Em face da crise e das demissões em massa que ocorreram no país nos últimos meses, como no caso da Embraer em fevereiro que demitiu 4.200 funcionários, os deputados Ivan Valente e Manuela D´ávila (PCdoB) em conjunto com outros deputados, apresentaram um PL que visa proibir as demissões coletivas. Leia a íntegra do PL.
PROJETO DE LEI Nº , de 2009
(Dos Srs. e Sras., Manuela d’Ávila, Ivan Valente, Roberto Santiago, Colbert Martins, Eudes Xavier, Paulo Pereira da Silva, Paulo Rocha, Daniela Almeida e Glauber Braga)
Define a dispensa coletiva de trabalhadores, fixa procedimentos e sanções e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Considera-se dispensa coletiva o ato de despedimento de empregado fundado em causas técnicas, econômicas ou financeiras, na forma desta Lei.
Art. 2º São consideradas coletivas as dispensas que, no período de noventa dias, afetem, (em cada unidade da empresa):
a) pelo menos cinco trabalhadores, nas empresas que possuam até vinte empregados;
b) pelo menos dez trabalhadores, nas empresas que possuam entre vinte até cem empregados;
c) pelo menos 10% (dez por cento) dos trabalhadores, nas empresas que possuam entre cem e trezentos empregados;
d) pelo menos trinta trabalhadores, nas demais empresas.
Parágrafo único. É considerada coletiva a extinção dos contratos de trabalho que afetem mais de cinco empregados do estabelecimento, desde que fundada nas causas mencionadas no art. 1º e resulte no encerramento das atividades de um setor ou divisão.
Art. 3º A empresa que tiver a intenção de realizar a dispensa coletiva de empregados deverá solicitar por escrito autorização para a extinção dos contratos, com antecedência mínima de trinta dias, à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, com indicação fundamentada da causa para dispensa e remessa de toda documentação necessária à comprovação dos fatos alegados.
§ 1º Caberá ao empregador demonstrar, em seu pedido, que adotou medidas para evitar a dispensa coletiva, tais como a concessão de férias coletivas, restrição à prática de horas extras e labor em repouso remunerado, a transferência de empregados para outros postos ou unidades de serviço, o treinamento de mão-de-obra e o estímulo às demissões voluntárias.
§ 2º A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego comunicará do pedido ao representante local do Ministério Público do Trabalho.
§ 3º Caso a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego constate a ausência de documentos necessários à análise do pedido, notificará a empresa para que os apresente no prazo improrrogável de cinco dias, sob pena de arquivamento.
§ 4º A entidade sindical representante dos trabalhadores será comunicada com igual antecedência pelo empregador, com cópia integral do pedido.
Art. 4º Para que os representantes dos trabalhadores possam formular propostas construtivas, o empregador deve fornecer-lhes por escrito todas as informações úteis, os motivos da dispensa, o número de trabalhadores a despedir, o número de trabalhadores habitualmente empregados e o período no decurso do qual se pretende efetuar as dispensas.
Parágrafo Único. É assegurado à entidade sindical o direito de consultar os balancetes, balanços, fichas financeiras e quaisquer documentos financeiros e contábeis necessários à verificação e comprovação das causas alegadas pelo empregador.
Art. 5º Uma vez verificado que o pedido se encontra em ordem e suficientemente instruído, a autoridade administrativa designará audiência de conciliação com a entidade sindical, com antecedência mínima de dez dias, ressalvados os casos urgentes, da qual será dado ciência ao representante do Ministério Público do Trabalho, para viabilizar a manutenção dos postos de serviço, a adoção de medidas para atenuar as conseqüências para os trabalhadores afetados ou a elaboração de plano para redução das dispensas.
§ 1º É facultado às partes celebrarem acordo ou convenção coletiva para manutenção dos empregos.
§ 2º Na ausência de conciliação, a autoridade administrativa proferirá decisão, em prazo não superior a dez dias, concedendo ou não a autorização.
§ 3º É facultado às partes questionar judicialmente a legalidade da decisão, caso em que o Ministério Público do Trabalho será intimado para atuar como fiscal da lei, não cabendo a submissão da demanda à Comissão de Conciliação Prévia, se existente.
Art. 6º Não poderão sofrer dispensa coletiva:
a) os dirigentes sindicais;
b) os representantes eleitos para a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, que se regem por regra própria;
c) os portadores de estabilidade ou garantia de emprego.
Art. 7º Terão prioridade de permanência na empresa os empregados que vierem a implementar as condições para aposentadoria nos vinte e quatro meses que se seguirem ao pedido de autorização.
