Mulheres ocupam as ruas no centro de São Paulo durante do 8 de março deste ano. Imagem em CC de Jailton Garcia/Seeb-SP
Pensei muito antes de escrever esse post, pensei nas eleições, pensei no Massacre do Carandiru, pensei em política, em economia, em direito, em maternidade, pensei nas babaquices que ouvimos cotidianamente.
Nos acostumamos a pensar o mundo em caixinhas, em fragmentar os debates, em achar que as esferas de poder, os cursos de graduação, as áreas de atuação política não se dialogam e isso empobrece tanto o fazer e o debater político. Aprendemos a não nos posicionar, a achar feio a parcialidade e a ter nojinho de tomar lado nos debates.
Nos acostumamos a criar super-heróis, a não criticar, pensamos dentro de caixinhas: as mulheres pensam as mulheres, os negros pensam os negros, os LGBTs pensam os LGBTs.Tudo de forma muito hermética, na maioria das vezes biologista e sem levar em conta a questão social conjuntamente. Enquanto as “minorias” pensam política apenas para as “minorias” a figura masculina, branca e hétero ocupa o seu lugar de direito: o lugar de pensar, formular e apresentar para sociedade uma política geral, bem acabada, bem organizada, bem programada, quase completamente positivista. Sem dialética alguma, sem pensar quem é que tá pisando o pé no barro e tendo que experimentar o formulismo dos iluminados.
Quando vemos temos um projeto ou programa político asséptico, sem raça, gênero ou orientação sexual. É feio mostrar essas coisas, perde voto, mas voto mede o que? Mede o quanto os discursos estão organizados juntos a sociedade o quanto um projeto político realmente organiza a sociedade e a disputa para uma mudança social profunda ou se coloca no gueto.
Quando debatemos política na sua totalidade e pensamos o como ela irá nos atingir não a fazemos em caixinhas. Não há como pensar uma política para legalizar o aborto, assegurar os serviços de aborto já legalizados, atendimento as mulheres LGBTs e tantas outras políticas de saúde específicas nos municípios se não encaramos o problema da privatização da saúde, das OSs, OSCIPs, Fundações Estatais de Direito Privado… Essas coisas se dialogam, não são estranhas entre si.
Não é de 2012 que vemos um recrudescimento da violência policial em nosso país e mais precisamento no estado de São Paulo, só lembrar dos crimes de maio e todo o debate sobre desmilitarização da polícia em nosso país. Além obviamente do debate sobre direitos sexuais e reprodutivos, pois as mulheres negras tem mais chances de morrer de abortos ilegais e inseguros e ao recorrer aos postos de saúde terem atendimento negado. Pois, somos nós quem mais precisamos do serviço público de saúde, que hoje está entregue a privatização e muitas vezes é gerido por organizações sociais ligadas a igrejas diversas. Somos colocadas para morrer de hemorragia, julgadas e condenadas a morte por médicos e enfermeiras, assim como os jovens negros são julgados e condenados a morte pela Polícia Militar em todo país. (FRANCA, Luka. Os jovens negros morrem e as mulheres negras também morrem)
Não há como pensar acabar com o déficit de vagas em creches nas cidades se não é apresentado qual seria o número de estabelecimentos realmente necessários para sanar o déficit e em quanto tempo e com que tipo de licitação para estas construções, em quais localidades da cidade, com que garantia de transporte público para as famílias deixarem as crianças na escola, com quais fatias do orçamento público pode ser feito e como aumentar estes investimentos.
É preciso falar de dívida pública, do quanto é que é pago de juros desnecessários e poderia ser revertido para investimentos para nós. Falar de combate a mídia machista passando por um debate necessário sobre propaganda estatal nos meios de comunicação.
O feminismo deve fazer parte de um projeto político de totalidade e não ser um anexo bonitinho no programa político. É preciso pensar o impacto do Estado Penal e das políticas públicas que o reforçam sobre as vidas das mulheres cis, trans, negras, LGBTs, trabalhadoras, moradoras da periferia. Em São Paulo por exemplo é condizente com o programa feminista a manutenção da Operação Delegada?
Não é possível pensar vida digna para as mulheres, combate a violência sexual, física e psicológica sem pensar em como hoje tem se organizado o estado de maneira geral. Uma lógica de encarceramento em massa que ajuda sim a oprimir as mulheres, seja por conta da situação e negação de direitos das mulheres presas e até mesmo o enorme número de denúncias que se ouve sobre revista vexatória nos presídios e fundações casa. (FRANCA, Luka. Mulheres, facismo e estado penal)
Há como pensar política de habitação popular tendo rabo preso com empreiteira? E quem são as pessoas que mais precisam de habitação popular? Quem são aquelas que moram em áreas de risco e estão sujeitas as vontades cruéis e macabras da especulação imobiliária? Não são elas mulheres cis ou trans, negras e pobres? É um problema menor então o financiamento de campanhas por imobiliárias, empreiteiras e afins?
Podemos elencar uma série de discussões sobre direito a cidade e organizá-las com o debate feminista. Habitação, segurança, transporte. Pensar em transporte e modais que não ajudem a criar oportunidades para crimes de ocasião contra as mulheres, como vemos tantas histórias em trens, metrô e Ônibus, que retome uma política de tarifação do transporte público que beneficie às usuárias e não as empresas.
Nos locais mais distantes dos grandes centros, o acesso aos direitos fundamentais só pode ser concretizado através do transporte coletivo. E para assegurar que o conjunto da população possa desfrutar desses direitos, o transporte precisa ser público e gratuito. Caso contrário, as pessoas que não tem dinheiro para pagar a tarifa não poderão chegar aos seus destinos e exercer os seus direitos.
A tarifa zero deverá ser feita através de um Fundo de Transportes, que utilizará recursos arrecadados em escala progressiva, ou seja: quem pode mais paga mais, quem pode menos paga menos e quem não pode, não paga. Por exemplo: o IPTU de bancos, grandes empreendimentos, mansões, hotéis, resorts, shoppings etc., será aumentado proporcionalmente, para que os setores mais ricos das cidades contribuam de maneira adequada, distribuindo renda e garantindo a existência de um sistema de transportes verdadeiramente público, gratuito e de qualidade, acessível a toda a população, sem exclusão social. (O que é tarifa zero?)
Eu acredito que a disputa feminista se coloca junto com a disputa geral da política e de organização social, por que somos as mais pobres entre os mais pobres. E só se organiza mudança social dialogando com quem é maioria do setor mais oprimido da sociedade. Também acredito em voto útil, mas para mim voto útil não é algo sem se basear na realidade concreta, voto útil é quando não ajuda a eleger parlamentar da direita machista, racista e homofóbica, quando dialoga com pontos que vão avançar os questionamentos que fiz acima, para mim esse é o voto mais útil possível.
As eleições chegam aí logo mais, no final de semana. Eu tenho concretamente os pontos que me fazem votar em uma pessoa, é uma articulação entre: Direitos Humanos, Saúde, Educação, Radicalidade e Habitação. Eu não acredito na reforma como um fim em si mesmo, assim como a Rosa Luxemburgo não acreditava também. Eu acredito em pessoas que lutam, organizam e pautam cotidianamente em suas lutas um projeto de totalidade e não visões fragmentárias da realidade.
E para você? Quais parâmetros são essenciais para melhorar a vida das mulheres?