Luciana Genro, candidata a presidente pelo PSOL, participou do Poder e Política, programa do UOL e da “Folha” conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 23.jun.2014 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.
Luciana Genro – 22.jun.2014
Narração de abertura [EM OFF]: Luciana Krebs Genro tem 43 anos. É graduada em Direito pela Unisinos.
Filho do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, do PT, Luciana iniciou sua militância aos 14 anos, filiando-se ao mesmo partido do pai.
Em 1994, aos 23 anos, Luciana Genro elegeu-se deputada estadual pelo Rio Grande do Sul. Quatro anos depois, foi reeleita para mais um mandato. Em 2002, obteve uma vaga de deputada federal e mudou-se para Brasília.
No início do governo Lula, Luciana Genro votou contra a reforma da Previdência e acabou expulsa do partido, junto com a ex-senadora Heloísa Helena e outros petistas rebeldes.
Em 2004, Luciana Genro ajudou a fundar o PSOL. Dois anos depois, elegeu-se novamente deputada federal, agora pelo novo partido. Em 2010, Luciana Genro tentou um terceiro mandato na Câmara, mas não obteve sucesso.
Luciana Genro foi escolhida pelo PSOL para ser candidata a presidente da República.
Folha/UOL: Olá, bem-vindo a mais um Poder e Política – Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do grupo Folha, em Brasília. A entrevistada desta edição do Poder e Política é Luciana Genro, que acaba de ser indicada como candidata do PSOL a presidente da República.
Folha/UOL: Olá, como vai, tudo bem?
Luciana Genro: Tudo bem, Fernando. É um prazer estar aqui.
O PSOL elegeu três deputados federais em 2010. É o que tem hoje de bancada na Câmara. Qual é a perspectiva realista de eleição de deputados federais agora em 2014?
Eu vejo, Fernando, que a gente tem o grande desafio de no mínimo dobrar a nossa bancada e buscar ir além disso, triplicar a bancada. Eu vejo que tem um espaço muito real para o PSOL na política nacional. Os três candidatos do sistema representam, embora com as suas diferenças, porque o PSDB representa um retrocesso, um reacionarismo político, e o PT representa um continuísmo, o PSB fica ali no meio, um pouco continuísta, um pouco reacionário, eles têm em comum a ideia de fazer um ajuste contra o povo a partir de 2015. A diferente é o grau desse ajuste. O PSOL vai vir para ser o novo, para apresentar uma proposta realmente distinta dessa de submissão do país aos interesses dos mercados.
Mas a meta de bancada para a Câmara então seria?
No mínimo dobrar e buscar triplicar.
Ou seja, no mínimo meia dúzia e chegar a eventualmente nove deputados federais?
Acho que é bem viável.
Os três deputados federais agora são muito conhecidos, até porque são três e são muito atuantes, é Ivan Valente, de São Paulo, Jean Wyllys e Chico Alencar, esses dois últimos do Rio, certo? A expectativa é que venham deputados federais eleitos pelo PSOL de quais Estados?
Com certeza teremos deputado eleito no Pará, teremos deputado aqui no Distrito Federal, há uma possibilidade real também porque temos o Toninho com uma boa projeção como candidato a governador… Enfim, eu prefiro não nominar os Estados porque eu vou me esquecer de algum e eles vão ficar chateados comigo, mas com certeza a gente vai ter um espaço político muito significativo.
O PSOL tem um senador da República atualmente que é o senador Randolfe Rodrigues, pelo Estado do Amapá. Ele não vence o mandato agora. Há algum candidato a senador que pode aparecer aí com chances, competitivo pelo PSOL neste ano?
Quem sabe o Aldemário [Araújo Castro], aqui no Distrito Federal, já que tem uma polarização bem grande entre os candidatos do sistema. Mas é difícil. Senador, a gente sabe que o poder econômico pesa muito, assim como nas eleições majoritárias como um todo. E o PSOL tem uma definição muito clara de cumprimento do seu estatuto nas eleições, de não receber dinheiro de empreiteiras, nem de bancos, nem de empresas multinacionais. Não temos e nem queremos ter esse dinheiro que, aliás, é o que abastece a conta dos grandes partidos, do PT, do PSB, do PMDB, do PSDB. As mesmas empreiteiras que lucraram nas obras superfaturadas abastecem as contas dos grandes partidos. Nós não temos esse dinheiro por isso a nossa luta é bem mais difícil. Também o tempo de televisão é muito injusto. Esse sistema político está organizado para manter aqueles que estão no poder no poder e não para possibilitar uma verdadeira democracia. As dificuldades a gente sabe que são grandes, mas nós temos uma coisa que ninguém tem, Fernando, que é uma militância que vai para a rua por ideal, e que acredita nessa proposta que a gente vai apresentar. Isso também nos dá chances muitas vezes inesperadas diante das probabilidades que são apontadas pelas pesquisas.
Quando o PSOL surgiu, no início dos anos 2000, logo depois do rompimento com o PT de um grupo, havia uma expectativa que o PSOL ocupasse um espaço da esquerda que foi ocupado no passado pelo próprio PT. Passaram-se aí dez anos, o PSOL ainda é um partido muito modesto. Quando o PT foi fundado, em 1980, depois de dez anos, 1989, 1990, o PT já estava com uma robustez maior do que a do PSOL hoje, com dez anos de idade, grosso modo. Por que isso aconteceu?
