Nesta semana, meu filho Gabriel, 18, me telefonou informando que estava organizando os amigos da universidade para uma manifestação em Macapá. Empolgado, ele me contava da expectativa de a passeata “bombar” e do ânimo da sua geração na rua. Não resisti e, segurando as lágrimas, respondi: “Menino, aguardei 20 anos para que a sua geração chegasse, ainda bem que esperei”.
Randolfe Rodrigues
Reportava-me aos episódios do ano de 1992. Ainda estava engatinhando a mobilização para retirar Fernando Collor de Mello da Presidência da República, e eu estudava na Universidade Federal do Amapá. Eu, com outros estudantes, lutava para retirar do cargo a reitora da universidade, devido a posturas profundamente autoritárias.
Após a primeira manifestação contra a reitora, o vice declarou: “Estes meninos estão malucos, querem tirar a reitora. Daqui a pouco vão achar que podem tirar o presidente”. Paralelamente às mobilizações contra a reitoria, caminhava a luta pelo impeachment aprovada no 42º Congresso da UNE, ocorrido em Niterói no julho anterior. Em 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados aprovou o impeachment de Collor.
Nós não perdemos a oportunidade de devolver a provocação e produzimos uma faixa com os seguintes dizeres para afixar no saguão da universidade: “O presidente já foi, agora só falta a reitora”. Três meses depois, por causa das mobilizações, o Ministério da Educação demitiu a reitora e nomeou um novo reitor que, dois anos depois, convocou novas eleições para reitor da Unifap. Na história recente do Brasil, esta foi a segunda onda de mobilizações cidadãs.
A maior delas foi a campanha por eleições diretas para presidente, que colocou milhões de brasileiros nas ruas em 1984. Essa primeira onda tinha objetivos claros: reconquistar a democracia e pôr fim ao regime militar. Mas também estava presente um conjunto de desejos e esperanças de melhoria de vida.
Sou o resultado direto do encontro entre a primeira e a segunda onda de manifestações. As mobilizações para retirar do cargo o primeiro presidente eleito democraticamente pós-1964 foi também grandiosa. E a troca era uma demonstração de que o povo queria democracia, mas exigia respeito às suas reivindicações e bom uso dos recursos públicos.
Vinte e um anos depois das memoráveis mobilizações pelo impeachment, vejo a juventude voltar às ruas e mostrar a sua indignação. Há uma frustração com o modelo de democracia oferecida ao povo brasileiro. Esta geração nasceu na democracia e cresceu confiando que era suficiente eleger representantes e esperar que os mesmos melhorassem suas vidas.
As condições de existência, representadas pelo caos na saúde, precariedade dos transportes e má qualidade da educação e a insegurança nas cidades compõem o caldeirão que mobiliza as ruas.
Não é possível definir como será esta terceira onda de mobilizações da história nacional, ela se apresenta muito mais espontânea que as precedentes. É verdade que a pauta de reivindicações ainda é ampla e difusa e que seus atos não estão sendo organizados pelas entidades da sociedade civil e carecem de lideranças claras.
É uma nova experiência mobilizatória. É como se tivesse sido aberta uma panela de pressão e de dentro saíssem todas as demandas não resolvidas e as insatisfações com a forma de governar o país. Em uma semana forçaram a redução dos valores das tarifas de transporte em quase todas as capitais brasileiras.
Os jovens de hoje me fazem lembrar tempos vividos de igual intensidade. Tal como ontem, vi cartazes escritos: “Não atirem contra meus sonhos”. É impossível negar a um jovem o direito de sonhar, sem os sonhos eles envelhecem.
Randolfe Rodrigues é senador do PSOL/AP
*Artigo publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo no dia 23/06/2013.