Chico Alencar cobra investigação das denúncias e afastamento de Sarney da Presidência
Em discurso no plenário da Câmara, nesta terça-feira 4, o deputado Chico Alencar, disse que a crise do Senado e mais do que a de um José e do Presidente Sarney. “É a crise da presença forte da política brasileira do patrimonialismo, do empreguismo na sua forma familiar, que é o nepotismo, da corrupção, dos currais eleitorais, do coronelismo e da oligarquia. E isso precisa ser superado de maneira contundente e forte”. Ele cobrou a investigação das denúncias e o afastamento de Sarney da Presidência do Senado e do Congresso Nacional.
Leia a íntegra do discurso do deputado Chico Alencar.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados e todo(a)s que assistem a essa sessão ou nela trabalham:
O mal de certos políticos não é a falta de persistência: é a persistência na falta
(Barão de Itararé)
O José que preside (ainda) o Senado da República não é um José comum: é uma figura pública e, por isso, exposta ao permanente crivo crítico da população. Esmerado escritor, sabe, mais que seu escudeiro Lula, que sua autobiografia, que já está redigindo, só terminará quando acabarem seus dias sobre a Terra. É assim com todos os que se dispõem a mandatos de representação e função de liderança: perdem o sossego da vida exclusivamente privada. Arrumam, voluntariamente, sarna para se coçar.
Agora vivemos mais um absurdo: o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, amigo da família e de Agaciel Maia, concede liminar ao filho de Sua Excelência, o empresário Fernando Sarney, para que gravações com autorização judicial da Operação Boi Barrica – que o indiciou por lavagem de dinheiro, tráfico de influência e formação de quadrilha não sejam mais publicadas pelo grupo O Estado de São Paulo, que informava corretamente a população. Pedir emprego no Senado para o namorado da filha, através do avô presidente, é assunto privado? Decisão judicial de quem devia se declarar impedido, por ter relações de proximidade com uma das partes, é legítima?
José Sarney pertence a uma saga de políticos que tem longa história na vida nacional: esses que se firmaram com base na dominação oligárquica, no patrimonialismo, no clientelismo e no empreguismo, inclusive em sua forma familiar, o nepotismo. Portanto, Sarney, símbolo da mistura nefasta entre interesses particulares e públicos, émais que Sarney. Sarney, como Renan Calheiros, Jader Barbalho, Collor e tantos outros chefes partidários, representa uma forma atrasada de fazer política.
O Brasil foi formado sem cidadania e com muita estadania. O Poder absolutista e mercantil que nos colonizou definiu uma sociedade subordinada ao Estado, cheio de negócios privados em seu interior. O combate, hoje, éaos políticos-donatários que repetem, no século XXI republicano, o regime de capitanias hereditárias. Os homens bons, donos de gado e gente, únicos que podiam ser eleitos para as Câmaras Municipais da colônia, seguem ativos, comprando votos, influência e consciências. O acadêmico José Sarney, da ABL, autor de O Dono do Mar, é tido como dono do Mar…anhão. E, há três mandatos, senador pelo Amapá. O mapa da influência coronelista tem amplas fronteiras.
Não é por falta de aviso que a política no Brasil mantém essas estruturas de voto de cabresto, currais eleitorais, toma-lá-dá-cá e, como conseqüência, corrupção. Aristóteles, bem antes de Cristo, já definia política como a elevada atividade de assegurar o bem de todos, o bem comum, como a finalidade da medicina era prover a saúde de todos os humanos. Em nossas terras, mais que com a sociedade, houve encontro com a suciedade, isto é, súcia, máfia, quadrilhas de malfeitores voltados para seus próprios benefícios, que usam o Poder Público para locupletar-se à saciedade. Foi assim no Império e é assim na República, velha, nova, novíssima, com as interrupções autoritárias, como a da ditadura mais recente de 1964 a 1985, retrocesso histórico em uma dinâmica democrática lenta e nem sempre substantiva.
E você, eleitor desatento, também é cúmplice desta marcha à ré pública. Com exceções que alinhavam esperança, muitos consideram que é assim mesmo, que é bobo quem não tira vantagem do prestígio que, com lábia, dinheiro e votos, se consegue. Depois o eleitor desinformado reclama, faz que não é com ele. Às vezes esconde, envergonhado, que ajudou a eleger o bandido que agora execra.
Vai passar? Vai. Nada melhor para o continuísmo das formas arcaicas de se fazer política, isto é, politicagem, que o desinteresse da população. Mas depende da boa luta que se trave agora, contra todas as podridões que os escândalos revelam, produzindo, pedagogicamente, uma nova visão, um resgate da boa política. Depende da capacidade da cidadania, ainda em formação, em especial da juventude, de não ceder ao jogo do desencanto, da desilusão, da despolitização.
Agradeço a atenção,
Sala das Sessões, 4 de agosto de 2009.