1. Vivemos tempos inéditos no Brasil. A profunda crise econômica abriu para uma crise política que, depois de quase três décadas de alguma estabilidade democrática, levou à vitória a extrema direita na figura de Jair Bolsonaro. Não é possível ainda definir como será a postura do novo governo. O que está claro, no entanto, é que o processo de retirada de direitos, desmonte do Estado, entrega do patrimônio nacional e o endurecimento das políticas de repressão se fortalecerão imensamente.
2. Saídas à direita para enfrentar a crise econômica e a crise política do capital não são particularidades das classes dominantes do Brasil. Por dez anos, a economia capitalista mundial tem buscado soluções para sair da recessão do crash de 2008; no entanto, até o presente momento, não conseguiu um crescimento e desenvolvimento econômicos que resolvam a sua crise. As elites mundiais querem que os povos paguem a conta dessa crise. Essa situação gera crise social e política, favorecendo o crescimento da extrema direita, frente ao colapso dos partidos tradicionais, tanto das burguesias, como os das classes trabalhadoras, onde foram aplicadas políticas de ajuste. Também fruto dessa situação emergem fenômenos de reorganização de uma nova esquerda. A reunião do G20 em Buenos Aires é a constatação de um novo desenho na geopolítica mundial, onde o multilateralismo cede lugar ao protecionismo nacional, gerando guerras comerciais e uma a regressão social de direitos sociais e trabalhistas e de liberdades democráticas e ecológicas.
3. No Brasil, o PT implementou medidas sociais importantes. No entanto, como não fez reformas estruturais e como, em nome da governabilidade, desenvolveu a conciliação de classe e se envolveu na corrupção endêmica, sua política fracassou. Esse fracasso abriu espaço para uma direita reacionária se colocar como “novo” e antissistêmico.
4. As últimas eleições elevaram a última potência o uso da desinformação como método de campanha. É preciso destacar com ênfase o papel da indústria de disseminação de mentiras criada por equipes de Bolsonaro, com vistas a confundir e ludibriar boa parte da população brasileira. Indústria essa que se baseia na coleta e mineração ilegal de dados de usuários das redes. Estratégias sofisticadas de ‘guerra híbrida’ foram utilizadas na disputa, possivelmente, com o uso de inteligência militar e intervenções externas (estrangeiras).
5. Por outro lado, é preciso destacar que esta desinformação em massa só ganhou ampla aderência na sociedade porque a grande mídia e o judiciário concentraram ataques, ao longo dos últimos anos, às forças do campo contrário ao golpe de 2016, criminalizando a ação política, e gerando este resultado nas eleições de 2018. O ‘antipestismo’ atingiu dimensões desproporcionais, limitando a capacidade de ação de toda a esquerda. Ao mesmo tempo, a prisão sem provas do ex-presidente Lula, assim como o vazamento proposital das delações de Palocci demonstraram um ativismo judicial nunca antes visto.
6. Mesmo diante de cenário tão conflituoso e árduo para a atuação da esquerda, o PSOL cumpriu importantíssimo papel nesse momento. A campanha de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara pautou as bandeiras mais avançadas para a construção de uma sociedade efetivamente livre e igualitária. Fomos nós, do PSOL, que centramos na luta contra a desigualdade social, contra a dominação do mercado financeiro, defendemos as reformas agrária e urbana, as lutas das mulheres, dos negros e negras, da juventude, da população LGBT, dos povos indígenas, das trabalhadoras e dos trabalhadores.
7. A aliança que consolidou essa campanha, composta por PSOL, MTST, APIB, PCB e Mídia Ninja, mostrou a que veio. Fizemos uma campanha vibrante, ideológica, que mobilizou dezenas de milhares de ativistas em todo o território nacional. Ainda que o resultado da chapa presidencial não tenha sido aquele esperado por nós, foi a força conjunta dessa mobilização que ajudou o PSOL a superar a cláusula de barreira, a dobrar a sua bancada de deputados federais, a eleger 18 deputados estaduais e a sagrar bons resultados em vários estados da federação.
8. A coerência e acerto político demonstrados no primeiro turno desdobraram-se no segundo momento da disputa eleitoral. A polarização Bolsonaro x Haddad deixou clara a necessidade de lutarmos ao lado das forças democráticas contra o avanço do autoritarismo de sombras fascistas. A liderança construída por Guilherme Boulos ao decorrer de todo esse processo é algo que deve ser saudada. As grandes mobilizações das ruas, muitas vezes espontâneas, disputando votos no corpo a corpo, mostraram como há uma camada importante que pode ser ganha para um projeto de esquerda como o PSOL.
9. O fenômeno bolsonarista, lamentavelmente, sagrou-se vitorioso. Este foi determinante, inclusive, nos resultados estaduais. Não há dúvida de que a vitória em São Paulo de João Doria foi resultado de uma tática oportunista de surfar em um sentimento anti-esquerda, aproveitando o empuxo eleitoral de Bolsonaro. No segundo turno das eleições, João Doria derrotou Marcio França por pequena margem de diferença: 51,75% contra 48,25%. O tucano foi derrotado na cidade de São Paulo, aonde se desmoralizou profundamente quando abandonou o posto de prefeito mesmo prometendo completar os quatro anos de gestão. Sem contar, evidentemente, uma gestão que foi uma mistura de engodo com marketing político deslavado. Sem embargo, esses quase 2% de diferença foram trazidos na bandeja de Bolsonaro.
