O capitalismo objetiva a idéia de que lugar de mulher é em casa e que, portanto , nosso salário nada mais é do que um complemento para a renda doméstica, onde se supõe a presença de um homem ganhando mais como chefe da família.
Kátia Sales
A sociedade, em seu modo de vida circunstanciado pelo capitalismo, impõe a nós, mulheres, a função social de cuidar da prole, dos idosos, do lar, sem pagar um centavo por isto. Esta definição do papel da mulher na sociedade pode ser entendida como uma justificativa da precária situação no mundo do trabalho. Ao mesmo tempo, esta realidade é desmentida pelo número de famílias chefiadas por mulheres em constante crescimento. Segundo os dados do IBGE, em 2005, estas famílias representavam 30,6% do total das famílias brasileiras. Hoje, as mulheres representam mais 41% da força de trabalho no país, com várias ocupações diretamente relacionadas à este “papel das mulheres” construído historicamente e reforçado pelo capitalismo patriarcal.
Nesta lógica não é difícil entender porque em pleno século XXI, depois da criação da pílula anticoncepcional, depois da queima simbólica de sutiens em praça pública, depois da conquista do direito ao sufrágio universal, nós mulheres continuamos com relações mais precárias e sem garantias trabalhistas, recebendo menor salário por trabalho igual aos homens.
Se voltarmos ao início da Revolução Industrial na Europa, com a expulsão do camponês para os grandes centros urbanos, constatamos que a grande maioria de trabalhadores nas fábricas era composta por crianças e mulheres. A falta de infraestrutura urbana, com ausência de moradia decente, alimentação adequada e a exaustão física com jornadas de trabalho que chegavam a 16, 18 horas/dia, não mudaram, substancialmente. Apesar de uma conjuntura complexa nos dias de hoje e das organizações dos trabalhadores terem conseguido alcançar importantes conquistas protegidas por lei para o conjunto da classe (como jornada de trabalho de 8 horas, férias, 13º salário, previdência social) hoje se encontram em constantes ameaças a cada crise que o capitalismo enfrenta.
A classe trabalhadora precisa avançar nas conquistas e proteger os direitos adquiridos, e não alcançará êxito sem a participação efetiva das mulheres trabalhadoras. A atual crise dos capitalistas em curso desde 2008, apesar da propaganda ufanista do governo, já começa a cobrar a fatura das aventuras financeiras criadas por eles mesmos, porém, mais uma vez, serão as trabalhadoras, em sua maioria pobres e negras, a pagarem a conta, visto que somos nós as mais atingidas pelas políticas de cortes, baixo investimentos, alta do desemprego, aumento do emprego informal e das políticas de terceirização e precarização do trabalho, da saúde e da educação pública.
A presidenta Dilma sinaliza ainda programar a terceira reforma da previdência, amarrando a idade ao tempo de contribuição para aposentadoria integral, a substituição do fator previdenciário para o cálculo do fator 85/95, a “casadinha” (soma do tempo de contribuição mais a idade do trabalhador e trabalhadora do setor privado). Aumentar o tempo de serviço para a aposentadoria integral é não reconhecer as várias jornadas que a mulher tem de enfrentar no decorrer de sua vida. Isto desmente a lógica de que uma mulher no cargo mais alto da administração pública representaria avanço para as mulheres trabalhadoras.
Um dado importante nesta leitura sobre a mulher e o mundo do trabalho, está na constatação óbvia e sentida por todas nós: são as mulheres negras as atingidas duplamente pela opressão de gênero e de raça.
Segundo divulgou a OIT*, mais de 70% das mulheres negras que exercem algum tipo de trabalho, remunerado ou não, estão inseridas no grupo do chamado emprego precário, totalizando apenas 498.521 mil empregos formais. Os números confirmam a precária inclusão das mulheres, e negam a ladainha de que nós já conquistamos nosso espaço no mundo do trabalho. Visto que quase todas as atividades econômicas ainda são predominantemente masculinas: Indústria (62,8%); Construção Civil (94,6%); Comércio (58,5%); Serviços Prestados às Empresas (60%) e Outros Serviços (58,9%), as atividades com predominância feminina são a Administração Pública (62,7%) e os Serviços Domésticos (91%).
