O poder androcêntrico ainda dita as regras quando se fala em ter acesso aos espaços de decisão e de poder na sociedade. Por isso, a discussão sobre a participação política das mulheres nos remete a uma reflexão sobre os pilares da opressão sofrida por elas. Entre esses pilares está o da divisão sexual do trabalho, que dá as cartas da participação política e do acesso aos espaços e instrumentos de decisão.
Por
Daniela Conte
Laura Cymbalista
Luciene Lacerda
Meire Reis
Tarzia Medeiros
Tzusy Estivalet
Os papéis desempenhados por homens e mulheres na sociedade como um todo, e nos núcleos familiares em particular, são socialmente e historicamente construídos a partir da visão de que os espaços públicos (política formal, meios de comunicação, direção dos partidos e movimentos sociais, etc) devem ser ocupados por homens, e que as mulheres devem ficar circunscritas ao espaço privado (cuidado com a família, tarefas domésticas, profissões associadas ao cuidado, total ausência ou lugar periférico nos espaços de decisão). Em contraponto a isso, as feministas, e os movimentos de mulheres de uma forma geral, dizem que “lugar de mulher é na política”, exercendo o seu protagonismo político e desconstruindo a lógica machista de que as mulheres são incapazes de atuar nos espaços historicamente destinados aos homens. A relação entre mulheres e poder também suscita questões sobre qual democracia queremos e defendemos na sociedade, nos movimentos sociais nos quais atuamos e no partido. Esse debate implica necessariamente numa concepção em que na organização política que queremos contruir a luta feminista seja uma realidade concreta para todo o PSOL e não apenas se restrinja ao setorial de mulheres.
É importante lembrar que o papel da ação afirmativa é para desnaturalizar o pequeno espaço das mulheres, para não ser visto ou aceito como natural. Uma forma de discriminar afirmativamente o, neste caso a discriminada. Existem outras ações afirmativas, como o uso de 5% do fundo partidário para políticas e formação de mulheres. O nosso partido tem sido praticamente o único a exercer de fato esta política. E o temos usado para mobilizar a discussão feminista entre as mulheres do partido e para o PSOL como um todo.
O que significa que ações afirmativas são mecanismos necessários enquanto não alcançarmos o socialismo. Não dá para esperar até lá.
É necessário também que o partido tenha uma política de formação contundente. E formação geral: para homens e mulheres, e que inclua o tema feminismo em cursos de formação política geral.
A proposta de Reforma Política que tramita no Congresso é pauta de diversos partidos e movimentos sociais. Alguns desses movimentos se articularam para construir uma plataforma política e propositiva, que incorpora questionamentos sobre os limites da democracia representativa e aponta para a criação e fortalecimento de mecanismos de democracia direta e participativa, através da tomada de decisão em plebiscitos, referendos, projetos de lei de iniciativa popular, entre outros. A maioria dos setores feministas e as feministas socialistas se somam a essa iniciativa unificada, pois, se efetivadas essas propostas, as mulheres serão as mais beneficiadas, pois poderão atuar e participar politicamente de forma mais horizontal para decidir sobre questões que têm a ver diretamente com sua realidade local. Do ponto de vista da democracia representativa e das mulheres, esse debate ganhou corpo principalmente pelo fato de o Brasil ter uma presidenta recém-eleita. Esse fato inédito na História do país nos obriga, às mulheres da esquerda, a reafirmar que não basta ser mulher para representar os interesses e defender os direitos da mulher em sua atuação como parlamentar ou como poder executivo. Muitas mulheres, mesmo as que tiveram origem na esquerda, atuam como representantes de seus grupos familiares ou defendem interesses econômicos e políticos que se contrapõem ao que deveria ser o papel de um Estado laico na garantia dos direitos das mulheres (legalização do aborto, por exemplo) e de políticas públicas que beneficiam não só as mulheres, como toda a população.
