Dia 15/05 ficou marcado pelo início da “Copa das Manifestações”, em que diversos movimento sociais foram para as ruas denunciar o descaso dos governos com os direitos do povo, enquanto bancam uma festa cara e feita para os “bacanas”.
Dante Peixoto
Foi também o dia em que a primeira consequência mais preocupante da crise hídrica do sistema Cantareira entrou em cena: a Sabesp ligou o sistema de captação do “volume morto”.
Este fato apareceu de rodapé em algumas publicações, em outras teve um certo destaque, citando rapidamente críticas e dúvidas sobre a ação, mas escondendo as consequência mais grave dessa atitude: a de que chegamos ao fundo do poço e estamos cavando.
O Cantareira é responsável pelo abastecimento de cerca de 50% dos habitantes da capital São Paulo (principalmente nas zonas Norte e central e parte das zonas Leste e Oeste), além da região metropolitana de Campinas e das cidades de Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Osasco, Carapicuíba, Barueri e Taboão da Serra, São Caetano do Sul, Guarulhos e Santo André, abastecendo aproximadamente 14milhões de pessoas.
Mesmo com um caráter estratégico indiscutível no fornecimento de água para a população, nunca houve um plano B do governo estadual para oferecer água a todas essas cidades.
Na verdade, o plano do governo para a água no estado de São Paulo foi transformar a Sabesp em uma corporação mista, com capital aberto, rezando a cartilha do neoliberalismo, enxugando o quadro de técnicos, terceirizando a mão de obra e tratando a água como uma mercadoria.
No meio dessa situação, a companhia saiu de 21 mil funcionários para 14 mil nos dias atuais, passou de uma empresa sem fins lucrativos, que se preocupava em produzir água como uma questão de saúde pública e de bem estar da população para uma empresa que vende e, portanto, encara a água como um produto que atrai investidores e gera lucros.
Nesse meio tempo, mesmo com diversos alertas emitidos pelo próprio sistema Cantareira (que desde 2010 veio reduzindo sua disponibilidade ano após ano) pelos especialistas em hidrologia (que há mais de 10 anos falam sobre a possibilidade de uma escassez como a que vivemos hoje), a Sabesp e o governo do estado se preocupavam em ostentar os bilhões de lucro da companhia e pouco, ou nada se falava de até quando iria ter água para servir ao povo.
Possíveis soluções técnicas para o caso existiam aos montes, seminários foram feitos, projetos propostos para incrementar quantidade de água suficiente para segurar a crise atual do Cantareira, porém, o governo deveria ter tratado da questão antes, com um planejamento sério, que visasse o bem estar da população, e não apenas os lucros da Sabesp.
Agora, a captação do volume morto é o último suspiro, estamos sugando até a última gota de um sistema que agoniza há mais de uma década, com disputas intensas pela sua água entre as cidades da região de Campinas e a capital São Paulo, que já deveriam ter sido resolvidas há anos.
Nossa condição é completamente incerta, de um lado, o governo Alckmin se esforça por jogar uma cortina de fumaça sobre o caso, afirmando que há água até março do ano que vem. Os cálculos mais otimistas de especialistas amigos, entretanto, mostam que a água, na melhor das hipóteses, duraria 90 dias e que a captação desse volume morto irá gerar uma série de problemas para o tratamento.
Isso porque a água do volume morto é praticamente um lodo, que quanto mais fundo, mais sedimento com metais pesados, toxinas e tudo de mais arriscado para a saúde e que exigirá mais e mais tratamento para a população pode beber sem ter problemas.
Mais do que isso, a água do volume morto captada fará falta na recuperação do sistema, pois quando as chuvas voltarem, ao invés de encher o reservatório, terá que encher antes o volume morto. Pior que isso, a extinção de espécies, a destruição da fauna e flora do reservatório é questão de tempo com essa captação.
Quando olhamos pro que vem depois a situação fica pior, pois a verdade é que vão pegar água do volume morto e rezar para chover o quanto antes. As outras soluções apresentadas demorarão 2 anos para começar a funcionar. Ou seja, acabando a água do volume morto e não chovendo, teremos um intervalo longo de incertezas e sofrimento garantido.
Estamos diante de uma situação drástica e que o governo continua empurrando com a barriga, tentando ludibriar o povo, dizendo que está tudo bem. A água segue sendo tratada como uma mercadoria lucrativa, que deu 1,9 bilhões de lucro para a Sabesp no ano passado, mas com o povo em completo segundo plano.
É preciso começar urgente a cobrar algumas questões do governo, primeiro que se abram as discussões e informações das decisões estratégicas que terão de ser tomadas. Por exemplo, como vai funcionar o racionamento de água?
Mais que isso, é preciso dar um basta nos desmandos tucanos na Sabesp, fazendo pressão para que haja uma guinada na estratégia organizativa da companhia, tirando seu foco do lucro e do capital aberto, passando para o abastecimento de água para o povo, pensando em sua saúde e qualidade de vida.
Ao que parece, chegamos, literalmente ao fundo do poço (ou do reservatório), isso por uma política gananciosa e irresponsável de mirar lucros infinitos (e que não custa perguntar, têm ido parar onde?) aliado a um desmonte dos serviços públicos de qualidade. Essa é a a marca dos governos do PSDB desde sempre, nos cabe falar nome e sobrenome dos problemas e culpados e fazê-los pagar caro a conta da irresponsabilidade e descaso com o povo.
Dante Peixoto é do Diretório do PSOL de São Carlos
Artigo originalmente publicado no site da Fundação Lauro Campos