Uma intensa campanha brota e circula nas redes sociais e nas ruas. É o Brasil e o mundo se dando conta de um drama secular. Hoje a campanha ganhará importantes aliados e visibilidade, com as propostas de adesão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, da Comissão da Amazônia, dentre outras. Ganhará também espaço e visibilidade com uma entrevista coletiva on line no Conselho Federal de Psicologia. E ganhará as ruas com uma caminhada na Esplanada dos Ministérios.
Por Egon Heck
Todos somos e seremos um pouco mais Guarani-Kaiowá, cidadãos brasileiros e cidadãos do planeta terra, na medida em que nossa comoção indignada frente a violência institucionalizada e mortes anunciadas, se transformar em ações que exijam respeito aos direitos humanos e da natureza. Que beleza se dessa campanha emergir um país um pouco mais justo, com o reconhecimento e demarcação das terras Kaiowá Guarani e de todos os povos indígenas do país.
Sessão na Secretaria de Direitos Humanos
O Planalto do poder não mais poderia continuar omisso vendo o furacão passar. A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, colocou na pauta da 213ª ordinária, a situação Kaiowá Guarani, com a presença de uma delegação indígena deste povo. Também estiveram presentes os membros da Comissão Especial Kaiowá Guarani, criada no âmbito desta secretaria do governo. Dentro os indígenas estavam os líderes das comunidades em situação de violência e conflito: Lide Lopes, de Pyelito Kuê; Jenilton, do tekohá Guayviry, filho do cacique Nisio Gomes, assassinado há quase um ano; Dionísio, liderança de Arroio Korá, comunidade que está em retomada de parte de suas terras já homologadas, e sob intensa pressão e violência de pistoleiros.
Outras lideranças expressivas do movimento indígena se fazem presentes. Lindomar, liderança do povo Terena, relatou a grave situação do povo Kadiwéu, do Mato Grosso do Sul, contra os quais também pesa ação de despejo, embora seja uma terra indígena já demarcada, homologada e registrada. É uma insegurança jurídica absurda, pois se isso acontece com as terras regularizadas, imagina o que não poderá suceder às demais terras indígenas. Tudo isso tem sido estimulado pela Portaria 303 da AGU. Nesta semana está previsto o julgamento, no STF, da petição que poderá por fim a essa situação. Lindomar Terena ressaltou que a decisão da 3ª Região da Justiça Federal, tomou decisão favorável à permanência dos índios de Pyelito Kuê, mas de forma vergonhosa: “Como 200 índios vão sobreviver em um hectare de terra?”
A chegada do ministro da Justiça e da delegação Kaiowá Guarani foi aplaudida de pé. A imprensa estava ali postada com suas ferramentas, ávidos de novidades.
A ministra dos Direitos Humanos ressaltou a importância que os povos indígenas têm para o Brasil e em consequência também para o governo, razão pela qual essa secretaria não poderia deixar de promover essa reunião de cooperação e trabalho sobre essa causa. O ministro da Justiça se esmerou em anunciar as medidas concretas que estavam sendo tomadas pelo governo: empenho para a cassação da liminar, cujo resultado anunciou efusivamente logo depois, reforço do policiamento com a presença de maiores contingentes da Polícia Federal e Força Nacional na região e medidas para agilização dos processos de demarcação das terras indígenas na região do Mato Grosso do Sul. Afirmou que dentro de 30 dias estaria sendo publicado o relatório da terra indígena Pyelito Kuê. Disse ser vontade expressa da presidente Dilma, que se cumpra a Constituição, e que ordenava que fossem tomadas todas as medidas cabíveis para que isso aconteça com relação às terras Kaiowá Guarani.
O Dr. Eugenio Aragão, que preside a Comissão Especial Kaiowá Guarani, lamentou que o governo só age quando acontecem catástrofes, quando se chega à beira do abismo. As populações indígenas continuam sendo vistas como estorvo e entrave para o progresso. Ensejou que seria o momento de avaliar os erros do governo no tocante à regularização das terras indígenas. Disse ser urgente a solução da questão fundiária, caso contrário se continuará alimentando o genocídio, o ódio, a raiva e o rancor contra esse povo indígena.
Marta Azevedo, presidente da Funai, de forma emocionada, e por vezes falando em Guarani, reafirmou seu compromisso com esse povo, dizendo que aceitou a presidência do órgão como forma de contribuir diretamente com a conquista dos direitos dos Kaiowá Guarani. Admitiu que são enormes as dificuldades para fazer avançar os processos de demarcação, mas que tem conseguido alguns compromissos, como dos antropólogos dos seis Grupos de Trabalho, que prometeram concluir e entregar os relatórios até o final do ano.
Passos contra o genocídio
A delegação Kaiowá Guarani em Brasília, teve uma intensa agenda de conversações, debates, e reuniões com órgãos de Direitos Humanos, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal. Na avaliação das lideranças o caminho é este. Continuarão sua luta na volta a seus tekohá e estarão em Brasília, nas mobilizações por esse país afora, para somar forças e sensibilizar a sociedade brasileira e mundial sobre o genocídio que está em curso, com inúmeras vidas ceifadas e uma violência institucionalizada.
Hoje irão participar de coletivas de imprensa, manifestações públicas, participação em eventos na Câmara dos Deputados. Amanhã haverá uma audiência pública, convocada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.
Por todo o país aumentam as mobilizações contra o genocídio Guarani-Kaiowá e pelos direitos dos povos indígenas. Já estão agendados atos públicos em dezenas de cidades brasileiras, especialmente as capitais de Estados.
Numa reunião na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, na Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Erica Kokay, ficou clara a importância de acentuar essa campanha de indignação e comoção nacional, a fim de chegar à coordenação de algumas ações concretas que levem ao reconhecimento dos direitos desse povo e estanque as violências, injustiças e genocídio em curso.
* Egon Heck é coordenador do CIMI em MS Publicado originalmente no Centro Burnier Fé e Justiça