O governo federal lançou uma nova etapa do chamado plano Brasil Maior, uma série de medidas destinadas a incentivar a produção manufatureira. A indústria brasileira vive uma crise. Além de reduzir sua participação relativa na formação do PIB, ela recua em termos absolutos de forma acelerada.
Gilberto Maringoni
No pacote há incentivos fiscais, aumento de repasses ao BNDES para a concessão de crédito subsidiado e desonerações variadas. O objetivo é estimular 15 setores industriais, com uma ajuda de quase R$ 60 bilhões. Há medidas importantes. Só não se toca no essencial: a excessiva valorização cambial que torna produtos nacionais mais caros em relação aos estrangeiros.
Segundo o IBGE, o pico de participação da produção industrial no PIB caiu de 27,5% em 1985 para 14,6% em 2011. De outra parte, a participação de produtos primários na pauta de exportações brasileiras avançou dez pontos percentuais, de 41% para 51% entre 2007 e 2010. O avanço de commodities e a perda de competitividade industrial formam um conjunto perverso de reprimarização da economia.
Desoneração da folha
O centro das ações governamentais foi a desoneração das contribuições previdenciárias da folha de pagamentos por parte do patronato, atualmente em 20% do total. A partir de agora, para determinados ramos industriais, a contribuição incidirá sobre a receita bruta das empresas, independente do valor dos salários. É uma medida acalentada há décadas pelo empresariado.
Segundo cartilha distribuída pelo Ministério da Fazenda, a iniciativa “amplia a competitividade da indústria nacional, por meio da redução dos custos laborais, e estimula as exportações, isentando-as da contribuição previdenciária”.
Ou seja, para a administração petista, o suposto alto custo do trabalho no Brasil é o responsável pela perda de competitividade.
O consultor empresarial e atual Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, vai mais longe. No mesmo dia do anúncio do plano, ele declarou o seguinte: “Eu acho que o objetivo nosso é chegar até o final do mandato com a folha de pagamento do setor industrial brasileiro inteiramente desonerada”.
Pimentel pode estar querendo agradar sua clientela. Mas se a idéia prosperar, o governo Dilma Rousseff adotará medidas que nem mesmo a gestão tucana ousou tomar: cortar a principal fonte de financiamento da Seguridade Social, garantida pela Constituição de 1988. Pela Carta, a Seguridade, na qual a Previdência está inscrita, é financiada por recursos de empregados, empregadores e Estado. O artigo 195 define como fontes, além das contribuições de patrões e trabalhadores, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), entre outras.
Desonerar a folha integralmente, como quer o consultor, retirará recursos essenciais do setor. O curioso é que governo, empresários e mídia sempre alardeiam a existência de um nunca comprovado “déficit da Previdência”. Este, por sua vez, justifica eternas reformas privatizantes.
Valorização cambial
Mas as medidas recentes deixam de lado o essencial – o câmbio sobrevalorizado – e servem como paliativos de reduzida eficácia. Calcula-se que o real esteja 20% acima de um patamar que torne as exportações competitivas. Apenas nos dois primeiros meses deste ano, a moeda nacional valorizou-se 8,7% em relação ao dólar.
Há várias razões para o fenômeno. A principal delas é a altíssima taxa de juros, que atrai dinheiro especulativo aos magotes para o país. Com isso, elevam-se as reservas internacionais – 17,2% em um ano – que valorizam o real.
Até agora o governo tem adotado medidas tópicas para evitar a valorização, como seguidos leilões de dólares e o estabelecimento, no ano passado, de uma alíquota de 6% no imposto sobre operações financeiras (IOF). A taxação é irrisória diante das possibilidades de ganhos especulativos com o câmbio.
A ação que poderia fazer a taxa de câmbio convergir para patamares competitivos seria desestimular a entrada descontrolada de capitais através de um corte significativo da taxa de juros, que a deixasse em percentuais semelhantes aos praticados em outros países. Ou seja, uma taxa real menor que 1%. Em termos nominais – somada a inflação – isso equivaleria a uma redução de 4 pontos, reduzindo-se a Selic para cerca de 5,5% ao ano.
Fugindo do problema
Por que o governo não ataca a raiz do problema?
Porque trata-se de uma decisão política, que solapa grandes e médios interesses na sociedade. Quem mais se opõe a um corte profundo nos juros são os grandes credores da dívida pública (banqueiros e especuladores). Em seguida, há um setor da classe média alta, que tem investimentos bancários lastreados em títulos do tesouro. Em terceiro, os rendimentos da poupança, calculados com base na Selic e na Taxa Referencial (TR), seriam comprimidos.
Mas os ganhos para o país seriam imensos. Em primeiro lugar, não seria necessário drenar cerca de R$ 240 bilhões ao ano do orçamento da União para o financiamento da dívida pública. Com a queda dos juros, o dinheiro ficaria mais barato e o crédito poderia se expandir mais. E o câmbio se equilibraria, devolvendo a sonhada competitividade à indústria.
A valorização do dólar poderia acarretar um aumento da inflação no curto prazo. Com o câmbio atual, a oferta de produtos industriais estrangeiros baratos desestimula reajustes nos similares nacionais. Ou seja, o problema da farra dos importados é também – sob a ótica governamental – uma maneira de se segurar os preços internamente.
Energia nas alturas
Há outro fator decisivo a elevar os custos de produção internos. Trata-se dos preços de energia e telecomunicações, cotados entre os mais caros do mundo. Eles eram muito mais baratos quando os serviços eram oferecidos por empresas públicas.
Nos anos 1990, para tornar as estatais atraentes para o capital privado, uma garantia básica foi dada pelo governo FHC. Tratou-se de aplicar seguidos tarifaços, majorando os preços dos serviços em até 500% antes dos leilões. Assim, os concessionários teriam lucros rápidos e fáceis. A lembrança é de Aloysio Biondi, no clássico O Brasil privatizado.
Em curtíssimo tempo, a energia brasileira – sem que os novos donos colocassem um centavo de investimento novo – tornou-se uma das mais caras do mundo. A ironia da história é que o empresariado apoiou entusiasticamente as vendas das estatais e agora reclama dos preços, pedindo subsídios.
Novas e variadas toalhas
A vida não está fácil para a indústria brasileira. A enxurrada de emissões de dólares e de euros realizadas pelo Fed e pelo Banco Central Europeu tende a criar desvalorizações competitivas através de uma verdadeira guerra cambial, como definiu o ministro Guido Mantega, em 2009. A presidenta Dilma chamou recentemente o fenômeno de tsunami monetário.
Tudo bem, mas não adianta reclamar. É o mesmo que o Palmeiras apresentar queixa ao Corinthians por este marcar muitos gols contra o escrete do Parque Antártica. Faz parte. O essencial é cada time reforçar sua defesa.
O governo pode fazer frente ao jogo bruto da finança global atacando a raiz do problema. E não mostrando novas e variadas toalhas com as quais pretende continuar exercendo a arte de enxugar gelo, além de atacar direitos dos trabalhadores.
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo)