Após meses de silêncio do Executivo e do Legislativo, o Judiciário foi o primeiro dos três poderes a reprovar a atuação da Polícia Militar em protestos. Liminar concedida na última sexta-feira, 24 de outubro, pelo juiz Valentino Aparecido de Andrade, da 10ª Vara da Fazenda Pública, dá 30 dias para a Polícia Militar apresentar um plano de atuação em manifestações, sob risco de multa diária de R$ 100 mil.
A decisão foi uma resposta à ação civil pública proposta pela Defensoria Pública de São Paulo e determina que a PM não utilize armas de fogo e balas de borracha, que todos os policiais tenham uma identificação visível com nome e posto, que deixe claras as condições em que haverá a ordem de dispersão e que ela seja tomada apenas em casos extremos. Deverá também publicar quem deu a ordem de dispersão e as razões que a motivaram. Esses pontos deverão constar no plano de atuação a ser elaborado pela PM.
Na liminar, o juiz afirma que “a segurança pública (…) não pode funcionar como um pretexto ao Poder Público para, sem mais, agir com violência, como vem agindo, com a evidente intenção de desestimular as pessoas que queiram protestar”. Ele também é taxativo ao lembrar que o direito de reunião não está condicionado a um aviso prévio e que proibições genéricas de tempo e lugar não são permitidas.
“A decisão reforça que a PM não está preparada para lidar com as manifestações e que o direito à reunião é garantido pela Constituição”, afirma Juana Kweitel, diretora de Programas da organização Conectas Direitos Humanos. “Hoje, a atuação policial em protestos é marcada por uma profunda falta de previsibilidade e transparência, e isso precisa mudar”, completa.
A Conectas participa da ação como amicus curiae, o que a autoriza a dar subsídios técnicos sobre o caso. Em julho deste ano, a organização apresentou ao juiz parâmetros internacionais sobre o uso da força pela polícia, sobretudo em manifestações públicas.
Cronologia
05 de agosto de 2013 – A Conectas e o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria entregam à SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo um conjunto de recomendações para a atuação da polícia em manifestações. Não houve resposta.
22 de abril de 2014 – Defensoria Pública de São Paulo move ação civil pública pedindo que o Judiciário obrigue o Estado de São Paulo a adotar essas recomendações. A ação tramita na 10ª Vara da Fazenda Pública.
17 de julho de 2014 – A Conectas apresenta ao Judiciário um panorama dos principais parâmetros internacionais que regulam o comportamento da polícia e alega que o Estado de São Paulo descumpre disposições da Declaração Universal de Direitos Humanos (ONU) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da Organização de Estados Americanos (OEA).
24 de outubro de 2014 – O juiz Valentino Aparecido de Andrade, da 10ª Vara da Fazenda Pública, concede decisão liminar. O governo pode recorrer.
Parâmetros para atuação policial em manifestações
Diante dos abusos registrados durante as jornadas de junho de 2013, a Conectas e o Núcleo Especializado de Direitos Humanos e Cidadania da Defensoria Pública de São Paulo têm se empenhado em divulgar as recomendações nacionais e internacionais que regem a ação da PM em protestos, ampliando a capacidade de monitoramento da sociedade. Esses parâmetros foram consolidados em seis regras principais, que coincidem com a nova determinação da Justiça paulista:
1- Armamentos: armas de fogo nunca devem ser usadas para dispersar protestos. As armas brancas, como cassetetes, não devem ser empregadas quando não haja uma real necessidade, quando não partam de uma ordem legal e quando seu uso não esteja estritamente dentro dos limites de distinção e de proporcionalidade em relação à ameaça que se pretende combater. Se chegarem a ser usadas, não devem visar zonas vitais do corpo.
2- Dispersão: a decisão de dispersar um protesto só deve ser tomada em situações excepcionais e extremas. Nesses casos, deve partir de uma ordem legal, prever aviso prévio claro, rotas seguras de dispersão e tempo para que isso ocorra.
3- Choque: a tropa de choque não deve estar visível o tempo todo e seu emprego só deve ocorrer em último caso e sob estrito respeito às normas legais, após fracassarem todas as alternativas de mediação e negociação.
4- Registro de imagens: nenhum cidadão registrando imagens de funcionários públicos exercendo funções públicas deve sofre repressões da polícia por isso.
5- Violência: atos isolados de violência devem ser individualizados e não justificam dispersão de toda a manifestação. A polícia deve agir para proteger os manifestantes e o direito de protesto.
6- Trânsito: reflexos no trânsito são inerentes aos protestos e não devem ser desculpa para dispersão e repressão. O Estado deve prever bloqueios e prover alternativas de tráfego.
Veja a cartilha produzinda pela Conectas.