Chico Alencar
Quando a Corte Portuguesa instalou-se aqui, em 1808, houve uma “redescoberta do Brasil”. Muitas atividades econômicas e culturais até então reprimidas ganharam dinamismo, sobretudo na capital da então colônia. A Imprensa Régia foi criada. Mas também foi instituído um conselho, para que “nada se publicasse contra o Poder Real e a Santa Religião”. Essa memória lembra que intocabilidade em setores da vida pública, inexpugnáveis, vem do Absolutismo Monárquico.
A Petrobras foi criada em 3 de outubro de 1953, em plena República. É verdade que nosso regime, desde 1889, foi muitas vezes uma marcha a ré pública, marcado pela dominação oligárquica e pela predominância de interesses transnacionais na nossa economia. Ainda assim, o discurso republicano insiste na importância do controle popular sobre todas as instâncias da vida pública.
É inegável a força e a importância da Petrobras, ao longo dos seus quase 56 anos de atividades. A matriz energética de fósseis necessita de alternativas para o futuro do planeta, e os 75 mil trabalhadores da estatal que operam em 112 plataformas de produção, 63 sondas de perfuração terrestres e marítimas, 16 refinarias e 10 termelétricas também voltam-se, pouco a pouco, para os biocombustíveis. Avançam em consciência ambiental. A bandeira do Brasil, através da Petrobras, está em 27 países. Muitos dos que têm automóveis optam por abastecer num dos 7 mil postos de distribuição de derivados da logo verde e amarela, numa espécie de “nacionalismo” dos pequenos gestos…
O senador José Nery, representante do PSOL no Senado, não assinou o pedido de CPI para investigar contratos de patrocínios e terceirizações da Petrobras. Entendeu que a convocação do seu presidente e de diretores, para serem sabatinados, junto com uma auditagem do Tribunal de Contas da União, esclareceria, ao menos de início, várias questões. Uma CPI, naquelas circunstâncias, parecia tentativa frágil da oposição conservadora, de direita – leia-se PSDB e DEM – para encontrar algum discurso frente a um governo que lhes é semelhante e que, em boa má parte, “roubou” sua prática e sua política.
Mas chamou nossa atenção a enorme resistência do governo às investigações. Para nós, CPI não é, como repete uma certa tradição política, “instrumento da minoria”. Não: CPI é isso mesmo, Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar fatos determinados que possam estar ferindo o interesse público, os direitos do povo.
Também aí tucanos e petistas se aproximam: as reações de ambos, em Brasília, em São Paulo ou no Rio Grande do Sul, para mencionar os casos mais notórios, para evitar que CPIs investiguem aspectos suspeitos de seus respectivos governos, é intensa, igual e… inaceitável! O que tanto temem?
A resistência à instalação da CPI da Petrobras – como à CPI da Dívida Pública pedida pelo PSOL na Câmara – levanta indagações: por que não investigar os contratos da nossa megaempresa ou não auditar a nossa dívida pública, como determina disposição transitória de nossa Carta Magna? Que intocabilidade pode se atribuir a uma empresa? Haveria lá um aparelhismo partidário tacanho, tão indefensável quanto a entrega das nossas bacias sedimentares em leilões que, antes de ser governo, muitos que estão agora nos ministérios e agências, como Dilma Roussef e o PC do B, tanto questionavam?
Há Organizações Não Governamentais sérias, que dedicam-se, em muitas áreas, à emancipação social e educacional do nosso povo. Mas há também ONGs que são meros instrumentos do oportunismo e do enriquecimento ilícito. É de se supor que a Petrobras, que devia ser do povo brasileiro (e, ao menos, dos seus milhares de acionistas), tenha critérios claros e acompanhamento de todas a instituições que ela apoia. É nosso direito ter acesso a essas informações, no detalhe. Causa espanto a denúncia que dá conta, em contas pouco explicáveis, do patrocínio da Petrobras à Fundação José Sarney…
É por essas razões que a CPI precisa ser instalada e, sobretudo, funcionar. Não como um teatro de pirotecnias e exploração partidária eleitoreira. A CPI tem a missão de abrir à sociedade as vísceras dessa empresa que é nossa e as maquinações daqueles que querem entregar nossas riquezas estratégicas. Uma CPI séria ajudará a Petrobras a se reconstituir como nosso orgulho. Não apenas pela sua força econômica e tecnológica, mas também pela sua gestão transparente e democrática, a serviço da soberania nacional e da melhoria da vida da população.
Chico Alencar é professor de História e deputado federal (PSol-RJ)
Artigo publicado no Portal – www.socialismo.org.br