Art. 8º Na elaboração do plano para a dispensa, serão inicialmente listados para a dispensa:
a) os trabalhadores que, consultados previamente, prefiram a dispensa, mediante homologação no sindicato profissional;
b) os empregados que já estiverem recebendo benefícios da aposentadoria definitiva pela Previdência Social ou por alguma forma de previdência privada.
Art. 9º Os trabalhadores que sofrerem dispensa coletiva farão jus à seguinte indenização, além das sanções previstas para extinção do contrato por prazo indeterminado e de outras que vierem a ser previstas por norma coletiva ou contrato:
a) para os trabalhadores com menos de um ano de serviço: um mês de salário;
b) para os trabalhadores com tempo de serviço igual ou superior a um ano e inferior a cinco anos: um mês de salário por ano de serviço ou fração superior a seis meses;
c) para os trabalhadores com tempo de serviço igual ou superior a cinco anos de serviço e inferior a dez anos: um e meio mês de salário por ano de serviço ou de fração superior a seis meses;
d) para os trabalhadores com tempo de serviço igual ou superior a dez anos de serviço: dois meses de salário por ano de serviço ou de fração superior a seis meses.
Parágrafo único. A presente indenização se aplica em caso de declaração de falência ou recuperação, extrajudicial ou judicial.
Art. 10 As empresas com mais de 300 empregados em todos os seus estabelecimentos ou que pertençam a um grupo econômico com mais de 300 empregados, tem a obrigação de constituir uma Célula de Apoio ao Empregado, para apoiar os empregados dispensados na busca de uma nova oportunidade de trabalho e renda, concomitantemente ao pagamento das indenizações.
Art. 11 Cabe à Célula de Apoio ao Empregado avaliar as qualificações dos empregados cuja dispensa é planejada, fazer seu acompanhamento psicológico, estudar possibilidades de recolocação do empregado no mercado de trabalho e fornecer formação relacionada com a busca de novo emprego.
Parágrafo único. Cabe à Célula de Apoio ao Empregado cadastrar os empregados por ela atendidos no Sistema Gestão do Programa de Ações de Emprego (SIGAE).
Art. 12 Quatro meses após a constituição da Célula de Apoio ao Empregado, suas atividades são extintas, cabendo ao empregador enviar ao sindicato respectivo e ao Ministério do Trabalho e do Emprego um relatório geral sobre as atividades que foram desenvolvidas pela célula de apoio ao empregado e relatórios individuais para cada empregado contendo, exclusivamente, seu nome, relação das atividades das quais se beneficiou e a indicação de sua eventual recolocação. Os currículos dos empregados não recolocados serão encaminhados ao Ministério do Trabalho e do Emprego.
Art. 13 Invalidada a dispensa coletiva por decisão judicial, no todo ou em parte, será imposta à empresa multa de cinco salários mínimos por cada trabalhador demitido irregularmente, sem prejuízo da sua reintegração ao emprego, assegurados todos os direitos do período do afastamento.
Art. 14 O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias de sua publicação.
Art. 15 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
A crise econômica mundial que se alastrou ao final do ano de 2008 trouxe uma realidade amarga aos trabalhadores, com a retração no mercado de trabalho e aumento do desemprego.
Em nosso país, que não possui nenhuma legislação limitando o direito potestativo do empregador de por fim ao contrato de trabalho, os efeitos são ainda mais dramáticos, uma vez que nada impede a dispensa coletiva, com graves conseqüências sociais.
A precariedade da legislação brasileira é flagrante. Os países capitalistas mais avançados já restringem e regulamentam há muito a dispensa coletiva, seja por aplicação da Convenção nº 158 da OIT, seja pela internalização da Diretiva nº 75/129 da Comunidade Européia. Em contraste, o absoluto silêncio da lei brasileira proporciona que as demissões coletivas sejam freqüentes e, não raramente, exprimam tão-somente o interesse do empregador em aumentar seus lucros, justificando a crise financeira.
A verdade é que nada distingue o empregador de boa-fé e que tem responsabilidade social, que procura manter os empregos, daquele que vale-se de suposta conjuntura econômica para, mediante fraude, substituir sua mão-de-obra por outra de menor salário.
