Tema de reportagem na Folha de S. Paulo do dia 28/02, os planos do prefeito de São Paulo Fernando Haddad de realizar acordos com empresas privadas para lidar com o déficit de vagas em creches, questão que ocupou espaço importante na disputa eleitoral do último ano, deve sofrer contestações por parte dos setores que defendem a educação pública. O prefeito pretende colocar a disposição do setor privado recursos públicos para o atendimento de crianças de 0 a 3 anos da capital.
A medida é um aprofundamento das políticas de conveniamento em prática desde o governo Marta e ampliadas na gestão Serra/Kassab. Hoje, a prefeitura possui 364 Centros de Educação Infantil (creches) chamados “diretos”, ou seja, com prédio público e administração pública, contra 352 Centros de Educação Infantil indiretos – prédios públicos com repasse de verba da prefeitura para que seja administrada por entidades – e 909 creches conveniadas[i] – onde o prédio e a administração são da entidade conveniada. Há, visivelmente, a transferência do atendimento das crianças dessa faixa etária para a iniciativa privada.
Na prática, isso significa um processo de terceirização da educação, pois com essa medida há a desresponsabilização do Estado com a promoção desse Direito. Quando a prefeitura não assume seu papel de garantir acesso e permanência na educação pública de qualidade (e isso implica a responsabilidade pela formação dos profissionais, pela infraestrutura, pela seleção por meio de concurso público de seus profissionais com direito à jornadas dignas e plano de carreira, controle social do Estado, entre outros), ela delega um setor estratégico na formação da sociedade para setores que, nessa tarefa, incluem outros interesses – formação de redutos eleitorais e ideológicos nos bairros e comunidades, por exemplo.
Para o deputado Ivan Valente, o argumento de que o atendimento nas unidades conveniadas é “mais barato” aos cofres públicos deveria ser constrangedor à qualquer governo. Baratear o atendimento, diz Valente, significa também decidir pelo prejuízo da qualidade do mesmo, com profissionais com jornadas mais extensas, com piores salários, infraestrutura e recursos humanos e materiais menos adequados e muitas vezes fazer com que as famílias tenham que “participar” da garantia do direito não com sua participação nas decisões, mas muitas vezes com apoio financeiro e material para garantir o mínimo no cotidiano das creches.
“A proposta de Haddad é ainda mais perversa do que a atual realidade na cidade, pois amplia a parceria para empresas com fins lucrativos, ainda que essas tenham de criar ‘uma nova entidade’ para o recebimento da verba, uma medida pró-forma para a transferência da verba pública do FUNDEB para o setor privado”, afirma Ivan. Este modelo, continua o deputado, aprofunda o modelo neoliberal e privatista de gestão, inclusive de maneira ainda mais perversa, pois o faz nas costas de bebês e crianças muito pequenas que tem seu direito à educação de qualidade negado.
Segundo Valente, a ideia de que essa é “a única alternativa possível” para o déficit de mais de 100 mil vagas revela uma opção de governo, e não soluções alternativas ou “ousadas”, como já foi dito pelos defensores do modelo privado. A medida vai na contramão das decisões tomadas em 2010 na Conferência Municipal de Educação, que envolveu diversos setores da sociedade e que decidiu pela progressiva extinção do modelo de conveniamento, decisão semelhante à tomada pelos delegados presentes na Conferência Nacional de Educação.
“Para completar, a proposta ainda fere um princípio constitucional de que todas as crianças teriam o direito ao acesso à educação infantil, uma vez que essas vagas e esse recurso seria destinado apenas à uma parcela da população: os filhos e filhas de empregados formais”, afirma o deputado. “E o restante das crianças? E os filhos de diaristas, trabalhadores do comércio, trabalhadoras informais, desempregados e donas de casa? Como direito de todos, todos devem ter as mesmas garantias de acesso.”
[i] Dados da Prefeitura de SP, disponíveis no site Acesso em 28/02/2013