10. A campanha majoritária do PSOL, com a professora Lisete Arelaro à frente, foi vista como um grande oásis demo-crático em terra devastada. Lisete representou muito bem o PSOL, tendo alcançado o maior resultado que o partido já obteve no estado. Mais precisamente, terminamos a campanha com 2,51% dos votos válidos, em números absolutos, 507 236 votos.
11. Com Lisete Arelaro, o PSOL se postulou muito bem diante de vários setores da sociedade, em especial na educação. Nossa chapa foi composta por educadores. Maurício Costa, candidato a vice-governador, é professor e coordenar da Rede Emancipa de cursinhos populares. Assim como são educadores os candidatos ao Senado Federal: Sílvia Ferraro, professora da rede municipal de São Paulo, terminou o pleito com 1,55% dos votos (543 583 votos); e Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, quem logrou 1,26% dos votos (440 118 votos).
12. Para além da educação, mulheres se viram representadas na única candidata ao Palácio dos Bandeirantes. Jovens reconheciam em Lisete a defensora das justas ocupações das escolas por seus alunos. Negras e negros viram em Maurício uma chapa comprometida com a luta contra o racismo. O PSOL fortaleceu sua imagem de defensor dos direitos do povo.
13. Percebemos isso, também, pelo excelente resultado que tivemos nas eleições proporcionais. Para a bancada federal, elegemos a Sâmia Bomfim que alcançou a excepcional votação de 246 409 votos. A guerreira Luiza Erundina fez 175 307 votos. Ivan Valente, por sua trajetória de luta desde a ditadura militar, alcançou 153 149 votos. Triplicamos a bancada em comparação ao último pleito.
14. Para a Assembleia Legislativa, elegemos quatro vozes de peso. Carlos Gianazzi alcançou o terceiro posto de melhor colocação com 216 399 votos. A jovem Mônica da Bancada Ativista obteve 147 868 votos. Pela primeira vez na história, um partido elege uma deputada transgênera, a Érica Malunguinho com 55 mil e 200 votos. Para completar a lista, a militante feminista Isa Penna bateu 53 838 votos. Esse resultado revela que o PSOL é visto como um partido comprometido com as lutas contra o machismo, o racismo, a lgbtfobia e todas as formas de opressão. Mas é preciso avançar mais, tornando o PSOL um locus orgânico de resistência e de construção destas lutas.
15. O PSOL se encontra em posição de crescimento. Temos que aproveitar os ganhos obtidos para se preparar para os imensos desafios que virão pela frente. O bom resultado colhido não pode esconder o fato do crescimento do reaciona-rismo. Nosso partido tem que estar com as portas abertas para todas e todos lutadores do povo.
16. Daqui para frente, temos que nos preparar para enfrentar o autoritarismo e garantir nossos direitos. A melhor maneira de fazer isso, sem dúvida, consiste em enraizar o partido na sociedade, através de seus núcleos de base. A principal proteção que teremos será agir com força política e social. Nossos mandatos devem atuar com essa perspectiva.
17. A Frente Povo Sem Medo, por sua vez, se apresenta como polo dinâmico da luta de resistência. Cabe aos militantes do PSOL fortalecer a frente, suas iniciativas e os territórios sem medo.
18. É fundamental agir em unidade com os setores comprometidos com a democracia. Não podemos tergiversar quando o perigo autoritário está à nossa frente. Em especial, setores ligados à Frente Brasil Popular e mesmo outros, mais amplos, que não aceitam arbitrariedades e violações de direitos devem ser considerados aliados tácitos.
19. Internamente, é fundamental o fortalecimento dos núcleos e dos setoriais, uma comunicação mais sofisticada para dentro e fora do PSOL, agitar as bandeiras de luta nas ruas e, mais importante, não ter medo de assumir o compromisso histórico que nos caiu nas mãos: enfrentar as sombras fascistas que ousam nos encobrir. Temos algumas agendas imediatas que precisamos construir luta para barrar como a reforma da previdência e a Escola Sem Partido e tantos outros ataques que estão por vir.
20. A aliança do PSOL com MTST, PCB, APIP, Mídia Ninja e outros movimentos sociais deve continuar e aprofundar. Servir como plataforma para a construção de uma nova esquerda socialista que supere o profeto do Lulu-petismo. O PSOL tem militância, disposição, credibilidade por sua coerência. Não há dúvidas de que o nosso partido continuará a cumprir importante função na sociedade. É fato que a organização no que tange a segurança e capacidade de ação precisa ser sofisticada. Para tanto, um esforço coletivo deve ser posta em prática. Ninguém larga a mão de ninguém. Seguiremos em luta em nome do socialismo e da liberdade.
São Paulo, 2 de dezembro de 2018.
Diretório Estadual de São Paulo – PSOL