Essa falta de sintonia entre a legislação brasileira e a proteção social do direito comparado levou o Doutrinador e Magistrado Antônio Álvares da Silva a expressar:
“(…) a dispensa coletiva é ato dialogado e não unilateral. Não é arbítrio, mas entendimento. Dele participam a autoridade pública, o empregador, os representantes dos trabalhadores e eles próprios. Nada mais certo, porque as conseqüências refletir-se-ão sobre todos eles. O Estado deverá arcar com o seguro-desemprego e com o apoio econômico às empresas. Estas terão suas dificuldades agravadas. E o empregado perderá o emprego. Nada pior para um país e para a comunidade. Por isto é que a C.158 previu as providências apontadas para humanizar, pelo menos um pouco, a dispensa coletiva.
“No Brasil, o que presenciamos? Dispensas em massa por todos os lados, que muitas vezes afetam até a sobrevivência de municípios, como é o caso de certas mineradoras. Os bancos brasileiros, embora lucrem com o maior spread do mundo, denunciado pelo próprio Ministro da Fazenda, não têm compromisso com a manutenção do emprego. As ruas se enchem de desempregados e todos esperam por soluções que não vêm.” (Dispensa Coletiva, site do TRT da Terceira Região, Belo Horizonte, em http://www.trt.gov.br/download/artigos/pdf/93_dispensa_coletiva.pdf, consultado em 29 mar 2009).
A compatibilização entre os princípios constitucionais do nosso Estado Democrático de Direito é igualmente reconhecida pelo magistrado e professor da USP, Jorge Luiz Souto Maior:
O Estado brasileiro é um Estado democrático de direito e seu objetivo primordial é promover a justiça social e o bem-estar de todos. A dispensa coletiva de trabalhadores, sem motivação ou comprovação de boa-fé dos motivos alegados, muitas vezes baseada em balanços fraudulentos, não correspondendo, pois, a uma necessidade econômica e não se efetivando com uma necessária ampla discussão prévia entre os seus interlocutores diretos, da qual participem as instituições públicas locais e nacionais, demonstra-se, flagrantemente, como simples e torpe pressão de natureza econômica, uma represália do econômico sobre o social.
(…) Conclusivamente: a dispensa imotivada de trabalhadores, em um mundo marcado por altas taxas de desemprego, que favorece, portanto, o império da “lei da oferta e da procura” e que impõe, certamente, aos trabalhadores condições de trabalho subumanas e diminuição de suas garantias e salários, agride a consciência ética que se deve ter para com a dignidade do trabalhador e, por isso, deve ser, eficazmente, inibida pelo ordenamento jurídico.” (Convenção 158 da OIT. Dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 475, 25 out. 2004, em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820, consultado em 29 mar 2009).
O Juiz do Trabalho Substituto da Oitava Região, Pedro Tourinho Tupinambá, igualmente propugnou a elaboração de projeto de lei para coibir as dispensas coletivas, denunciando a prática, que já julgava antijurídica, de realizar a demissão de trabalhadores com o intuito de contratar novos empregados com salário inferior. Para Tourinho, as dispensas coletivas assim realizadas são discriminatórias:
“A empresa que não simplesmente demitir os seus empregados, mas em atos contínuos os demitir e admitir novos empregados para substituir os primeiros, por outros mais novos e com salários mais baixos, demonstra, inequivocamente, que a demissão foi discriminatória e incidiu sobre aqueles funcionários que eram mais antigos (velhos) e detinham direito a receber salários maiores. (…) a demissão discriminatória coletiva é vedada pelo direito do trabalho brasileiro, sendo o sindicato legitimado para ingressar com ação civil pública em defesa desses trabalhadores, cabendo ao judiciário coibir tais demissões discriminatórias.” (Discriminação no Trabalho: Vedação à Demissão Coletiva Discriminatória e Legitimidade do Sindicato Para Propor Ação Civil Pública Coletiva Para Defesa Dos Interesses Individuais Homogêneos; Tese apresentada ao CONAMAT, disponível em http: www.anamatra.org.br, consultada em 29 mar 2009)
É um anseio da comunidade jurídica trabalhista, do movimento sindical e da sociedade brasileira a limitação das dispensas coletivas no Brasil. A atual crise econômica mundial apenas veio tornar urgente a necessidade da normatização.
Segundo dados do IBGE, somente no último trimestre de 2008 verificou-se redução de 8,3% no nível de empregos, em relação ao ano anterior, na indústria de fumo; -5,8% no setor têxtil; -8,5% no segmento do vestuário; -11% nas indústrias madeireiras (www.ibge.gov.br). A tais segmentos, imediatamente atingidos pela conjuntura internacional, se somaram outros, com a agudização da crise nos primeiros meses de 2009, sendo emblemática e significativa a demissão de 4.200 empregados da EMBRAER.
