Para qualquer um que se interesse em política, é impossível pensar no atual cenário brasileiro sem refletir sobre os acontecimentos[1] de Junho de 2013. A onda de protestos que tomou o Brasil gerou um abalo sísmico nos atuais governantes e animou a esquerda socialista, por inaugurar um novo momento político no país.
Leonel Camasão
A pergunta que paira nas cabeças de dirigentes partidários, políticos e cientistas sociais é: qual o efeito destas mobilizações nas eleições de 2014? Segundo a última pesquisa Datafolha, até o momento, pairam incertezas para todos os lados. Apesar da presidente Dilma Roussef (PT) ter caído 10 pontos percentuais entre fevereiro e junho deste ano – retornando, portanto, ao baixo patamar de intenções de voto e aprovação da época das manifestações – a oposição de direita clássica e a “nova política” de Eduardo Campos (PSB) não ganharam votos – também perderam. Ao mesmo tempo, o número de indecisos ou que desejam votar em branco/nulo é o maior desde 1989.
Entretanto, passado o calor dos acontecimentos (e quem sabe, à beira de tantos outros durante a Copa), é preciso refinar mais a análise sobre os significados de Junho e sobre o que podemos chamar de processo de transição que vivemos na sociedade brasileira.
Ao contrário de análises apressadas, a atual virada na conjuntura política não começou em Junho de 2013, mas sim, no ano de 2012 em geral e nas eleições daquele ano em particular. Neste ano, mudanças silenciosas ocorreram no comportamento da população, que não foram visíveis antes da apuração das urnas.
O ano de 2012 foi a quarta eleição municipal com a possibilidade de reeleição. E foi também o pleito com a menor taxa de recondução dos mandatários locais. Dos mais de 2,7 mil prefeitos que buscaram a reeleição, apenas 55% tiveram sucesso[2]. A mudança de comportamento foi tão imperceptível e subterrânea que o Instituto Ibope, um dos maiores em pesquisas eleitorais no país, errou o resultado das eleições em 8 de 11 capitais[3].
Também em 2012, o país viveu um número recorde de greves, como aponta o Dieese. Foram 873 paralisações, representando um avanço de 58% em relação a 2011. [4] A principal característica deste movimento (assim como os de 2013), é a falta de um agente articulador. Em outras palavras, não há um movimento, partido ou central sindical que canalize, organize e dê uma vasão direcionada para o sentimento de indignação e mudança que permeia a cabeça dos brasileiros e brasileiras.
Em reportagem de O Globo, Marco Aurélio Nogueira afirma que “os protestos de junho foram importantes para que o Brasil incorporasse as manifestações ao seu cotidiano, mas produziram pouco resultado político. Não emergiu dos protestos nenhuma nova liderança e faltou uma articulação capaz de transformar essa mobilização em uma força política”[5].
Outro levantamento do Pew Research Center, dos Estados Unidos, mostra que o “humor” dos brasileiros sofreu grande oscilação, em escala similar em países que viveram grandes crises institucionais, como o Egito. A quantidade de brasileiros insatisfeitos com o país subiu de 49% em 2010 para 72% em 2014 e a opinião de que a situação econômica do país é ruim quase dobrou, de 36% para 67%.
O que fazer?
Este cenário traz muitas possibilidades para a esquerda socialista. Até o momento, não há lideranças catalizando esse sentimento de mudança. Só a campanha eleitoral de 2014 dirá se o PSOL conseguirá ocupar este espaço, total ou parcialmente, ou se novos atores sociais surgirão.
Ao que tudo indica, viveremos novas ondas de manifestações em junho deste ano, que se somarão às várias greves no país. Construir instrumentos que ajudem a unificar e articular estas lutas é uma de nossas tarefas principais.
A única certeza que podemos ter é que o Brasil está mudando. O sucesso ou fracasso de nossa intervenção é que dirá como o Brasil está mudando. Não há certezas no horizonte, tampouco fórmula pronta ou bola de cristal.
O futuro é uma página em branco.
É tempo de ir às ruas e de ousar lutar.
Leonel Camasão é jornalista e presidente do PSOL Santa Catarina.
[1] Partilho da opinião de André Singer, em que a utilização do conceito de “jornadas” para definir o que ocorreu no Brasil não é o mais adequado, pela própria dimensão destes fatos. Para mais detalhes, consultar SINGER, André. Classes e ideologias cruzadas, in: Dossiê: Mobilizações, protestos e revoluções. Fundação Carlos Chagas, 2013, São Paulo.
[2] “Taxa de reeleição de Prefeitos é a menor da história”, disponível em http://www.cartacapital.com.
[3] Em Santa Catarina, por exemplo, o Ibope errou os resultados nas três únicas cidades que houveram segundo turno: Florianópolis, Joinville e Blumenau. A matéria completa está em “Boca de urna do Ibope erra em oito de 11 capitais”. Disponível emhttp://congressoemfoco.uol.
[4] “Número de greves no país em 2012 é o maior em 16 anos”, disponível emhttp://achadoseconomicos.
[5] “Por 20 centavos e muito mais: manifestações completam um ano”. Disponível em http://oglobo.globo.com/