São Paulo – Os que defendem um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, em discussão no governo federal desde a época do presidente Lula, costumam ser tratados na grande mídia como vilões que atentam contra a liberdade de expressão no país. Mas essa crítica terá resposta.
CARTA MAIOR – Marcel Gomes
Para mostrar que novas regras para concessões de radiodifusão – um dos pontos do novo marco – podem servir justamente para o contrário, ou seja, ampliar a liberdade de expressão, uma série de organizações da sociedade civil lançará uma campanha com vistas a incentivar o debate entre os brasileiros.
A coordenação caberá ao Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que promoveu seminário sobre o tema na última sexta-feira (4), em São Paulo.
“A comunicação ainda não é compreendida como direito, o que já ocorre com moradia ou com comida. O movimento social precisa falar sobre isso, dialogar com o trabalhador rural, a dona de casa, o metalúrgico”, diz Rosane Bertotti, coordenadora do FNDC e secretária de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
A campanha deve reunir ações na internet e nas redes sociais, lançamento de vídeos e cartilha, protestos nas ruas e atividades de divulgação junto à outras entidades que se interessem em se aprofundar na discussão. A primeira mobilização pública deve ocorrer em junho, durante as atividades paralelas à Rio+20, no Rio de Janeiro.
Ao lançar a campanha agora, os organizadores pretendem aproveitar o momento político: a Casa Civil do governo Dilma deve realizar em breve uma consulta pública sobre pontos específicos do marco regulatório. Seria o primeiro gesto concreto da atual administração em relação ao tema.
Mas o não há o que celebrar. Segundo João Brant, do coletivo Intervozes, que integra do FNDC, a consulta é um passo para trás, pois o governo Lula já havia deixado pronto um projeto de marco regulatório – que não foi apresentado oficialmente.
“Não podemos mais deixar de dialogar com o conjunto da sociedade e esperar o governo. Essa campanha precisa mostrar que queremos para o Brasil o que todas as democracias ocidentais já têm, ou seja, regulação que garanta equilíbrio na cobertura e que amplie, e não restrinja, a liberdade”, disse ele, lembrando que a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) ocorreu em dezembro de 2009, e até hoje a maioria de suas propostas aprovadas não saiu do papel.
Apoio político O seminário do FNDC recebeu representantes de diversos partidos políticos. Miro Borges, do PCdoB e do Centro Barão de Itararé, apontou que a campanha ocorrerá em um momento favorável, quando o governo Dilma “deixou de ser pautado pela mídia e a está pautando, com o enfrentamento do setor financeiro”.
Ele lembrou ainda que a credibilidade da grande mídia está arranhada, com o envolvimento da revista Veja com o escândalo de Carlinhos Cachoeira. “Pegaram o Bob Civita”, ironizou Borges, referindo-se ao publisher de Veja e dono da editora Abril, Roberto Civita.
Ao contrário de Borges, o presidente do PSOL, o deputado federal Ivan Valente, não se disse otimista com o momento político. Citando o episódio da votação do novo Código Florestal, ele acusou o governo federal de “jogar recuado em um tema de grande apelo como a sutentabilidade”. Se o marco regulatório gera menor mobilização, por que esperar que o governo atuará na ofensiva? – questionou.
“A luta da comunicação é difícil porque não é encampada pelos movimentos e sindicatos. E precisaremos de muita mobilização para mexer nessa estrutura”, afirmou Valente. Ele lembrou que o PSOL deu entrada no Supremo Tribunal Federal a uma ação direta de inconstitucionalidade para requerer à corte que determine ao Congresso a regulamentação de artigos constitucionais relativos à comunicação social – mas ainda não houve decisão.
Além de PCdoB e PSOL, também o PT garantiu apoio à campanha. Quem confirma é o deputado federal André Vargas, secretário de comunicação da legenda. Ele afirmou que o partido “tensiona” o governo para que o debate sobre o marco regulatório seja aprofundado.
“Mas não se faz política fora da correlação de força”, ponderou ele, alertando que a discussão no Congresso, dentro da base do governo, é mais complicada. Por isso, o parlamentar também acredita que a campanha não deve “esperar” o governo adotar inciativas, e que a “sociedade tem de tomar o debate para si”.
A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), presidente da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação com Participação Popular (FrenteCom), também defendeu a mobilização popular como estratégia para o sucesso da campanha.
“Eu tenho ojeriza à esse termo ‘correlação de força’. Não quero ter isso como referência, porque correlação de força a gente constrói com militância. Posso estar sendo utópica, mas eu quero morrer sonhando”, declarou Erundina.
Como estratégia de ação, ela defendeu que a campanha tenha como um de seus objetivos a construção de um “projeto de lei estruturante de iniciativa popular”, tratando da proposta de um marco regulatório para o sistema de comunicação social.
“Seria um passo além, coletaríamos assinaturas e aí teríamos força e voz junto ao governo”, propôs ela. Essa sugestão ainda está em discussão entre as organizações que participam da campanha.