Plínio de Arruda Sampaio foi um grande personagem da esquerda brasileira. Por isso, não faltarão homenagens que tratem de destacar sua trajetória e sua enorme contribuição para a luta dos que sonham com um mundo mais justo e solidário. Quero, portanto, render-lhe outra forma de homenagem, mais simples, despretensiosa. Quero falar do Plínio que conheci e que aprendi a admirar.
Juliano Medeiros
Não cheguei a ser íntimo de Plínio, mas nossa convivência nos espaços do PT, e depois, do PSOL, me deixaram marcas profundas. Nosso primeiro encontro aconteceu em 2005. Plínio assumira com coragem a árdua tarefa de representar parte das forças de esquerda no PT como candidato a presidente do partido nas eleições internas daquele ano. O PT estava conflagrado pelas denúncias do “mensalão” e havia uma profunda crise entre os setores que ainda davam combate internamente contra os grupos que até hoje dirigem o PT. Mesmo tendo tido uma história de proximidade com Lula e outras figuras do campo “moderado”, Plínio compreendeu a grandeza daquele momento e a necessidade de um contraponto radical àquele processo de degeneração do partido.
Nesse contexto, Plínio esteve em Porto Alegre para participar de um debate entre os candidatos à presidência do PT. Eu tinha 21 anos e era um dos responsáveis pela nossa chapa no Rio Grande do Sul. Plínio chegou cedo à cidade e estava sem compromissos até a hora do evento. Tomei coragem e convidei-o para tomar um café na minha casa, um minúsculo apartamento no centro de Porto Alegre. Para meu espanto, ele não titubeou e aceitou com prazer meu convite. Passamos algumas horas conversando sobre política, história, sobre a experiência das missões jesuíticas no norte do Rio Grande do Sul, que para ele – assim como para Voltaire – representavam “um triunfo da humanidade”. Plínio falava com uma calma e uma firmeza que me impressionavam muito. Movia as mãos calmamente, ilustrando as palavras com gestos. Estava à vontade na casa daquele estudante, como se o conhecesse há anos e como se já tivesse estado ali dezenas de vezes. Nunca tinha recebido em minha casa alguém da grandeza política de Plínio e sua simplicidade me marcou profundamente.
Semanas depois, Plínio liderou uma importante dissidência que engrossou as fileiras do recém-criado PSOL. Ele tinha 75 anos e não se intimidou diante desse passo difícil, mas fundamental. Essa decisão, porém, não foi bem recebida por outros setores da então chamada “esquerda petista”, que nutriam ilusões de vitória nas eleições internas do partido. Vários artigos criticando nossa decisão foram publicados naqueles dias. Impressionado com a virulência dos ataques, escrevi um pequeno texto explicando nossa decisão. Enviei ao Plínio, que pediu autorização para resumi-lo e publica-lo no número 471 do Correio da Cidadania, do qual era editor. Guardo até hoje o e-mail que me mandou, elogiando o texto e expressando sua gratidão pelo empenho em defender nossas opções. Não me tratava como um jovem de pouco mais de vinte anos, mas como um camarada de armas.
Em 2010, Plínio foi lançado pré-candidato a Presidência da República pelo PSOL, já que Heloísa Helena havia optado por concorrer ao Senado, em Alagoas. Além de Plínio, dois outros companheiros foram apresentados ao partido como pré-candidatos. A partir disso teve início um intenso processo de disputa interna que Plínio enfrentou com a mesma serenidade de sempre. Estive com ele em alguns desses eventos. Lembro de acompanha-lo em Goiânia, junto com Dom Tomás Balduíno, e de vê-lo enfrentando seus adversários internos em Brasília com a mesma ternura que sempre me impressionou. Aliás, me orgulho de ter sido, no interior da minha corrente – a Ação Popular Socialista – o primeiro a defender o apoio a seu nome, num pequeno texto intitulado “Plínio para unir o PSOL”, divulgado em nossos canais internos de comunicação.
Vencendo a indicação para representar o PSOL na corrida presidencial de 2010, Plínio encontrou um partido dividido. Mas soube, com a sabedoria de quem tão bem soube unir fé e política, estender a mão para unificar todos numa campanha presidencial que representou o desejo de mudanças e a fé na transformação social. Nas eleições tive igualmente a honra de estar ao seu lado em diversos momentos. Me marcou, particularmente, a visita que fizemos a uma comunidade ribeirinha no interior do Pará. No caminho conversamos sobre a grandiosidade da Amazônia, impressionados com a beleza que víamos de dentro da balsa. Na ilha que visitamos, Plínio caminhou pelas pontes que ligam as casas em meio à floresta. Entrou no casebre de uma família e tomou café enquanto falava sobre suas propostas para o Brasil. Vi ali outra vez o mesmo Plínio que, alguns anos antes, entrara no minúsculo apartamento do estudante que o apoiava para presidente do PT. Vi os mesmos gestos, a mesma serenidade, a mesma firmeza, a mesma inteligência. Vi a mesma fé no povo e no socialismo. Me senti muito feliz de estar ali, com Plínio e com o povo, no coração do Brasil.
Depois disso, estivemos juntos outras vezes. Sei que foi uma convivência efêmera, que outros poderão falar mais e melhor de Plínio. De minha parte, queria tão somente falar um pouco do Plínio que conheci, e que lavarei para sempre na memória como um exemplo de militante pelo socialismo. Somos privilegiados de por ter tido a honra de conviver com um homem de sua grandeza. Certamente, seu legado estará sempre conosco. A ele, meus sinceros agradecimentos.
Juliano Medeiros, Secretário de Comunicação do PSOL.
Brasília, 9 de julho de 2014