Artigo publicado originalmente no site do IREE
Vivemos um momento de encruzilhada. Acredito que não podemos mais fugir ou empurrar nossos problemas pra frente. A política de ajuste de Temer é a mesma que fracassa a olhos nus e se refugia no “socorro” do FMI na Argentina de Macri. É preciso apontar os problemas estruturais do Estado brasileiro e não apenas como denúncia, mas também com alternativas exequíveis e previstas constitucionalmente.
Os principais problemas sociais do país não são pontuais. Resultam, sobretudo, da vexatória distribuição da riqueza em nosso país, não somente da renda mas também do patrimônio. Esse verdadeiro abismo, em que seis bilionários concentram a mesma riqueza que metade da população brasileira, é gerado por uma estrutura econômica que para uns parece uma Disneylândia e para outros um matadouro
Não é difícil entender: enquanto ostentamos uma multidão de treze milhões de desempregados e a renda média per capita do brasileiro que trabalha não chega a R$1.300, o lucro líquido trimestral do banco Itaú passou dos R$ 6 bilhões, batendo sucessivos recordes em meio a crise. Essa simples comparação revela quem está na Disney e quem está na forca no Brasil dos contrastes.
É necessário colocar o dedo na ferida. E uma ferida aberta, que reproduz as desigualdades brasileiras, é a estrutura tributária de nosso Estado. Para além da necessidade de simplificação, a questão chave é que temos uma estrutura injusta e regressiva na forma de financiamento do Estado brasileiro. Quem tem mais paga menos, quem tem menos paga mais. Os dados falam por si: entre os 10% mais ricos, a incidência média de impostos sobre a renda é de 20%, já entre os 10% mais pobres é de 53%. A razão desta distorção é uma hipertributação do consumo (51% da carga) e uma subtributação da renda, patrimônio e operações financeiras. Os mais pobres gastam toda sua renda em consumo para sobrevivência, enquanto os mais ricos poupam e aplicam.
Tratando do IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física), uma família de classe média sofre a mesma tributação que um banqueiro (27,5% de alíquota máxima). Aumentar a alíquota para algumas faixas de renda e diminuir para outras é uma das medidas que precisam urgentemente ser tomadas, como parte de uma profunda reforma tributária. Exemplos não faltam, inclusive em países insuspeitos de comunismo: Japão e Dinamarca apresentam alíquota de cerca de 50%. Também não precisa ser “desenvolvido”: Colômbia e Chile chegam a cerca de 40%. Trata-se de justiça: quem tem mais deve pagar mais, quem tem menos deve pagar menos. Dessa forma seria possível, inclusive, diminuir a carga tributária para o andar de baixo.
Dados do Ipea revelam que apenas em distorções de nossa estrutura tributária do IR (pejotização de pessoas físicas, isenções indevidas, etc.), deixa-se de arrecadar quase R$180 bilhões por ano. Mais que o “monstruoso” déficit primário.
E não é apenas na tributação da renda que precisamos de mudanças. Os grandes herdeiros do país quase não pagam imposto, máximo perto de 8%, enquanto em países como a Inglaterra, essa alíquota chega a 40%. Isso sem nenhum bolivariano entre os lords. Já o ITR, imposto sobre propriedade rural, é insignificante do ponto de vista da arrecadação para o Brasil. Sua arrecadação anual é equivalente a três meses de IPTU da cidade de São Paulo. Falta fiscalização e critério e sobra Refis e sonegação.
Além desses exemplos, temos um outro elemento que é determinante para uma das maiores injustiças tributárias do mundo. Acionistas que recebem dividendos e lucros de suas empresas não são tributados, desde o governo de FHC. Estudos apontam que se cobrássemos impostos sobre os dividendos, teríamos um upgrade na arrecadação de cerca de R$ 60 bilhões.
Recentemente fui abordado quanto ao “perigo” da nossa proposta de reforma tributária. Atentaram-me para a possibilidade de “fuga de capitais” em um cenário de aumento de carga tributária para os mais ricos. Ora, até mesmo economistas conservadores sabem que para se mudar de um país, uma empresa gasta muito mais e tem muito menos garantias do que “se arriscar” a ficar e pagar mais impostos. Além disso, o Brasil não pode ser paraíso fiscal e se render a chantagens de fundos financeiros. Na reforma tributária que defendemos, quem produz e quem consome deve pagar menos e quem não produz riqueza e lucra com especulação deve pagar mais. Vale mais o “risco” do que a submissão à chantagens.
Uma reforma tributária progressiva deve também atentar para a subtributação do sistema financeiro. Além dos escorchantes juros cobrados, os bancos pagam menos impostos do que empresas produtivas e muito menos, somando seus impostos pagos, do que a classe média paga em IR.
Precisamos tocar em questões centrais do conflito distributivo brasileiro. Taxar grandes fortunas, heranças, lucros e dividendos e atividades financeiras ajuda a resolver o problema crônico da desigualdade em nosso país, que hoje prefere açoitar o assalariado ao invés de enfrentar privilégios. Além disso, é preciso “desligar” outro divertido brinquedo da Disneylandia brasileira: a sonegação fiscal. Somente em 2017, o Brasil deixou de arrecadar cerca de R$ 500 bilhões. Isso pra não falar da astronômica dívida das grandes empresas – com a previdência, por exemplo – que, se cobradas, cobririam com facilidade o chamado “rombo” das contas públicas.
De acordo com a maioria das pesquisas de opinião, o brasileiro ou brasileira comum aponta como principais problemas nacionais a saúde, a educação e a segurança, além da corrupção. Entretanto, quando o assunto são as soluções, geralmente ficamos amarrados e limitados pelo argumento da falta de recursos públicos. Penso que está aí, na mudança de nossa estrutura tributária, um importante instrumento para levar nosso país para o rumo do desenvolvimento social, no qual as maiorias sociais tenham possibilidade de viver com dignidade, alavancando o crescimento econômico a partir da distribuição da riqueza.