Quem acompanha a corrida eleitoral presidencial consegue observar que nesta eleição há uma discussão mais acalorada sobre o papel dos institutos de pesquisa e sobre a confiabilidade dos números apresentados nos estudos dessas instituições. Nos últimos dias, o tema ganhou mais notoriedade devido ao projeto de alteração do Código Eleitoral, que foi aprovado pela Câmara no ano passado e que avança no Senado em 2022. Entre as medidas do projeto, relatado pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG), está a proibição da divulgação de pesquisas na véspera e no dia da votação nas urnas, o afrouxamento da fiscalização dos partidos e da Lei da Ficha Limpa.
Além da alteração do Código, a discussão sobre as pesquisas têm ganhado destaque por conta dos pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro, de sua família e apoiadores. Assim como tem feito com as urnas eletrônicas, Bolsonaro atua sistematicamente para deslegitimar os resultados dos levantamentos, em especial quando não lhe são favoráveis. Em geral, o principal argumento dos bolsonaristas contraposto aos números divulgados é o de que não refletem o que é observado no calor das ruas, o chamado “DataPovo”, como adoram mencionar.
Na semana passada, dois institutos divulgaram pesquisas muito discrepantes sobre a corrida presidencial, situação que vem se repetindo nos últimos meses. O DataFolha divulgou que Lula tem 48% das intenções de voto no 1º turno, frente a 27% de Bolsonaro. Já o PoderData divulgou que o ex-presidente tem 43% contra 35% do atual mandatário.
Não é uma diferença pequena, afinal, pelo DataFolha Lula venceria no 1º turno com diferença de 21% em relação ao segundo colocado. Pelo PoderData, a diferença entre os dois é de apenas 8% e a possibilidade de 2º turno é muito maior. O que explica essa discrepância tão grande entre os dois resultados e qual instituto é mais confiável?
Em primeiro lugar, há uma grande diferença de método entre os dois levantamentos. O DataFolha trabalha com pesquisas presenciais, realizadas com entrevistadores treinados que recrutam pessoas aleatórias nas ruas das cidades brasileiras. Esse também é o método do IPEC (antigo Ibope) e das pesquisas da Quaest. Em contrapartida, as pesquisas do PoderData são feitas por telefone, método semelhante ao utilizado por outros dois institutos, o Ideia e o Ipespe. O PoderData faz uso de uma máquina de voz que faz perguntas aos entrevistados.
O resultado dessa diferença metodológica é visível, pois os três institutos que realizam pesquisas presenciais indicam a possibilidade de vitória de Lula no 1º turno. Diversamente, os três institutos que realizam pesquisas por telefone indicam que isso não está no horizonte eleitoral. Mas por que a diferença de método gera esses resultados diferentes?
Diversos fatores apontam que as pesquisas presenciais alcançam um número maior de pessoas empobrecidas. Raramente um pesquisador consegue acessar, por exemplo, um condomínio de ricos para realizar suas pesquisas, enquanto uma razoável parcela da população mais pobre não tem acesso a telefone celular ou fixo. Isso torna a opinião dos mais ricos um pouco mais representativa nas pesquisas telefônicas e menos nas presenciais.
A opinião dos diretores do DataFolha, IPEC e Quaest inclui outros fatores, como baixa escolarização e tempo longo de entrevista para indicar a menor adesão das classes C, D e E às pesquisas por telefone. Em declaração à Veja de janeiro deste ano, Felipe Nunes, diretor da Quaest, afirmou que “quem responde o questionário completo por telefone, em geral, é mais escolarizado”. Mauro Paulino, do DataFolha, disse que “a pesquisa telefônica não fala com a classe E. Mesmo que esse entrevistado tenha telefone, ele muitas vezes não tem o tempo para ficar vinte minutos respondendo um questionário”.
À Veja, os outros três institutos se defenderam, dizendo que, tecnicamente, suas pesquisas estão corretas e que as diferenças refletem o voto envergonhado em Bolsonaro, que não é declarado publicamente, somando-se a isso a rejeição a institutos como o DataFolha por parte de bolsonaristas, que supostamente se recusariam a responder os questionários, e afirmaram que todos têm acesso a telefones no Brasil, inclusive os mais miseráveis.
Os únicos consensos que parecem existir entre todos os institutos é que Lula tem vantagem considerável em relação a Jair Bolsonaro no 1º turno (pelo menos 8% na pesquisa do PoderData, a menos favorável ao petista) e que o venceria com certa tranquilidade em um eventual 2º turno, além de ter larga vantagem entre os mais pobres em comparação a todos os candidatos.
Considerando a proporção de pobres e ricos no Brasil, e sabendo que a desigualdade entre essas duas camadas é uma das maiores do mundo, somando-se aí as consequências econômicas da covid-19, a gestão catastrófica de Bolsonaro e o peso eleitoral que os menos favorecidos possuem, que é muito maior que o da pífia minoria de ricos brasileiros, parece óbvio que os institutos que refletem mais o voto dos pobres oferecem mais confiabilidade do que os outros.
Outros fatores também devem ser levados em consideração quando falamos em confiabilidade das pesquisas eleitorais. O DataFolha e o IPEC (antigo Ibope) são institutos consolidados com décadas de existência, ao contrário do PoderData, recém-chegado às pesquisas eleitorais. Se tudo isso ainda não convence, vale lembrar que o DataFolha acertou que Jair Bolsonaro venceria a eleição de 2018 com boa vantagem.
Por último, é bom salientar que as pesquisas indicam as intenções de voto e não o próprio resultado eleitoral. Em 2018, por exemplo, 30 milhões de pessoas se abstiveram de votar e em alguma medida isso pode se repetir. Nossa torcida é para que até lá as pesquisas sérias sejam valorizadas, divulgadas e não censuradas por meio de alguma lei draconiana. Isso só ajuda o processo democrático que está sob tanto risco no país.