A presidenta Dilma iniciou o seu governo com um corte de 52 bilhões no orçamento destinado principalmente ás políticas públicas que deveriam ser utilizadas para amenizar as mazelas da população mais pobre e conseqüentemente das mulheres. Além disso, o comprometimento e as alianças prioritárias do governo federal com os setores mais conservadores das bancadas religiosas no congresso também demonstram que esse governo não irá sancionar leis e/ou medidas que contrariem esse setores, como é o caso da legalização do aborto e como foi o caso da retirada do material didático anti-homofobia das escolas, que havia sido confeccionado pelo ministério da educação. Nossa luta deve ser para garantir que as mulheres que chegam ao poder sejam comprometidas com as nossas reivindicações por autonomia, pela manutenção e avanço nos direitos e condições trabalhistas, pela garantia da saúde pública, gratuita e universal, pela criação e manutenção das creches, pela legalização do aborto, entre muitas outras bandeiras do feminismo pelas quais lutamos. Assim, não basta ser mulher para ser representante da imensa maioria das mulheres.
A Comissão do Senado que trata da Reforma Política aprovou uma proposta de listas fechadas, com paridade e alternância de gêneros, para as candidaturas legislativas. Nada mais justo, já que as mulheres são mais da metade da população brasileira e da PEA (população economicamente ativa), além de serem a maioria do eleitorado brasileiro (52% de eleitores aptos a votar) de acordo com os dados oficiais (TSE) das eleições de 2010. No entanto, sua sub-representatividade nos espaços de decisão política ou ocupando cargos na política formal demonstram que a divisão sexual do trabalho ainda determina quem irá ocupar os espaços públicos e quem irá permanecer nos espaços privados. As candidaturas de mulheres raramente são prioritárias nos partidos: recebem um financiamento muito inferior às candidaturas prioritárias dos homens, o tempo destinado a elas nos programas de TV e rádio é menor do que aquele concedido aos homens, os materiais de campanha são limitados.
Frente à proposta de Reforma Política, o PSOL aprovou, em reunião de sua direção nacional realizada no último dia 30 de abril de 2011, uma resolução que se posiciona favoravelmente à paridade entre homens e mulheres nas listas fechadas de candidaturas ao legislativo. Naquele momento, inclusive, um dos argumentos utilizados no debate foi de que o PSOL não poderia ter uma posição que estivesse localizada à direita do Senado. Esse foi um avanço muito importante, pois coloca o nosso partido como vanguarda das conquistas do feminismo no plano da política formal. Esse avanço, entretanto, traz consigo várias demandas ao conjunto do partido, como garantir que as mulheres que se candidatem tenham, de fato, condições de competir com as candidaturas masculinas. Assim, o PSOL, tem o desafio de investir nestas candidaturas. Do contrário teremos uma ação legal importante, mas completamente ineficaz. Essa deve ser uma construção cotidiana e precisa, portanto, refletir nas ações e nas instâncias partidárias.
As iniciativas de priorizar a formação feminista em seu cotidiano, de fortalecer e visibilizar o funcionamento do setorial de mulheres e de garantir a criação e implementação das ações afirmativas voltadas para as mulheres são muito importantes nesse contexto. Por esse motivo, sendo coerente com a resolução aprovada por sua instância nacional e para que se crie uma correlação com a demanda externa ao partido, vários congressos estaduais do PSOL aprovaram cotas mínimas de 50% (nos estados do Ceará, Maranhão, Bahia, Paraná, Espírito Santo) ou de 30% (Rio Grande do Sul e São Paulo) de mulheres em suas instâncias partidárias estaduais e remeteram essas resoluções para serem apreciadas no congresso nacional do partido.
É nesses espaços que as militantes se afirmam como dirigentes, se constroem como figuras públicas e se legitimam como porta-vozes das nossas bandeiras e do nosso programa, seja nas eleições ou nos movimentos e lutas em geral. As ações afirmativas e as cotas mínimas de mulheres nas direções locais e nacionais são, portanto, uma contribuição substancial para desconstruir a sub-representação das mulheres nos espaços de decisão e de poder do partido, fazendo com que o PSOL avance mais um degrau como vanguarda na luta feminista. Se o “lugar de mulher é na política”, então o lugar delas é e será no PSOL.
Daniela Conte é do CDS, Núcleo de educadoras/RS e do Diretório Nacional do PSOL
Laura Cymbalista é da Direção Nacional da APS e da Direção Estadual do PSOL/SP
Luciene Lacerda é da Executiva Nacional do Enlace e do Diretório Nacional do PSOL
Meire Reis é da APS/BA
Tarzia Medeiros é da Executiva Nacional do Enlace e Executiva Municipal do PSOL/Natal
Tzusy Estivalet é do CDS, Núcleo de educadoras/es