Devemos cobrar de Dilma a assinatura da convenção 156 da OIT, que desde 81 o Brasil é o único país na America Latina que ainda não o assinou, este tratado tem como meta criar mecanismos para a igualdade de oportunidade no mercado de trabalho entre homens e mulheres, versa sobre oportunidade de promoção das mulheres de forma a possibilitar uma melhor divisão das responsabilidades familiares para a plena inserção no mundo do trabalho.
O contexto das sucessivas crises econômicas, das guerras em curso que forçaram as mulheres a assumirem sozinhas muitas situações cotidianas, ainda se constituem contextos sociais de luta pela igualdade real de direitos e redução das jornadas de trabalho e acumulo de tarefas. A dupla, e as vezes tripla jornada de trabalho é um obstáculo para a nossa independência, e a desconstrução da divisão sexual do trabalho deve ser uma bandeira do conjunto da classe trabalhadora, no discurso e na prática.
Afirmamos, categoricamente, que a transformação da sociedade para um modelo mais justo, e de fato socialista, só se dará com a efetiva participação das mulheres, não apenas como corpo, mas como cérebros pensantes elaborando políticas e ocupando espaços de poder e decisão dos instrumentos necessários para a emancipação da classe trabalhadora.
Conscientes e organizadas, as mulheres, por meio dos sindicatos e partidos precisam assumir a prática militante, como mais uma atividade na jornada da sua vida, a medida em que o conjunto dos trabalhadores também assuma a luta por conquistar mecanismos que a liberte das demais tarefas. A prática militante, é uma tarefa nada fácil, que muitas vezes entra em conflito com questões objetivas do dia a dia da mulher trabalhadora. Como querer maior participação feminina nas atividades de formulação política se não há condição objetiva que, por exemplo, possa garantir um espaço adequado para as suas crianças?
Assim também, são importantes as bandeiras e as reivindicações de instrumentos públicos para as tarefas indispensáveis do lar, tais como, creches 24 horas, lavanderias coletivas, restaurantes coletivos. Estas deveriam ser bandeiras de luta da classe trabalhadora – homens e mulheres. Da mesma forma, a luta pela redução da carga horária de trabalho sem redução do salário que hoje, interessa mais às mulheres que aos homens deveria ser pauta de reivindicação igual para todos da classe.
Será por meio de uma maior participação das mulheres nos espaços organizados no mundo do trabalho e na política que será possível uma mudança na atual relação entre homens e mulheres. A diferença existente hoje entre os gêneros, que pode ser expressa pela opressão entre e intra-gênero, no mundo do trabalho interessa ao capital e é uma extensão do que acaba sendo reproduzido no âmbito privado. A equiparação salarial deve ser uma das nossas reivindicações, aliada a uma justa distribuição das tarefas do lar, ainda sob responsabilidade dos trabalhadores, mas o foco deve ser avançar nas conquistas para o conjunto da classe, unindo as nossas forças estaremos fortalecendo a nossa luta, sem abrir mão de nossas reivindicações específicas e das conquistas cotidianas.
Temos muita luta pela frente e temos várias frentes de luta. Precisamos estar presentes, organizadas e conscientes, defendendo o que nos é direito pela saúde, educação, moradia, previdência, trabalho, e transporte.
*Manual de Capacitação e Informação sobre Gênero, Raça, Pobreza e Emprego, levantamento realizado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) com patrocínio do Departamento para o Desenvolvimento Internacional, do governo britânico; da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, do Governo Federal; e do PNUD – 2001
Kátia Sales
Comissão Política Nacional de Mulheres PSOL
Comitê Nacional LSR – Liberdade Socialismo e Revolução sessão brasileira do CIT –Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores
Executiva do Movimento Mulheres em Luta SP