Após mais de seis meses de mandato socialista, calouro na Câmara Municipal de São Paulo, a constatação da falta de democracia interna e o corporativismo no Legislativo paulistano preocupam seriamente.
Nunca nos faltou consciência de que éramos um exército de um homem só. Afinal, já sabíamos do cenário que iríamos compor.
De um lado, haveria a base aliada do governo, cujos vereadores, que se dizem defensores dos trabalhadores, dariam as mãos aos representantes dos interesses empresariais e da elite, sem constrangimentos.
Do outro, estaria a oposição de direita, comprometida com as grandes corporações e com as classes mais ricas e disposta a atuar contra qualquer iniciativa que pudesse favorecer a imagem da prefeitura, mesmo que, com isso, a população saísse prejudicada.
Até aí, nenhuma surpresa. Mas foi no dia a dia de trabalho que nos demos conta de que, além de sozinhos, estamos reféns de acordos entre bancadas e sob um regimento interno singular, que adota procedimentos raros, quem sabe inéditos, e que nos deixa de mãos atadas.
Como se sabe, todo projeto de lei (PL) precisa passar por comissões técnicas antes de ir à votação em plenário. É durante a reunião semanal de cada uma delas que os parlamentares deveriam discutir os textos.
Mas não é isso o que acontece. Existe uma cultura de que vereadores não devem se colocar contrários a projetos de colegas. Com frequência vemos pareceres favoráveis a PLs visivelmente polêmicos. O parlamentar que ousar infringir a regra terá sua atitude considerada uma ofensa pessoal e, em resposta, sofrerá boicote quando quiser aprovar a sua propositura.
Não bastasse esse acordo, a Câmara Municipal de São Paulo adota também um procedimento esdrúxulo chamado congresso de comissões, que tem o objetivo de acelerar a tramitação dos projetos de lei.
Como diz o nome, ele reúne diversas comissões numa pausa da sessão plenária e aprova vários projetos de lei seguidos. Isso restringe sobremaneira o tempo e as possibilidades de debate, e os PLs acabam seguindo para votação sem análise.
Outra aberração é a possibilidade de votação em bloco de emendas a projetos de lei aprovados. Isso significa que, quando os vereadores propõem mudanças ou complementos a um PL, não há consideração de cada uma delas. Vota-se tudo de uma vez. O uso desse recurso é proposto pela base governista, que, por ser maioria, consegue aprová-lo.
Isso aconteceu, por exemplo, quando sugerimos duas emendas ao projeto de lei do Executivo que alterou a inspeção veicular. Foram rejeitadas junto com outras de conteúdo completamente diferente.
Só o ato de se propor uma emenda já é árduo, pois exige que se consiga pelo menos 19 assinaturas. Tudo fica atrelado a acordos e apoios.
Existe, ainda, um pacto entre os parlamentares para aprovação automática no plenário de projetos de decreto legislativo, que fazem homenagens a pessoas e instituições.
Recentemente, ousamos debater e recusar a proposta de homenagear a Rota com a Salva de Prata. Pelo simples fato de pedirmos voto nominal, no intuito de dar transparência ao processo, fomos constrangidos por vereadores, acusados de ofensa pessoal e ameaçados. A reação é, para se dizer o mínimo, antidemocrática e imatura.
É urgente que eleitores saibam como agem seus vereadores.
TONINHO VESPOLI, 47, professor de matemática, é vereador pelo PSOL de São Paulo
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo de 7 de outubro de 2013.