusive a repressão covarde dos "cavalos de Arruda" – que revelam como ainda estamos distantes do pleno cumprimento desses direitos que são deveres.
Hoje completam-se 61 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Registro, sr. presidente, três episódios recentes no Brasil que revelam como ainda estamos distantes do pleno cumprimento desses direitos que são deveres:
1) Os cavalos de Arruda: não, não são os do "Haras Sparta" (dos espertos…), que teria sido comprado por um "laranja", na esteira do dinheiro sujo que produz aumento patrimonial (de mais de 1000%!) dos "homens de bens". Trata-se, aqui, dos fogosos equinos da Polícia Militar do Distrito Federal, mantida com recursos do povo. Povo, na sua maioria jovem, que foi reprimido covardemente pelos que são acusados, com provas contundentes, de… roubá-lo! Segurança nada pública, a serviço da máfia que envolve governantes, parlamentares e empresários, inclusive da imprensa de negócios. E que chega, com seus tentáculos, aos tribunais. Polícia para quem precisa de polícia!
Paradoxalmente, este ato de barbárie foi cometido no Dia Internacional de Combate a Corrupção e às vésperas do Dia Internacional dos Direitos Humanos.
2) A perseguição a militantes do "Movimento Terra, Trabalho e Liberdade" de Minas Gerais pelo judiciário local: João Batista da Fonseca, da Coordenação Nacional do MTL e presidente do PSOL de Minas; e Wanduiz Evaristo Cabral, o Dim Cabral, membro da Coordenação Estadual do MTL e da Executiva Estadual do PSOL/MG, foram injustamente condenados a 5 anos e 6 meses de prisão por lutarem a favor da Reforma Agrária. Ambos são vítimas de processos criminais que foram propostos pelo Ministério Público da cidade de Uberlândia em 2001, quando da luta pela desapropriação da Fazenda Tangará.
Condenados em primeira instância por "roubo e incitação ao crime"(!) pelo juiz Joemilson Donizetti Lopes, João Batista e Dim Cabral foram vítimas, agora, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que confirmou a condenação dos mesmos, em decisão no último dia 22 de setembro. Reiteração do absurdo, da injustiça!
Num segundo processo, julgado em primeira instância pelo mesmo juiz Joemilson Donizetti Lopes, João Batista, Dim Cabral e Marilda Ribeiro, advogada e coordenadora do MTL, foram novamente condenados por "extorsão, incitação ao crime e formação de quadrilha"(!!).
E a denúncia do Ministério Público, acatada pela Justiça em Minas Gerais para condenar os dirigentes do MTL, revela toda a carga de preconceitos e discriminação usada para destruir a vida de pessoas de bem e preservar o direito de propriedade da terra acima de sua função social.
A Fazenda Tangará, uma área de mais de 5000 hectares, no município de Uberlândia, era propriedade da CIF – Companhia de Integração Florestal, uma empresa que recebeu vultosos recursos públicos para o cultivo de eucalipto na década de 70. Foi considerada improdutiva pelo INCRA. Em torno de 700 famílias coordenadas pelo MTL ocuparam-na, pela primeira vez, em 1999. Após despejo promovido pela polícia acamparam na rodovia por 6 meses, e a reocuparam em março de 2000. A partir daí se estabeleceu um intenso conflito, que envolveu a polícia, juízes e promotores, que sempre atuavam para defender os interesses do latifúndio improdutivo e de tudo faziam para derrotar a luta dos trabalhadores sem terra. Hoje a área é um grande assentamento onde vivem mais de 250 famílias.
É flagrante, pela falta de provas nos autos, e pelo depoimento dos antigos proprietários, que os acusados não cometeram os crimes pelos quais foram sentenciados. O juiz criminal, ao sentenciar, não agiu de forma isenta, e sim por vingança contra a luta pela desapropriação da Fazenda Tangará. Aquele latifúndio, desapropriado foi o palco de uma grande derrota de um setor conservador da justiça em Minas Gerais que determinara a desocupação da fazenda. Esta decisão foi rechaçada, firmemente, pelo então Governador Itamar Franco.
Com exceção do governo de estado à época, ficou clara a aliança dos poderes locais e nacionais contra as famílias dos trabalhadores. Sustentados pela polícia local e pela Justiça, tentaram intimidá-los a desistirem da luta pela desapropriação daquele latifúndio. Como não conseguiram, tentam agora, criminalizá-los.
Não houve isenção da Justiça. Nesse caso, é gritante sua injustiça. Até os desapropriados declararam que absolutamente nada lhes foi subtraído.
É preciso anular esse processo e impedir a prisão dos companheiros João Batista, Dim Cabral e Marilda. Conclamamos a solidariedade aos lutadores sociais vítimas desta inaceitável condenação e a mobilização contra este ato de perseguição política.
3) O Ministério da Defesa, em resposta a Requerimento de Informações sobre a morte de Virgílio Gomes da Silva (Jonas), objeto de matéria do Jornal O Globo em 29 e 30/08/09, informou que não existem, no acervo atual do Exército Brasileiro, quaisquer documentos sobre os fatos, atos ou intenções reportados, não sendo possível confirmar a autenticidade dos documentos publicados no jornal. E que antes do Decreto 2.134/97 era possível destruir documentos sigilosos, pela autoridade que os elaborou ou pela que os custodiasse. E isso foi feito, bem como eventuais termos de destruição – procedimentos autorizados pelo Decreto 79.099/77, que vigorou até 1997. Como se vê, a ditadura e seu entulho autoritário são também inimigas da memória nacional.
No Dia Internacional dos Direitos Humanos, seis décadas após a Declaração da ONU, a luta pelo direito à verdade e à história continua na ordem do dia.
Agradeço a atenção,
Sala das Sessões, 10 de dezembro de 2009.
Chico Alencar
Deputado Federal, PSOL/RJ