O ajuste fiscal conduzido pelo ministro Joaquim Levy está passando por sua prova de fogo na Câmara dos Deputados, com a votação das MPs (Medidas Provisórias) 664 e 665.
Guilherme Boulos – da Coordenação do MTST
O Parlamento encenou um roteiro tragicômico. A parte da comédia coube à oposição de direita. Ver Mendonça Filho e os tucanos subirem à tribuna para uma defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores é cena de comédia de quinta categoria.
A tragédia coube ao PT. A tomada de posição da bancada petista em favor do ajuste é mais um episódio deplorável que revela o esgotamento do projeto do partido e sua incapacidade de ter voz própria em relação ao governo.
O discurso da presidenta Dilma de que as MPs são uma correção de distorções e não ferem direitos é insustentável. Basta ver as medidas.
O Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) preparou um relatório esclarecedor sobre o tema. Especialmente no caso do seguro-desemprego e do abono salarial o caráter antipopular das medidas é inquestionável.
A MP 665 dificulta o primeiro acesso ao seguro-desemprego ao ampliar o tempo mínimo de trabalho dos atuais seis meses para 18 meses. Baseado em dados do mercado de trabalho em 2013, o Dieese concluiu que –nas regras atuais– 3,2 milhões de trabalhadores não puderam acessar o seguro por terem ficado menos de seis meses no emprego, o que corresponde a 26% dos trabalhadores demitidos.
Se vigorasse a regra da MP, esse número subiria para 8 milhões, ou 64% dos trabalhadores demitidos, ressaltando que os dados excluem os demitidos por justa causa. Ou seja, 4,8 milhões de trabalhadores teriam perdido o benefício em 1 ano.
A “economia” para os cofres públicos seria de R$ 14,8 bilhões, obtida as custas dos trabalhadores mais vulneráveis, aqueles com maior rotatividade no emprego, destacando setores como a construção civil.
No caso do abono salarial, também objeto da 665, o número de trabalhadores excluídos do benefício é ainda maior. A mudança da regra amplia em seis vezes o tempo mínimo de emprego para acesso ao benefício, de um para seis meses no ano, e ainda reduz o valor do abono. Do valor atual de um salário mínimo estabelece um valor que varia entre meio e um salário.
Segundo o cálculo do Dieese, a medida retira o abono de 9,9 milhões de trabalhadores, gerando uma “economia” de R$ 8,45 bilhões.
Novamente, o peso do ajuste recai sobre os trabalhadores com maior rotatividade, culpabilizando o trabalhador por um dos traços mais perversos da precarização nas relações de trabalho. A rotatividade é um problema grave e generalizado. No Brasil, 43% dos trabalhadores formais permanecem por menos de seis meses num emprego.
A MP 664, que altera as regras dos benefícios previdenciários, vai na mesma direção de ataque a direitos em nome de redução de gastos. Na pensão por morte, a MP estabelece uma carência mínima de 24 contribuições para que a família receba o benefício e reduz o valor da pensão, conforme o número de dependentes, que atualmente é de 100% do salário.
No auxílio-doença, há uma redução no teto do valor a ser pago, baseando-o na média das últimas 12 contribuições e uma perigosa abertura para a privatização da perícia médica. E no auxílio-reclusão são estabelecidos critérios mais rigorosos para a concessão do benefício aos cônjuges, exigindo no mínimo dois anos de casamento.
Estas são as medidas provisórias 664 e 665. Correção de distorções? Conta outra. A vaca, de tanto tossir, já está com pneumonia.
Trata-se evidentemente de um ajuste fiscal antipopular, que joga a conta da crise econômica no colo dos trabalhadores. É indefensável para quem se pretende representante dos direitos sociais e trabalhistas.
E os números, como sempre, revelam opções políticas. Pelos dados disponíveis ao Dieese, as MPs de ataque ao trabalhador reduzirão cerca de R$ 23 bilhões do gasto público. Este número, embora maior que o divulgado pelo governo, deve aumentar algo mais considerando as mudanças previdenciárias.
Pois bem, só em aumento da taxa de juros desde as eleições de outubro (de 11% para 13,25%), a União eleva despesas extraordinárias em cerca de R$ 45 bilhões ao ano para o serviço da dívida pública. Que ajuste é esse?
Para trabalhadores e desempregados, arrocho, para banqueiros e rentistas, aumento. Esse ajuste tem lado e não é o da maioria.