Por Kenzo Jucá – sociólogo e assessor da Bancada do PSOL na Câmara dos Deputados
Marina Silva e Heloísa Helena juntas em 2010 – duas mulheres pobres, Amazônia e Nordeste. Ambas negaram o pacto do poder pelo mero poder. Esse cenário tira o sono da elite brasileira.
O anúncio oficial dessa possibilidade, feito pelo PSOL essa semana, foi precedido por artigo atônito de José Dirceu, onde acusa o golpe desferido por Marina e Heloísa nos flancos de Dilma Roussef e José Serra de uma só vez.
O que mais preocupa PT, PMDB, PSDB e PSB nessa provável aliança é que atinge de uma só tacada as candidaturas Dilma, Serra e Ciro. Caso aliada à Heloísa Helena (candidata ao Senado), a candidatura Marina à presidência estará afirmando categoricamente ao Brasil que a agenda ambiental não é compatível com o modelo neoliberal e com a racionalidade capitalista hegemônica no mundo, representada pelas três candidaturas.
Seriam duas contra três. Seria um simbolismo do antagonismo entre trabalhadores e excluídos ante o sistema financeiro, empreiteiras e agronegócio, superando maniqueísmos. A complexidade da crise ambiental tomaria seu lugar: uma questão econômica e política objetiva, não somente filosófica ou subjetiva como fazem crer.
A aproximação entre Marina e Heloísa demonstra estar além da reconhecida amizade pessoal entre ambas ou de mera conjuntura eleitoral. Mais que isso, o diálogo é fruto da relação direta entre a crise ambiental global e a crise econômica mundial. É resultado da postura coerente do PSOL e da ruptura de Marina com o lulismo.
A racionalidade ambiental, conceito desenvolvido por Enrique Leff, implica na desconstrução da racionalidade capitalista do mundo globalizado. Esse esforço supera os movimentos ambientalistas e a ética ecológica do senso comum e marca a passagem da modernidade para a pós-modernidade, onde a racionalidade ambiental aponta ao anti-capitalismo. O diálogo entre Marina e Heloísa demonstra isso claramente.
Essa aproximação, além de tirar o sono das elites e apontar uma alternativa ambiental de poder socialista concreta à globalização no Brasil, pode ser capaz de reverter injustiças históricas na Amazônia brasileira e no país.
Mesmo com 1 milhão de barcos navegando em seus rios, construídos por uma das indústrias navais artesanais mais avançadas do mundo, a Amazônia não possui escolas profissionalizantes navais ou linhas de financiamento aos construtores tradicionais. Apesar de o Fundo de Marinha Mercante possuir R$ 10 bilhões para investir no setor anualmente. Resulta da ausência de racionalidade ambiental no planejamento público.
Apesar de ser a maior e mais importante bacia hidrográfica do Planeta Terra, a Amazônia não possui nenhum comitê gestor de bacia hidrográfica. Mesmo o Brasil possuindo centenas de comitês em funcionamento e o PAC programar dezenas de projetos hidrelétricos na bacia amazônica, envolvendo milhares de pessoas.
A união entre racionalidade ambiental e alternativa socialista no Brasil, representada pela possibilidade de aliança entre Marina Silva e Heloísa Helena em 2010, significa o grande fato novo digno de nota na América Latina atualmente.
Kenzo Jucá é sociólogo e assessor da Bancada do PSOL na Câmara dos Deputados.
Artigo originalmente publicado no Correio da Cidadania em 17-Nov-2009