Lula concede moratória de R$ 13 bilhões a ruralistas, o equivalente ao Bolsa Família
Por Ivan Valente
Enquanto membro titular da comissão especial da Câmara dos Deputados criada para reformar o Código Florestal, recebi com estupefação a publicação do Decreto Lei 7.029 no Diário Oficial da União de hoje. Ao mesmo tempo que Conferência de Copenhague busca uma solução para a crise ambiental global, o governo Lula simplesmente rebaixa as regras para crimes ambientais através de decreto, estabelecendo moratória de três anos (a partir de hoje) para cobrança de multas sobre desmatamentos ilegais realizados em áreas de reservas florestais legais dos grandes empreendimentos agrícolas. O Decreto assinado por Lula e pelos ministros Reinold Stephanes e Carlos Minc, anistia infrações estabelecidas pela legislação ambiental brasileira, especialmente os desflorestamentos nas reservas legais, áreas obrigatoriamente destinadas a manutenção do bioma característico onde se localiza o empreendimento, que chega a 80% da propriedade na mega-diversidade amazônica. As áreas florestais são as regiões de maior aproveitamento econômico das comunidades tradicionais amazônicas – é de onde vem cerca de 98% do açaí do mundo, por exemplo.
A publicação desse decreto é um atropelo institucional desmedido do Palácio do Planalto sobre o Congresso Nacional e a sociedade brasileira. Quebra todas as regras de precaução e prevenção ambiental, previstas pela Constituição de 1988. Mesmo com o funcionamento de uma comissão especial parlamentar destinada a examinar essa matéria, o governo federal baixa esse decreto de forma autocrática e na contra-mão da saúde ambiental global e do bem-estar de pequenos produtores brasileiros.
Sob a justificativa implausível de regularizar a agricultura familiar, na verdade o decreto visa facilitar as possibilidades de ampliação e consolidação do agronegócio na Amazônia, que será a região mais afetada com a medida e vítima da ampliação da fronteira ruralista possibilitada pelo decreto. Ao invés de criar uma política pública consistente de educação ambiental para o pequeno produtor, o governo usa a agricultura familiar como desculpa para anistir milhões de reais de multas para os grandes fazendeiros. A região sul e sudeste possuem a agricultura consolidada há décadas e imprimiram relativa segurança econômica e produtiva aos empreendimentos agrícolas, situação inversa a que ocorre na Amazônia, região de expansão da fronteira agrícola nacional, onde a anistia para desmatamentos em áreas florestais de preservação elevará significativamente a destruição da biodiversidade e as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera.
Em audiência pública na comissão especial do Código Florestal realizada ontem, o pesquisador da UFRJ Carlos Young, mostrou o impacto que tal medida terá sobre o ambiente global: cada cabeça de gado nova a ser criada na Amazônia significa 1,5 hectare desmatado de floresta biodiversa e 165 toneladas de emissões de gases do efeito estufa, o que equivale à inserção de duzentos novos carros de passeio nas avenidas da Grande São Paulo. Cada boi na Amazônia equivale a 200 carros em São Paulo.
Como se não bastasse a moratória que pode chegar até a R$ 13 bilhões em multas e infrações de crimes ambientais anistiados para grandes empreendimentos agropecuários, a bancada ruralista no Congresso Nacional ainda pretende cometer coisas ainda mais graves, como acabar com a averbação obrigatória em cartório das áreas florestais a serem preservadas, permitir a recomposição florestal em bacia hidrográfica diferente da que ocorreu o dano ambiental, redução dos limites de APP´s e reservas legais, descentralizar a gestão ambiental para estados e municípios ou ainda acabar com a diferenciação entre agronegócio e agricultura familiar, reforçando com isso as diferenças e desigualdades entre ricos e pobres, seja no campo, seja na cidade, através dos impactos climáticos que os centros urbanos vêm sofrendo.
A bancada do PSOL se coloca contra qualquer espécie de moratória ou anistia de multas e penalidades sobre qualquer crime ambiental no Brasil, concessão que vem sendo articulada pelas bancadas da base governista e da bancada ruralista, seja da base do governo, seja da oposição de direita. Da mesma forma, somos contrários à revogação da legislação ambiental e à legalização do desmatamento na Amazônia brasileira em nome do agronegócio. A sociedade civil deve se organizar para impedir esse crime ambiental de proporções incalculáveis arquitetado pela elite brasileira.
Ivan Valente – Deputado Federal – PSOL/SP