Embate entre governo e oposição de direita sobre mudança na meta fiscal de 2014 camufla o debate verdadeiro que deve ser feito sobre a economia brasileira
A principal disputa entre o governo e a oposição de direita, nas últimas semanas, tem sido a proposta de mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no projeto de lei 36/14, para modificar a meta fiscal estabelecida para 2014, a partir do abatimento de outros gastos, como os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Engana-se quem pensa que este conjunto de termos, parte do vocabulário corrente que forma a política macroeconômica do Brasil (e que parecem “escritos em grego”), não faz parte de seu dia a dia. Na verdade, o debate é determinante para a garantia de direitos em todo o país.
Em meio a este embate, por vezes bastante exaltado (como, por exemplo, na tentativa de votar a matéria em sessão do Congresso na terça-feira [2], que terminou em tumulto nas galerias), o debate sobre a política econômica que queremos para o Brasil, na verdade, ficou em segundo plano. Afinal, há de se perguntar: o povo brasileiro se beneficia da política de ajuste fiscal ou isso só serve a uns poucos que estão lucrando com isso?
Meta fiscal é a quantia que o governo tem como objetivo economizar no ano para fazer o chamado superávit primário, recurso destinado para pagar juros da dívida pública. Aqui, conta-se apenas uma parte do orçamento: ele é a diferença entre as chamadas “receitas primárias” – principalmente os tributos e as receitas provenientes de privatizações – e as “despesas primárias” – gastos sociais, como saúde e educação.
Segundo o economista Paulo Passarinho, a política do chamado “tripé financeiro” (que envolve, além do superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação) foi estabelecida por um acordo firmado entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1998, como forma de sair da chamada “crise do Real” e atrair investimentos estrangeiros. Política essa que, mesmo com a flexibilização proposta hoje, foi estritamente mantida pelos governos petistas.
“Essa política faz com que haja um constrangimento para que o Estado não realize investimentos massivos em áreas sociais, comprimindo, por exemplo, a seguridade social e a educação”, afirma Passarinho. “Além disso, força o Brasil a praticar as maiores taxas de juros do mundo há duas décadas e faz do nosso país um refém do agronegócio e da exportação de produtos primários e, já que não há investimento, leva à desindustrialização”.
A atual política econômica, que privilegia a realização do superávit primário, foi reforçada com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em 2000, que se tornou o principal instrumento para limitar os investimentos sociais no país.
Porém, se por um lado a LRF condiciona os investimentos “para fechar as contas”, por outro nem encosta no principal gargalo financeiro no Brasil: a própria dívida pública, que forma a outra parte do orçamento, fora da conta do superávit. É daí que vêm os alarmantes índices, ano após ano, de mais de 40% do orçamento brasileiro sendo destinado ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública.
“O objetivo é amarrar o Estado”
Essa conta tem diversos resultados e perspectivas. Sob o argumento de que o superávit funciona para “manter a confiança” do mercado e assegurar os compromissos financeiros do Estado e sua dívida, o que é feito, na verdade, é o controle privado da política econômica do governo a partir das demandas.
“O FMI exige do Brasil que apresente o superávit (ou seja, parte do orçamento para pagar parte dos juros) em dinheiro. Qual o sentido disso, se receber em títulos da dívida, que rendem, seria muito melhor?”, questiona Passarinho. E responde: “o objetivo é amarrar o Estado. Tem um valor ideológico no meio, que é não deixar que o Estado ocupe áreas da economia que o setor privado quer ocupar. Isso está na gênese desse sistema”.
Além disso, o debate cria a falsa noção de que o problema das contas do país tem a ver com os “gastos”, ou seja, que se investe muito em áreas sociais no Brasil – escondendo a enorme taxa de juros praticada, que não deixa a dívida pública diminuir e faz com que, por exemplo, já se tenha sido destinado ao pagamento da dívida, apenas em 2014, quase R$1 trilhão.
Passarinho traça, em linhas gerais, o que deveria balizar uma política econômica alternativa para o Brasil. “Primeiro, temos que ‘acertar o jogo interno’ – ou seja, ter controle maior sobre as movimentações econômicas, para estimular a produção interna. Além disso, é preciso mudar a política fiscal do país, para destinar mais recursos para produção e melhoria de serviços da máquina pública, especialmente nas áreas sociais”, afirmou.
Assim, acredita Passarinho, é possível abrir um novo ciclo “virtuoso” de emprego e renda. “Ao invés de meta fiscal, temos que ter meta de atendimento das necessidades da população”.
Além disso, o economista afirma que se abriria espaço para uma reforma tributária profunda, que seria progressiva e taxaria as grandes fortunas e propriedades, como defendeu Luciana Genro nas eleições presidenciais de 2014.
Sobre a dívida pública, Passarinho afirma ser importante realizar uma auditoria que busque explicitar o que forma o atual montante, bem como trazer legitimidade para uma nova política na área e denunciar os crimes cometidos pelo mercado financeiro. “Mas, se tiver vontade, o próprio governo pode mudar sua política para a dívida sem precisar de auditoria, reduzindo os juros e mudando o regime de encargos. Temos que mudar o padrão de administração da dívida pública”, conclui.
A questão, portanto, é menos determinar se os ajustes para o cumprimento da meta fiscal do governo podem ou não ser autorizadas pelo Congresso Nacional, mas discutir se este modelo contribuirá para o desenvolvimento do país. O PSOL não teme dizer: é preciso por um fim ao superávit primário para assegurar mais direitos e mais desenvolvimento.