As eleições municipais do último período geraram números que nos convidam a uma reflexão atenta acerca do atual estado da representatividade da mulher na política do país. Duas frações numéricas muito simbólicas são as do percentual de mulheres eleitas (prefeitas ou vereadoras); e as proporções entre homens e mulheres quando analisamos as candidaturas caracterizadas pela legislação como “laranjas”, ou seja, quando não há campanha, movimentação financeira nas contas, e votação zerada. Em outras palavras, candidaturas cujos indícios apontam fortemente para uma simulação; uma candidatura falsa apenas para responder a uma demanda legal.
Agravando a complexidade desse cenário, os dados apresentados pelo TSE sobre as candidaturas que obtiveram zero votos e são caracterizadas como “laranja”, nos dão a dimensão do quanto há ainda por avançar em se tratando de representação feminina na política: foram 16.131 candidaturas fictícias, sendo que dessas, 14.417 eram de mulheres, quase 90% do total.
A combinação impactante desses dois dados faz mais sentido quando os associamos à lei 12.043 de 2009, que prevê uma cota mínima de 30% de candidatos de um dos dois gêneros na formação e inscrição das chapas de vereadores e deputados estaduais/federais. É fato que os homens estão longe de serem minoria nos espaços políticos institucionais, caracterizando a lei como ferramenta legal de inclusão das mulheres nos processos eleitorais.
Contudo, a imensa quantidade de candidatas falsas nos mostra que não há cumprimento da legislação como sugere sua redação, no sentido de fomentar as organizações partidárias a formar figuras públicas e quadros avançados femininos que resultarão em candidatas orgânicas. Contrariamente, a lei se tornou mais um concentrador de fraudes, pela recusa de muito partidos em encará-la como incentivo a um processo eleitoral mais igualitário e representativo. Há muito a se construir no movimento de mulheres, e isso fica mais que evidente quando temos de reconhecer que os incentivos do judiciário não bastam para transformar o machismo estrutural que está muito bem instalado na política brasileira.
Em São Carlos, interior de São Paulo, uma chapa de vereadores com coligação entre os partidos PROS/PEN/PTN teve 6 candidatas laranjas, denunciadas pelo promotor eleitoral, que pede a inelegibilidade por 8 anos das candidatas, a anulação dos votos dados à chapa, e o recálculo do quociente eleitoral.
Em Alvorada há aspectos muito semelhantes. Um das candidatas fictícias era mãe do presidente do PSBD, que também foi candidato. A promotora Rochelle Danusa Jelineck, da Promotoria de Justiça Especializada, já concluiu que houve fraude e que há declarações das próprias mulheres que dão base para se afirmar que as mesmas foram convidadas para filiarem-se e compor a chapa tão somente para o preenchimento dos 30% exigido pela lei 12.034, caracterizando-as como candidatas fictícias. A promotora analisa os encaminhamentos que serão feitos na esfera da justiça eleitoral, uma vez que a coligação PV/PSDB não fez nenhuma cadeira.
No município de São Paulo há também denúncia do MP pedindo a cassação dos registro da coligação PMDB/PSD, e também dos partidos PTB e Solidariedade também por motivo de fraude na cota de gênero. Nesse caso, a ação já foi julgada e a promotora eleitoral Vera Lúcia de Camargo Braga pediu aplicação de multa e pedido da inelegibilidade de todos os candidatos e candidatas inscritos na chapa, também para os membros da executiva dos partidos envolvidos na fraude, podendo resultar, inclusive, na cassação de seis vereadores eleitos pela coligação PMDB/PSD.