Bem, esses dez anos que tu te refere, do PT no poder, coincidem justamente com os dez anos da formação do PSOL. O PSOL se formou em um momento onde havia uma força do PT muito grande, diferente da época em que o PT se formou, em que havia um ascenso do movimento operário, havia uma luta contra a ditadura militar que ganhava uma força muito grande. O PSOL vem em um momento muito mais difícil, um momento de refluxo depois daquela década do Fernando Henrique [Cardoso], onde as lutas sociais tiveram um refluxo muito grande e, ao mesmo tempo, onde o PT estava na crista da onda. Nós tivemos uma ousadia muito grande de romper naquele momento, de desafiar o PT, e eu até posso dizer que me orgulho de ter sido expulsa do PT pelo José Dirceu, que hoje está preso. E, com certeza, esses dirigentes políticos que saíram do PT naquele momento junto conosco, eu, Heloísa Helena, o Babá, e o João Fontes, que era deputado também, abrimos mão de estar em um partido no poder, onde é muito mais fácil fazer política, onde é muito mais fácil obter recursos para ganhar apoios. Eu acredito que o PSOL agora, a partir desse ano de 2013, entra em uma nova fase. Por quê? Junho de 2013 foi um marco na conjuntura política no país, eclodiu um movimento de massas que teve seu epicentro na juventude, mas que depois se desdobrou em protestos, em greves de categorias organizadas, como os metroviários de São Paulo, outras não organizadas que se organizaram, como os garis do Rio de Janeiro. Nós entramos em uma nova fase, onde o movimento de massas se desprendeu do PT também e se desprendeu dessas velhas direções que continham muito as lutas. Nós queremos ajudar a organizar essa indignação que está latente nas pessoas e no povo de um modo geral.
A sua campanha a presidente da República será financiada como?
Principalmente com recursos do fundo partidário e com doações. Nós pretendemos fazer uma plataforma de doações na internet, de doações de pessoas físicas, e tentar fazer um movimento, onde as pessoas se sintam parte da construção de uma candidatura que não está capturada pelo poder econômico.
Qual é o orçamento previsto para a sua candidatura?
Nem temos esse número ainda. Não temos porque não sabemos o quanto essa plataforma de internet pode captar, por enquanto o que a gente tem é o fundo partidário, e isso é bastante reduzido.
A crítica feita agora a respeito do sistema de divisão de tempo de TV se refere à forma como é dividido o tempo na hora das campanhas. Como deveria ser essa divisão, visto que, embora existam partidos ideológicos que de fato, sem fazer juízo de valor a respeito da ideologia, estão ali para defender ideias, há muitos partidos pequenos que se assemelham em tamanho ao PSOL, mas que não estão interessados em vender ideias, mas vendem apenas o tempo de TV. Como resolver esse problema?
Eu acho que, em primeiro lugar, acabando com as coligações proporcionais que viabilizam essa negociação, esse balcão de negócios e também, eu acho que, fazendo com que o sistema político como um todo seja modificado. Por exemplo, se nós tivermos campanhas eleitorais que não sejam regidas pela lógica do marketing político, onde marqueteiros pagos a peso de ouro transformam os candidatos em produtos que vão para a televisão vender uma proposta que os marqueteiros identificaram como a mais popular, nós tivermos uma campanha eleitoral mais baseada nos debates, na espontaneidade dos candidatos de falar das suas propostas com certeza nós diminuiríamos muito esse leque de partidos fisiológicos que estão são fazendo negócio.
Teria que proibir a participação de marketing, como se faria isso?
Eu acho que na prática se faz isso estabelecendo um limite para os gastos de campanha, um limite baixo. Nós defendemos o financiamento público, queremos acabar com o financiamento privado das campanhas, mas também não adianta ter um financiamento público com uma desigualdade muito grande.
Pessoas físicas também não poderiam?
Pessoas físicas, a gente acha que é bom, é importante…
É aceitável?
É aceitável, até porque é uma forma de as pessoas se sentirem parte da campanha.
Na sua campanha, a sra. pretende captar doações também de pessoas jurídicas, visto que isso é hoje legal?
Olha, a gente não tem relação com empresas.
Mas se uma empresa fizer uma doação…?
Se uma empresa quiser fazer uma doação nós vamos avaliar no nosso diretório, na nossa coordenação de campanha, desde que ela não se enquadre nas proibições do nosso estatuto, que é empreiteiras, bancos e multinacionais.
PSOL, em São Paulo, planejava lançar como candidato a governador em São Paulo o professor Vladimir Safatle, que acabou desistindo do projeto e fez duras críticas a direção do partido. O que aconteceu em São Paulo?
Para mim o mais importante é que o Safatle, apesar dos percalços nesse processo, ele continua sendo do PSOL e continua disposto a colaborar na nossa campanha. Ele é uma figura que tem uma projeção muito importante na intelectualidade, dentro da universidade, como professor e como alguém que buscou também vocalizar nas suas intervenções públicas as vozes de junho. Ele poderia ter sido um ótimo candidato, infelizmente houve uma dificuldade nas negociações e, nesse momento, eu acredito que é importante nós olharmos para frente e, olhando para frente, nós temos o Safatle ao nosso lado e temos o [Gilberto] Maringoni como candidato, que é um ótimo candidato também, uma pessoa extremamente respeitada e que tem uma história também de lutas e, inclusive, conseguimos constituir a aliança com o PSTU, no Estado de São Paulo.
Quem olha de fora, um partido ideológico de esquerda como é o PSOL, sempre fica com a impressão que ele é mais fragmentado do que seria aconselhável ser. Essa impressão é correta?
Não. Eu acho que não é correta. Eu acho que essa impressão se desfaz no momento em que nós tivemos uma convenção que escolheu o meu nome por unanimidade, como candidata à Presidência. E mais do que isso votou diretrizes programáticas também por unanimidade. Inclusive, eu fui parte da construção, como coordenadora desse processo de discussão do programa, redigi boa parte das diretrizes programáticas que foram aprovadas por unanimidade. A esquerda, ela tem uma tradição de debates políticos, agrupamentos políticos que têm histórias próprias e que, portanto, as pessoas se identificam mais, mas nós conseguimos superar todas essas diferenças e ter uma candidatura escolhida por unanimidade e diretrizes programáticas também votadas por unanimidade.
A sra. foi escolhida pelo PSOL para ser candidata a presidente nesse domingo, 22 de junho, e antes, até outro dia, o pré-candidato que poderia vir a ser escolhido era Randolfe Rodrigues, o senador do PSOL do Amapá. O que aconteceu, em linhas gerais, para quem não estava acompanhando entender o caso?
Aconteceu que o Randolfe avaliou, e essa foi uma decisão individual dele, que ele deveria estar mais envolvido com os assuntos do Amapá. No Amapá há uma polarização muito grande das forças progressistas contra as forças oligárquicas representadas pelo [José] Sarney. Ele identificou que nesse processo de afastamento dele do Amapá e vinda para a candidatura nacional houve um crescimento das forças oligárquicas, uma recuperação e que ele precisava estar lá, até porque nós temos a prefeitura lá, de Macapá, com o Clécio [Luis], e é uma experiência muito importante com o PSOL porque é a única capital que o PSOL governa, não poderíamos estar descuidando desse trabalho lá e dessa luta política contra o Sarney.
Foi bom que a sra. mencionou o Clécio, porque ele recebeu, inclusive, o apoio do Democratas, que é o antigo PFL, o antigo Arena, enfim, um partido tido como de centro-direita, de direita. Um setor do PSOL criticou muito, à época, esse tipo de apoio recebido pelo Clécio. Isso já está pacificado no PSOL?
É…Ele não recebeu…
Receber apoio?
Ele não recebeu apoio do DEM, ele recebeu apoio de algumas lideranças.
De um candidato do DEM.
É. De lideranças. Isso foi criticado, e eu mesma critiquei. Eu acho que, aliás, eu não critiquei o fato de o DEM ter apoiado, o que eu critico é como a gente recebe esse apoio, o que a gente diz em um momento desses. Eu acho que nós não podemos apontar inimigos de classe como aliados. Eu até disse isso para ti em outra entrevista. Eu acho que isso está pacificado no PSOL, no sentido de que nós temos uma política de alianças que foi votada e que é a frente de esquerda e essa é a política nacional do PSOL.
Resuma como é essa política de alianças para esta eleição?
É a frente de esquerda. Nós buscamos aliança com o PSTU e com o PCB. Infelizmente, no plano nacional não conseguimos constituir essa aliança. O PSTU decidiu lançar candidatura própria, o PCB também. Acho que isso é uma perda para a esquerda socialista de um modo geral, mas conseguimos fazer alianças em alguns Estados importantes, como é o caso de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, aqui em Brasília. Vamos estar unidos também nessas disputas estaduais e, mesmo na disputa nacional, com candidaturas separadas, vamos estar unidos na denúncia desses três candidatos do sistema que representam um projeto político de reacionarismo ou de continuísmo.
No caso da disputa pela Presidência da República, eu estou entendo que o PSOL, o PCB e o PSTU terão candidatos próprios. No caso do PSOL, a chapa já está completa e definida?
Sim. Está completa e definida. Nós escolhemos o vice nessa convenção que é o companheiro Jorge Paz, que é uma pessoa que tem uma trajetória militante muito bonita.
Quem é Jorge Paz?
Ele é um dirigente político da Apeoesp, membro da executiva nacional da Apeoesp, que é o Sindicato dos Professores do Estados de São Paulo. É professor concursado já há muitas décadas e tem uma história de luta contra a ditadura militar, foi perseguido, militou na clandestinidade, foi da equipe político muito próxima do deputado Ivan Valente, em São Paulo, construindo com ele o agrupamento que eles fazem parte dentro do PSOL. Eu acho que ele valoriza a nossa chapa no sentido de que nós queremos apresentar um novo, mas que este novo não vem do nada. Ele resgata uma história da tradição da esquerda socialista, da esquerda comunista no Brasil e o Jorge simboliza isso.
A lei eleitoral no Brasil determina que quando há uma eleição para cargo executivo e algum meio de comunicação eletrônico, que é concessão pública, rádio ou televisão, quando fazem um debate convidem a todos os candidatos que tenham representantes eleitos no Congresso Nacional, na Câmara. No seu caso há representantes eleitos, a sra. tem direito de ser convidada. Algumas emissoras pretendem fazer debates e convidar não todos os candidatos, mas apenas alguns e tentar negociar com alguns, que tem menos pontuação, que não participem em troca de entrevistas. Qual a posição sua e do PSOL a respeito disso?
Não vamos abrir mão do nosso direito de estar nos debates. Queremos estar nos debates justamente para fazer esse confronto direto com a Dilma, com o Aécio, com o Eduardo Campos, botar o dedo na ferida, dizer as coisas que eles não vão dizer, as verdades que eles não vão dizer e dizer aquilo que as pessoas querem dizer para eles e não têm a oportunidade de dizer.
Dá um exemplo do que a sra. diria?
Eu diria, por exemplo, que eles três se confrontam com candidaturas diferentes, mas têm em comum a decisão política de manter este sistema político e este sistema econômico. Eles têm a convicção de que será necessário, a partir de 2015, fazer um ajuste, um ajuste que significa cortes nas áreas sociais, que significa alta da taxa de juros, que significa o aumento de tarifas públicas, que significa, inclusive, repressão aos movimentos sociais, criminalização dos movimentos, como essa lei que está tramitando no Congresso Nacional, chamada Lei Antiterrorismo. Então, eles estão unidos na defesa do sistema e desta democracia racionada que nós temos no Brasil e nós queremos apresentar a nossa proposta, que é o novo, uma democracia real e um modelo econômico que faça com que os bancos paguem mais impostos, com que os milionários paguem mais impostos, que desonere a classe média, a classe trabalhadora e que volte sua economia para os interesses do conjunto do país e não para os interesses para o capital financeiro como tem sido hoje.
Já vou entrar na parte econômica e de propostas. Deixa eu fazer mais uma pergunta ainda da área política. O senador Randolfe Rodrigues fez algumas críticas a respeito de como o seu partido, o PSOL, encaminhou as críticas a respeito da Copa do Mundo. Ele diz que o partido precisaria reavaliar a sua atuação a respeito disso. A sra. concorda com as críticas apresentadas por nesse aspecto?
Eu acho que o Randolfe se expressou mal nessa crítica…
Por quê?
Porque a crítica que o partido faz à Copa não é à Copa enquanto um espetáculo de futebol, e o povo brasileiro ama futebol. O que nós criticamos, e o Randolfe também critica, é a utilização da Copa como um grande negócio. A utilização do amor do brasileiro ao futebol para que as empreiteiras fizessem grandes negócios no país, com a construção de estádios que foram obras superfaturadas, em obras de mobilidade urbana que não aconteceram ou que, se aconteceram, foram também superfaturadas, em uma lógica de exclusão social que as obras da Copa geraram e o movimento dos trabalhadores sem teto em São Paulo, MTST, tem denunciado isso, a alta dos aluguéis, que as pessoas que vivem no entorno das obras da Copa que foram expulsas dessas regiões, a especulação imobiliária, uma cidade voltada para o negócio e não para o bem-estar das pessoas. É nesse aspecto a nossa crítica à Copa e a nossa grande bandeira nesse processo foi “na Copa vai ter luta”. E teve muita luta. Teve muita mobilização e os trabalhadores aproveitaram esse momento da Copa para pautar as suas reivindicações.
Agora, uma vez a Copa tendo começado, não se veem, de fato, manifestações de massa. Não há protestos generalizados e quando ocorrem são realmente bem limitados. Por que isso acontece?
Porque não é mais o momento do protesto. Durante os jogos as pessoas querem assistir o futebol. Isso é natural.
O PSOL não vai tentar comandar um protesto de massa nesse período mais?
Se houve uma necessidade, ocorrer algum processo político real. O MTST, por exemplo, pautou a possibilidade de fazer um protesto no dia da abertura da Copa se as suas reivindicações não fossem atendidas e eles tiveram uma grande vitória, justamente porque ousaram desafiar essa proibição de ter mobilizações durante os jogos da Copa, mas agora o povo está envolvido com o futebol. Eu acho que nós tivemos um momento importante, poderemos vir a ter outros momentos. Eu acho que a pauta, por exemplo, dos metroviários em São Paulo não está resolvida, as 42 demissões que o [Geraldo] Alckmin fez de dirigentes e de trabalhadores do Metrô foi criminosa. É possível que haja processos reais de categorias e de grupos sociais que queiram voltar a se colocar, mas não adianta a gente ficar inventando protesto em um momento que o povo está voltado para assistir aos jogos.
Ou seja, não é momento de o partido fazer um chamamento para fazer manifestações genéricas contra o sistema nesse momento, é isso?
Contra a Copa, nesse momento, não é o momento de se fazer manifestações genéricas, mas o partido estará presente, apoiará qualquer movimento que surja de categorias organizadas, de lutas concretas que sejam necessárias de serem pautadas nesse momento da Copa. Não significa que está proibida a manifestação, muito pelo contrário. O que nós não vamos fazer é inventar processos que não sejam reais, que não venham de fato de uma necessidade objetiva de um setor, como sem teto, como os metroviários, enfim.
A propósito disso tudo, as jornadas de junho de 2013 ensejavam ali uma possibilidade grande de grupos políticos de oposição, ou que se opunham pelo menos, em certa medida, aos poderes constituídos, que avançassem nesses grupos, que tivessem mais presença orgânica e eventualmente crescessem agora no processo eleitoral. As pesquisas de opinião, de intenção de voto, não indicam, entretanto, que partidos claramente de oposição, como o seu, tenham se beneficiado disso porque as pesquisas não mostram. Por que isso aconteceu?
As pesquisas não mostram também porque a grande mídia não mostra, né Fernando? Se nós formos ver a cobertura da grande mídia, tanto a televisiva como a jornalística, dos jornais de papel, nós vamos ver que a cobertura é focada centralmente nos três candidatos do sistema: é Dilma, Aécio e Eduardo Campos. Quando era Randolfe candidato pouquíssimo ele apareceu. O Zé Maria [candidato do PSTU] jamais aparece. Mauro Iasi [do PCB] muito menos. Com o início do programa eleitoral, embora essa diferença de tempo também nos prejudique muito, pelo menos as pessoas vão ficar sabendo que existe uma proposta alternativa e que o PSOL está se propondo a vocalizar essas demandas de junho que não foram resolvidas.
Eu entendo isso que a sra. está dizendo. De fato a visibilidade da cobertura de candidaturas de menor expressão nas pesquisas é bem pequena, a visibilidade.
Mas é porque é um processo que se alimenta.
Mas por outro lado, não é só por causa da mídia, porque houve casos, no passado, em que candidaturas muito pequenas não tinham cobertura e foram aos poucos crescendo. Não é o que acontece agora. E elas cresceram antes do processo de propaganda na TV. É só por causa da mídia, não tem também alguma desconexão entre as propostas do seu partido, de algum outro, para que ele já estivesse em uma posição mais robusta nas pesquisas?
Eu acho que tem uma desconexão dos grandes partidos com os anseios do povo. Essa desconexão é enorme por isso o número de indecisos é muito grande. A Dilma cai, a aprovação do governo cai e os outros dois candidatos não crescem. Há um espaço político a ser ocupado. Se me derem 30 segundos todos os dias no Jornal Nacional eu tenho certeza que o PSOL consegue ocupar esse espaço.
Propostas agora. Se a sra. foi eleita, como o PSOL vai tratar o tema da interrupção de gravidez, que para as principais candidaturas já é algo resolvido, não querem tocar no assunto no que diz respeito a alterar alguma regra?
Eu acho que a gente vive uma hipocrisia nessa questão do aborto, Fernando, porque o aborto é uma realidade. Eu fui mãe com 17 anos e sei como é difícil ser mãe e eu tive o apoio do meu companheiro na época, do pai do meu filho, tive o apoio da minha família. Tem mulheres e meninas que, muitas vezes, não têm esse apoio, não tem esse respaldo que eu tive, e mesmo assim não é fácil ser mãe. Ser mãe é um projeto que deve ser escolhido pela mulher e não imposto. Então, o que nós precisamos? Acabar com a hipocrisia, porque o aborto ocorre, só que as mulheres que têm condições de pagar, elas fazem o aborto com toda a segurança. As que não têm condições de pagar recorrem a aborteiros de fundo de quintal, a agulhas de tricô, medicamentos, depois elas sofrem mutilações nesse processo, vão para o SUS e, muitas vezes, são discriminadas no SUS por causa do preconceito que existe contra a mulher que provocou um aborto. Eu vejo que a gente precisa descriminalizar, para quê? Para acabar com essa hipocrisia e possibilitar uma discussão franca sobre o tema da maternidade, da contracepção. O Uruguai legalizou o aborto e desde então nenhuma mulher morreu por causa de aborto e diminuíram os números de abortos, por quê? Porque se pôde discutir abertamente o problema e se dá uma orientação para essa mulher que engravida involuntariamente. Obviamente que isso tem que vir acompanhado de uma política de prevenção para que uma gravidez indesejada não aconteça.
Os três candidatos a presidente que lideram as pesquisas, Dilma Rousseff, do PT, Aécio Neves, do PSDB e Eduardo Campos, do PSB, são contra modificações na atual lei do aborto. A sra. acha que eles defendem essa posição conservadora porque convictamente acreditam nisso ou há um componente eleitoral forte também?
Cada um deve ter a sua própria impressão sobre o tema. Eu não sei realmente qual é a opinião pessoal de cada um dos três, mas com certeza eles evitam o tema porque há um amplo setor que é contrário e é um tema polêmico, até porque se confunde muitas vezes a defesa da descriminalização do aborto com a ideia de que o aborto é uma coisa boa, de que o aborto deve ser usado como um método contraceptivo. Isso aí é obviamente um absurdo. Então, não é um debate fácil e é preciso se ter tempo para dialogar com as pessoas sobre o assunto. Quando aparece simplesmente a favor do aborto é horrível, ninguém é a favor do aborto. Nós somos a favor das mulheres.
Por que a sra. acha que o Brasil dá a impressão, pelo menos em época eleitoral, de que esse debate ainda não amadureceu com essa narrativa que a sra. propõe? O Brasil é conservador?
Eu acho que o Brasil tem uma população ainda com um setor muito conservador, setores da igreja colaboram muito nesse conservadorismo, mas eu vejo que isso está mudando. Eu vejo que há uma juventude que está respirando novos ares e vendo que é preciso encarar determinados temas sem preconceito, porque ter dúvidas sobre a justeza de se descriminalizar o aborto, ou as drogas, a maconha, por exemplo, é legítimo, porque são temas que mexem muito com as pessoas, com as suas emoções, mas a gente precisa encará-los sem preconceito e eu vejo que nós estamos avançando um pouco nesse terreno.
Na mesma área do preconceito, do conservadorismo, a legalização das drogas, ou pelo menos das drogas leves, a legalização do consumo, a posição do PSOL é, a respeito disso, é a favor de, por exemplo, legalizar o consumo de maconha?
Sim. O PSOL tem uma posição muito categórica de denúncia desta guerra às drogas. Aliás, essa não é posição do PSOL, a London School of Economics acabou de divulgar um estudo que confirmou outros estudos que já tinham sido divulgados que a guerra às drogas fracassou, no sentido de que ela não conseguiu reduzir o consumo e que ela só gerou violência e corrupção.
E, portanto, o PSOL é a favor da descriminalização do consumo de maconha. E de outras drogas também ou não?
Nós achamos que o primeiro passo, no sentido de se acabar com essa guerra às drogas que na verdade se transformou em guerra aos pobres, é a descriminalização da maconha porque a maconha é uma droga que causa tão mal quanto o álcool e o cigarro e deve ser tratada no mesmo patamar. O projeto do deputado Jean Wyllys é muito coerente nesse aspecto porque não propõe a liberação geral, ele não propõe uma apologia ao uso da maconha, ele propõe a regulamentação para que aqueles que querem fazer um uso recreativo possam fazê-lo e para que se discuta abertamente as consequências desse uso para que ele não se transforme em uma dependência e para que o próprio usuário da maconha não seja obrigado a entrar em contato com o traficante que vai, certamente, lhe oferecer outras drogas muito mais pesadas e mais lucrativas para o tráfico, como é o próprio crack. Então, separar a maconha do conjunto das drogas é o primeiro passo para que a gente possa enfrentar esse problema da criminalização. A morte da Cláudia, do Amarildo, do [dançarino] DG, foram resultados dessa criminalização da pobreza que a guerra às drogas propicia.
A experiência do Uruguai é uma experiência positiva, na sua opinião?
Com certeza. Eu acho que hoje, dos presidentes da América Latina, o Mujica nos dá um grande exemplo nesse aspecto, o exemplo da descriminalização da maconha é muito positivo porque possibilita que se tenha uma experiência concreta e se possa demonstrar como a descriminalização vai ser favorável à saúde, vai ser favorável ao fim da violência e vai ser favorável ao fim da corrupção e ao fim do narcotráfico, que, embora só a descriminalização da maconha não seja suficiente para se acabar com o narcotráfico, mas é um golpe pesado no narcotráfico e, nesse sentido, é a favor do conjunto da sociedade.
Economia. O Brasil já tem há mais de uma década um sistema de metas de inflação, no qual o governo define uma taxa e tenta supostamente perseguir essa taxa ao longo no período de um ano. Atualmente a taxa é de 4,5%. O PSOL considera positivo esse sistema de metas de inflação a serem perseguidas e, dois, 4,5% ao ano é uma meta que a economia brasileira pode alcançar no ano de 2015?
Para nós o debate não deve ser feito sob esse ângulo, Fernando. Nós achamos que é preciso discutir as bases da lógica econômica do país e, nesse aspecto, o primeiro tema que nós queremos pautar é o tema da dívida pública, porque hoje mais de 40% do orçamento do país é destinado para pagar juros e amortização da dívida. São mais de R$ 90 bilhões de superávit primários que o Brasil fez, contando da União e dos Estados, que também estão estrangulados pelos acordos da dívida.
E a dívida pública deveria ser tratada como? Porque hoje ela é basicamente uma dívida interna.
Exatamente. Uma dívida interna onde os bancos são os maiores credores. A resolução, inclusive, que nós tiramos na nossa convenção, é de que nós iríamos fazer a auditoria da dívida, a exemplo do que ocorreu no Equador, e o Equador conseguiu anular 75% da sua dívida com base nessa auditoria. Temos, inclusive, a Maria Lúcia Fattorelli, que é coordenadora da auditoria cidadã da dívida que participou da auditoria do Equador. E, nesse processo da auditoria, a suspensão do pagamento preservando os interesses de pequenos poupadores, preservando os interesses dos trabalhadores que têm seu dinheiro nos fundos de pensão, e buscando uma renegociação a partir dessa auditoria.
Deixa eu entender. Para ficar bem claro para quem nos assiste. Caderneta de poupança: quem teria dinheiro em caderneta de poupança nesse período de auditoria, como a sra. diz, da dívida interna, teriam preservados os seus recursos depositados e os seus rendimentos que ainda existem pelas regras atuais?
Caderneta de poupança é intocável.
Qualquer valor da caderneta?
Nós estamos falando dos títulos da dívida pública que são…
Primeiro, só para excluir então, caderneta de poupança, qualquer valor deposita, fora, título de dívida pública, são essas aplicações que pessoas fazem, ou empresas, nos bancos, os CDBs, títulos do Tesouro, ou títulos inclusive emitidos pelos próprios bancos, são esses daí que seriam auditados. É isso?
Isso. A CPI da dívida pública, que foi inclusive encabeçada pelo Ivan Valente na Câmara Federal, ela identificou justamente esse perfil dos credores, não se consegue identificar tudo porque o Banco Central não fornece essas informações, mas nós queremos preservar os trabalhadores, os fundos de pensão das aposentadorias e queremos acabar com a especulação, porque o que ocorre hoje é que nós temos uma situação em que os especuladores pegam dinheiro emprestado, por exemplo, nos Estados Unidos a juros baixíssimos e vêm aplicar nos títulos da dívida pública brasileira ganhando um monte nessa transação. Esse tipo de negócio não interessa ao país.
Para quem nos assiste, essa medida requereria que se interrompessem em algum momento o pagamento que é feito de juros sobre essas aplicações, ou isso só seria feito ao final da auditória? E, números dois, quando a sra. fala em proteger os pequenos aplicadores e os fundos de pensão, no caso dos pequenos aplicadores, qual seria a faixa de corte para saber quem é pequeno e quem não é?
Nós não chegamos nesse grau de detalhamento…
Mais ou menos?
Mas a auditoria cidadã da dívida tem estudos que demonstram que mais de 50% dos títulos da dívida estão nas mãos dos bancos, que são eles os donos. Então, esse seria o nosso grande alvo. Aliás, o grande alvo do PSOL, no governo do Brasil, seria atacar os interesses dos bancos. Não é casual que em um ano de crise econômica, como foi o ano passado, eles lucraram mais de R$ 70 bilhões. Nós queremos, além do problema da dívida pública, pautar também o problema da tributação, que é um outro aspecto da nossa proposta econômica. Hoje, o sistema tributário brasileiro é extremamente injusto. Ele concentra a tributação no consumo e no salário e é extremamente fraco na tributação das grandes fortunas e das grandes propriedades. Eu, inclusive, fui autora do projeto que cria, regulamenta, na verdade, a criação do imposto sobre as grandes fortunas, que está na Constituição e até hoje não foi implementado. Nós queremos que os bancos paguem mais impostos, que as grandes empresas paguem mais impostos, que os especuladores sejam banidos do país. Então, é uma lógica de modificação do sistema econômico do país que significa buscar se libertar da escravidão dos mercados. Evidente que isso não é fácil e que esse processo vai demandar um enfrentamento político, e é por isso também que nós precisamos ter o apoio popular, essa é a grande necessidade, a mobilização do povo para que os interesses de 1% da população, mas que são interesses extremamente poderosos, possam ser atacados para que se beneficie os interesses de 99% da população que até hoje não tem sido contemplada pelo dinheiro público.
Tamanho do Estado. O Brasil teve um processo ao longo das últimas décadas de privatização de determinadas empresas. O PSOL defende a reestatização de alguma empresa, de algum setor que foi entregue à iniciativa privada?
Eu acho que isso é um processo que vai demandar nós chegarmos ao governo para avaliar a real situação. Por quê? Eu tenho a impressão de que grandes grupos econômicos que controlam áreas estratégicas iriam boicotar um governo do PSOL, iriam fazer de tudo para nos derrotar. Nós não poderíamos permitir que esses grupos econômicos tentassem nos derrotar utilizando-se desses recursos naturais ou dessas áreas estratégicas, como é a energia, por exemplo, como é o petróleo, como é o saneamento, como é a siderurgia. Então, à medida da necessidade haverá sim expropriações no sentido de garantir que o interesse público prevaleça.
Tem algum exemplo que seria mais evidente nesse caso?
As empresas de energia elétrica que foram privatizadas. Eu não sei como se comportariam essas empresas em um governo do PSOL. Se for necessário, elas terão que ser restatizadas. Tem áreas estratégicas, a própria Petrobras com o leilão do Campo de Libra entregou um tesouro para a iniciativa privada. Aliás, foi obra do PT. Obra do governo do PT essa privatização parcial do pré-sal. Nós vamos questionar essas empresas que estiverem atuando contra os interesses nacionais.
Do ponto de vista da análise clássica do espectro político, o governo do Partido dos Trabalhadores, que hoje comanda o país, faz um governo de centro, de centro-esquerda, de esquerda, qual é a sua avaliação?
Eu acho que o governo do PT é um governo social-liberal, no sentido de que…
Explique.
…Ele carrega traços do projeto neoliberal quando faz privatizações, quando faz cortes nos gastos públicos, quando mantém a submissão do país ao mercado financeiro, essa financeirização da economia e junto a isso faz alguns programas sociais. O que aconteceu nesse período? Como houve um período de crescimento econômico que esteve relacionado à situação mundial, durante o governo Lula principalmente, o PT conseguiu fazer alguma distribuição de renda, mas fez essa distribuição de renda sem atacar os interesses dos bancos, do agribusiness, das grandes empresas, tentou dar um pouquinho a partir…
Nesse sentido é um governo de centro-direita então?
Eu não gosto muito de rótulos. Eu acho que é um governo que fez alguma distribuição de renda em base no crescimento econômico, mas que não atacou os interesses dos privilegiados e, nesse sentido, nesse momento em que começa uma crise econômica, em que se desenrola uma crise econômica, esses interesses desses trabalhadores que foram muito parcialmente atendidos durante esse período, com programas como o Bolsa Família, como o Prouni, vão sofrer ataques, vão sofrer cortes. É a lógica do bolo que cresceu, deu para distribuir um pouquinho, e agora o bolo está diminuindo, vamos tirar de quem recebeu esse pouquinho que foi distribuído.
Mas é isso que o PT não fala. Ele fala que não vai fazer isso, né.
Fala que não vai, mas os economistas do governo e o André Singer, inclusive escreveu um artigo na Folha de S.Paulo onde ele próprio reconhece que os três principais candidatos têm essa definição de que é necessário um ajuste em 2015. O que é ajuste? É justamente alta de tarifas públicas, alta de juros, cortes nos gastos públicos. Então, isso é consenso entre os economistas do establishment que vai ter ataques e quem é que vai pagar essa conta? Para nós do PSOL quem tem que pagar essa conta é o 1%, os milionários, os bancos, os especuladores.
Quais seriam hoje, no mundo, governos que, se não exemplos definitivos, seriam exemplos de bons governos para o PSOL?
Nós não temos um modelo. Eu acho que esse é o…
Mais quais devem ser observados porque têm boas experiências que o PSOL deveria observar?
Eu acho que a grande novidade do PSOL é justamente buscar construir o novo. Nesse aspecto, evidente que há experiências que se tem que se observar e reivindicar, como o caso do Mujica, por exemplo, nessas medidas de cunho de direitos civis, temos o caso da Venezuela, por exemplo, no caso da democracia direta, referendo revogatório, valorização de plebiscitos.
A sra. citou o Uruguai, a Venezuela…
Temos o exemplo de Cuba no aspecto da saúde pública, dos serviços sociais. Cada um tem suas experiências que têm as suas qualidades, mas nós não queremos usá-las como modelo, porque nós queremos construir um modelo novo que não seja inclusive obra do PSOL, que seja um modelo construído pelo próprio povo.
Nós podemos chamar Cuba hoje de um país democrático?
Não. Eu não vejo Cuba como um país democrático. Eu vejo que Cuba construiu a sua experiência, tem aspectos muito positivos em avanços sociais, mas um país que não tem liberdade de organização partidária eu não chamaria de uma país democrático. Eu quero um socialismo libertário e é por isso, inclusive, que o PSOL fez questão de colocar no seu nome, Partido Socialismo Liberdade, porque nós acreditamos firmemente que a proposta socialista ela só é verdadeiramente socialista quando há liberdade, porque socialismo não é apenas a estatização dos meios de produção, ela é uma socialização do poder, é o poder popular que a gente quer construir. E nesse aspecto acho que este poder popular, que nós queremos construir junto com o povo organizado, não há uma experiencia na qual a gente possa se espelhar para dizer que é um modelo acabado.
Sem querer ter o dom de prever o futuro, é muito provável que a eleição presidencial realmente afunile para três candidaturas, para não dizer para duas, que são as que estão em evidência agora, quais sejam a do PT, Dilma Rousseff, PSDB, Aécio Neves e Eduardo Campos, do PSB. Nessa hipótese de haver a polarização que existe há vinte anos no plano nacional que existe entre PT e PSDB, como se posicionaria o PSOL em um eventual segundo turno?
Não estamos discutindo isso, nesse momento, e temos a convicção de que o importante agora é mostrar que mesmo com as suas eventuais diferenças, e eu acho que eu deixei claro essas diferenças ao longo da nossa conversa, os dois, ou os três, representam o sistema que nós queremos derrotar.
É possível diferenciá-los?
Sim, eles são diferentes. Basta ver, por exemplo, o tratamento que o Alckmin deu a greve dos metroviários com demissões e diálogo que foi estabelecido com o MTST que foi vitorioso na sua luta na ocupação Copa do Povo. Agora, isso foi resultado do quê? De uma benevolência do governo Dilma? Não, resultado da luta do MTST, da pressão exercida pelos milhares dos trabalhadores sem teto que tomaram as ruas de São Paulo, mas a diferença no tratamento é evidente. Agora, isso não significa que o PT seja uma expressão da esquerda, muito pelo contrário. O PT hoje é uma expressão de uma esquerda que se rendeu e que abandonou as suas bandeiras.
Do seu ponto de vista e do ponto de vista do PSOL, se ficar um segundo turno com Dilma Rousseff do PT e Aécio Neves do PSDB, se vencer o PSDB, a análise da conjuntura que se forma indica que haveria retrocesso, de acordo com o seu ponto de vista?
Haveria retrocesso com certeza, mais privatizações, mais ataques, mas isso não significa que o PSOL apoiaria o PT no segundo turno. Nós não vamos discutir segundo turno agora. Tu me chama aqui depois do resultado, quem sabe nós não estaremos no segundo turno, nada é impossível de mudar, já dizia Bertold Brecht. Nada deve parecer impossível de mudar, depois do que aconteceu em junho de 2013 no Brasil tudo é possível. Milhões tomaram as ruas e ninguém acreditava que isso poderia acontecer de uma hora para a outra e aconteceu e quem sabe o PSOL não pode ir também para o segundo turno.
Ninguém imaginava que podia acontecer o que aconteceu em 2013, em junho, é verdade. Nos meses que precederam a Copa do Mundo no Brasil havia muito ceticismo, inclusive do próprio governo, dos organizadores, a respeito da capacidade de realizar o evento e fazer com que ele funcionasse relativamente bem, e de fato foi o que aconteceu. Surpreendeu o fato de a Copa acabar acontecer de maneira suave até e bem-sucedida em vários aspectos, para a sra.?
Não me surpreendeu, Fernando, e nós não apostávamos no quanto pior melhor. Eu acho que os brasileiros todos estavam torcendo, receosos, a gente ouvia muito nos aeroportos “imagina na Copa” por causa das filas, dos atrasos, e eu acho que muita gente deixou de viajar nesse período, porque os aeroportos não estão tão lotados como a gente esperava que estariam, mas a gente não apostava no quanto pior melhor. A gente queria que a Copa fosse um espetáculo de futebol. Agora, o que nós não aceitamos é essa utilização da Copa para fins eleitorais, para os negócios das grandes empreiteiras.
Deu mais certo do que parece que iria dar? Essa impressão que muita gente está tendo “nossa, parece que está sendo bem melhor do que a gente esperava que seria”.
Eu acho que a espectativa era tão ruim que ao ter saído relativamente as pessoas se surpreenderam.
A sra. se surpreendeu? O que a sra. achou quando começou a acontecer?
Eu achei normal, realmente não vejo que tenha sido nenhum espetáculo de bom funcionamento, mas também não foi nenhum desastre. Faltou comida nos estádios, houve reclamações nesses aspectos, teve uma invasão de uma torcida no estádio, então, teve alguns problemas também, mas eu acho que são parte de um processo tão grandioso como é a organização de uma Copa do Mundo.
Teve um episódio muito marcante, muito noticiado, no primeiro jogo da Copa do Mundo, no Itaquerão, em São Paulo, que foi a vaia e a ofensa recebida pela presidente da República. Qual é a sua avaliação desse episódio? Afinal, foi só a elite que ofendeu a presidente ou esse tipo de irritação é mais amplo?
Eu tenho certeza que a irritação é mais ampla, até as pesquisas mostram isso. Depois, eu acho que o governo deveria se questionar por que ele construiu estádios, gastou R$ 8 bilhões em estádios, inclusive 30% a mais do que previa para colocar só a elite nos estádios. Eu não vejo que era só a elite que estava lá. Eram pessoas com mais poder aquisitivo, mas essas pessoas com mais poder aquisitivo são as mesmas que há dez anos foram para as ruas comemorar a vitória do Lula. O PT se fortaleceu e cresceu muito no seu início na classe operaria e em setores médios, intelectualizados, universitários e está perdendo este setores. É isso que apavora eles porque esse setor que é formador de opinião está indignado com o PT e pode ir para a direita. Não se descarta. Olha o que aconteceu na Grécia, tem uma direita crescendo, mas tem uma esquerda muito forte, a Syriza foi vitoriosa inclusive nas eleições do parlamento europeu, mas atrás de uma direita que se fortalece tem uma esquerda envergonhada, uma esquerda que traiu os seus princípios. Então, a responsabilidade pelo fato de esses setores estarem se deslocando para a direita é do PT, que decepcionou, porque eles acreditaram muito no PT durante muito tempo. E nós vamos disputar esses setores, assim como vamos disputar a classe trabalhadora, os mais pobres, vamos disputar também os setores médios que estão sendo sacrificados também nesse modelo econômico, nessa tributação excessiva sobre o salário, sobre o consumo, e que querem também ter acessos a serviços públicos de qualidade para não precisar pagar plano de saúde, não precisar colocar seu filho em escola particular.
O slogan, ou a palavra de ordem da sua campanha já está definido? Se sim, qual será?
Não. Ainda não está definido, estamos ainda estudando, mas queremos trabalhar muito a ideia da coerência, porque eu acho que a história do PSOL é uma história de coerência, não só a minha pessoal por ter, como deputada, naquele momento difícil, me rebelado, digamos assim, junto com a Heloísa, o Babá e ter enfrentado o governo Lula no auge da sua popularidade para defender as bandeiras que o PT havia abandonado, mas porque o PSOL nasceu desse processo, de luta pela coerência da política, então, essa ideia da coerência com certeza estará presente na nossa ideia força de campanha.
Luciana Genro, candidata a presidente pelo PSOL em 2014, muito obrigado pela sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.
Eu que agradeço.