Depois das grandes manifestações de junho, com sua revolta explosiva capaz de colocar em chamas o Palácio Itamaraty e levar mais de um milhão e meio de pessoas às ruas, tudo pode parecer calmo.
Vladimir Safatle
A dimensão reduzida das manifestações do Sete de Setembro parece corroborar tal visão, o que leva a classe política a passar ao ataque e procurar aprovar leis que restrinjam manifestantes que escondam o rosto, que puna com até oito anos de prisão degradação de patrimônio em contextos de revoltas políticas, entre outras pérolas.
Mesmo os debates políticos parecem, cada vez mais, restringirem-se à descrição da ciranda de acordos partidários a fim de viabilizar candidaturas.
No entanto a primeira lição a tirar de junho é a seguinte: a política brasileira transformou-se em algo profundamente instável. Nada nos garante que não estamos vendo apenas um momento de calmaria antes de uma nova tempestade. Note-se como, desde junho, este país viveu, de maneira praticamente ininterrupta, em um estado contínuo de manifestações de toda ordem.
A maioria delas é ligada a pautas como desmilitarização da polícia, melhores condições para professores, indignação contra a corrupção no Metrô de São Paulo, entre tantas outras. Isso é um sintoma importante de uma inquietude na política brasileira, que talvez não passará até que novos atores políticos se constituam.
Por um momento, parecia que certas instituições brasileiras tinham sentido o golpe. O Congresso Nacional votou leis que estavam engavetadas há anos, a Polícia Militar sentiu-se acuada em sua barbárie, os partidos prometeram ouvir mais os setores que exigiam mudanças estruturais. Tudo isso durou um instante. Logo em seguida, tais instituições demonstraram seu caráter radicalmente irredutível em relação a reformas e voltaram a operar como sempre operaram.
Esse é um modelo de lógica de avestruz que apenas acelera o desabamento. Nada mais equivocado do que confiar em uma calmaria aparente.
Quando uma sociedade acorda, ela não volta a dormir completamente. Na verdade, sua elaboração passa a um estado de latência.
Em latência, ela vai aos poucos se desacostumando de suas antigas formas, até que chega o momento em que provocar mudanças equivale a chutar uma porta podre.
Muitas das transformações fundamentais ocorrem assim, ou seja, o trabalho mais importante foi feito em silêncio aparente.
Como dizia T. S. Eliot, essa é a forma com que o mundo termina: não com um estrondo, mas com um lamento silencioso.
Vladimir Safatle é professor de Filosofia da USP e colunista da Folha de S. Paulo
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em 18 de setembro de 2013