Em manifesto datado de 22 de janeiro deste ano, assinado por centenas de estudiosos e ativistas de Direito Social, intitulado “CONTRA OPORTUNISMOS E EM DEFESA DO DIREITO SOCIAL”, defendem os signatários:
(…) Além de constituírem atentado à ordem jurídica, por ferirem o disposto no inciso I, do art. 7º., da Constituição Federal, as ameaças de dispensas coletivas representam meras estratégias de pressão, de natureza política, para se extraírem vantagens econômicas a partir do temor e da insegurança que geram sobre os trabalhadores e, por via indireta, ao governo. (…) não se podem ver nos preceitos fixados nos incisos do art. 7º. os fundamentos jurídicos para fornecer aos empregadores a possibilidade de, por um exercício de poder, induzirem os trabalhadores, mesmo que coletivamente organizados, a aceitarem a redução dos direitos trabalhistas legalmente previstos, ainda mais quando tenham sede constitucional e se insiram no contexto dos Direitos Humanos, que são, como se sabe, abarcados pelo princípio do não-retrocesso. As ameaças de dispensas coletivas e o ataque generalizado às garantias trabalhistas constituem, portanto, um atentado contra a ordem jurídica e o Estado Social, até porque o desenvolvimento da economia está, necessariamente, atrelado aos postulados da boa-fé e da justiça social (art. 170, da CF).” (disponível em http://www.amatra4.org.br/Comunicacao/Artigos/1900, consultado em 22 mar 2009).
A crise econômica em curso torna urgente a regulamentação de dispensa coletiva em nosso país, a exemplo do que ocorre na maioria dos países do capitalismo ocidental moderno.
A proposta legislativa que ora se apresenta toma por base experiências normativas de várias fontes, dentre as quais a Convenção nº 158 da OIT, a Diretiva nº 75/129 da Comunidade Européia e os sistemas europeus que regulamentam a dispensa coletiva, assim como o enfoque japonês, baseada no controle judicial.
A regulamentação segue, em linhas gerais, o critério numérico da legislação comparada para definir a dispensa coletiva, aproveitando-se dos conceitos, maduros em nosso direito, de razões técnicas, financeiras ou econômicas para a dispensa. Aproveitou-se a necessidade de comunicação e negociação prévia, encontrada em todos os sistemas jurídicos pesquisados. Ao fim, elaborou-se proposta que não se confunde com nenhum dos sistemas de direito comparado pesquisados, mas que deles retira os acertos mais importantes. É um passo necessário para a modernização e atualização da legislação trabalhista brasileira.
O projeto de lei complementar estabelece a necessidade de a dispensa coletiva ser justificada por motivo de natureza econômica. A caracterização deste motivo tem critérios bem determinados, a fim de evitar arbitrariedades e uma grande margem de interpretação. Para os casos em que o motivo de natureza econômica estiver devidamente caracterizado, o projeto de lei complementar prevê um procedimento de dispensa que tem como linha diretriz o respeito e a valorização do empregado.
Além disso, o projeto de lei complementar prevê a criação da Célula de Apoio ao Empregado (CAE), destinada a orientar o empregado em sua recolocação no mercado de trabalho.
Ao perder um emprego, o indivíduo perde um elemento fundamental de sua vida, o seu trabalho. Pelo trabalho, o indivíduo se insere na sociedade, tem consciência de sua utilidade e contribuição para a vida econômica. A perda do trabalho gera a perda da principal fonte de capital, interfere negativamente nas relações sociais, inclusive familiares e, geralmente, dá início a um processo de autodesvalorização. A CAE vem amparar o empregado neste momento difícil. A metodologia da CAE articula-se em torno de dois grandes eixos: o acompanhamento individual da pessoa e a prospecção de novas oportunidades de trabalho. A CAE, além de pesquisar ativamente oportunidades de emprego, promove o acompanhamento individual de cada trabalhador, dando-lhe apoio psicológico, realizando o balanço de suas qualificações, elaborando um projeto profissional e auxiliando na integração a um novo emprego.
Sala das Sessões, em de maio de 2009.
Deputado Ivan Valente PSOL/SP
Deputada Manuela d’Ávila PC do B/RS
Deputado Roberto Santiago PV/SP
Deputado Colbert Martins PMDB/BA
Deputado Eudes Xavier PT/CE
Deputado Paulo Rocha PT/PA
Deputado Paulo Pereira da Silva PDT/SP
Deputado Daniel Almeida PCdoB/BA
Deputado Glauber Braga PSB/RJ