Pronunciamento do deputado federal Ivan Valente no plenário da Câmara, nesta terça-feira, 26 de junho.
“Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados,
Três anos depois do que aconteceu em Honduras, estamos diante de um novo golpe de Estado em nosso continente. Travestida de “institucionalidade”, num novo modus operandi de derrubar governos democraticamente eleitos, a manobra agora retirou do poder o presidente Fernando Lugo, do Paraguai. Tudo se deu em poucas horas, num rito sumário de um suposto processo de impeachment, liderado pelos partidos conservadores e orquestrado pela oligarquia latifundiária, multinacionais e pelas elites empresariais do país – justamente aqueles que, por décadas, governaram o Paraguai usando da violência e do autoritarismo e que não tem condições morais nem políticas para falar em democracia.
Desde que foi eleito, em 2008, Lugo enfrenta a resistência desses setores às mudanças que pretendia implementar no Paraguai. Por isso, e em função da fragilidade de apoio que seu governo tinha no Congresso, esteve o tempo todo sob a ameaça de um golpe. O pretexto da vez para desestabilizar e derrubar seu governo foram os recentes conflitos no campo, que terminaram com a morte de camponeses e policiais.
Há tempos, no entanto, a escalada da violência no meio rural revela o tensionamento resultante de uma gestão que, mesmo sem conseguir colocar em prática seu plano de reforma agrária, estabeleceu uma nova relação com a elite local. Sobretudo, se recusou a reprimir abertamente movimentos sem terra que se enfrentam com grandes proprietários. Latifundiários brasileiros como Tranquilo Favero, o produtor de soja mais rico de Paraguai, há tempos trabalham pela desestabilização de Lugo. Favero já declarou publicamente ser simpático à repressão de “campesinos ignorantes”.
Na história paraguaia, no entanto, a relação entre ditadura e latifúndio é antiga. Segundo um relatório da Comissão de Verdade e Justiça do país, centenas de milhares de hectares de terras fiscais foram distribuídas pelo regime de Stroessner entre militares e membros da alta burguesia. A medida foi objeto de revisão por parte das autoridades a partir de 2008, o que incentivou as reivindicações das organizações de sem terra e o descontentamento dos latifundiários.
O governo também entrou em confronto com a Monsanto. Apesar de liberar a soja transgência, principal cultivo de grãos do país, não autorizou o plantio de determinadas sementes de algodão, e incomodou novamente os grandes proprietários. Esses setores já vinham preparando um ato de protesto nacional contra o governo Lugo para o dia 25 de junho. A idéia era usar máquinas agrícolas para fechar parte das estradas em diferentes pontos do país. Uma das reivindicações do denominado ‘tratoraço’ era a liberação de todas as sementes transgênicas para cultivo comercial.
É importante destacar, senhoras e senhores Deputados, que o Paraguai é um dos países de maior concentração de propriedades do mundo. Cerca de 85% das terras, aproximadamente 30 milhões de hectares, estão nas mãos de apenas 2% de proprietários, que se dedicam à produção meramente para exportação ou, no pior dos casos, à especulação sobre a terra. As transnacionais do agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da carga tributária, cerca de 5 milhões de dólares – segundo o Banco Mundial – comparados à renda do agronegócio, que alcança 6 bilhões de dólares anuais, em torno de 30% do PIB.
A maioria desses oligarcas possui mansões em Punta del Este ou em Miami e mantém estreitas relações com transnacionais do setor financeiro. Todos eles, de uma ou outra maneira, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional.
Num cenário em que o parlamento paraguaio ainda está nas mãos do Partido Colorado, Lugo enfrentou muita resistência para trazer conquistas ao povo, como a garantia de saúde e educação pública gratuita e o estabelecimento do Tekoporá, programa de renda mínima que alcançou aproximadamente 93 mil famílias. O Congresso quis cortar os recursos e foi preciso mobilização popular para aprová-los.
Isso porque os donos dos três principais jornais país, que também controlam emissoras de rádio e TV, estão umbilicalmente vinculados às transnacionais e ao sistema financeiro. Basta analisar as comemorações estampadas nas capas dos principais jornais paraguaios nos últimos dias. Depois de difundirem notícias alarmistas e darem voz apenas aos parlamentares que trabalharam para derrubar o presidente, os meios de comunicação do Paraguai agora fazem coro com os golpistas.
Um editorial do jornal ABC Color, por exemplo, defendeu o modo “ordenado, pacífico e respeitoso da legalidade, da institucionalidade e dos critérios essenciais de equidade” que levaram à queda de Lugo, que “abre fundadas esperanças num futuro melhor”. Para o jornal Vanguardia, o presidente foi negligente e incapaz de governar. “Lugo decepcionou a grande maioria da cidadania paraguaia com suas decisões errôneas, seu sarcasmo, sua desastrosa vida pessoal, sua ambiguidade e sua crescente amizade com inimigos declarados da democracia, como Hugo Chávez e os irmãos Castro”, afirmou o jornal. O cerco midiático estava fechado.
Quem rapidamente também apoiou o golpe que se desenhava no Paraguai foi o governo dos Estados Unidos, que mantém inalterada sua política externa para a América Latina. No mesmo momento em que se instaurou a crise política no país, o porta-voz do Departamento de Estado para a região, William Ostick, declarou que se devia respeitar o processo contra o presidente Lugo.
Em setembro de 2009, Lugo não renovou o programa de cooperação estabelecido na presidência de Nicanor Duarte, que permitiria o ingresso em solo paraguaio de 500 militares estadunidenses com imunidades diplomáticas para treinamento operacional. Cerca de um mês após esta recusa, trocou todo o comando militar do Estado, em função de tentativa de golpe que havia sido detectada. O governo foi ainda assediado pela reunião de 21 generais estadunidenses com a Comissão de Defesa da Câmara, em agosto de 2011, para a construção de uma base militar, que foi reivindicada pelo líder da UNACE, dissidência do Partido Colorado e terceira força parlamentar, como necessária para conter as ameaças representadas pela Bolívia e Venezuela bolivarianas.
Lugo rechaçou esta alternativa, mas aceitou programas como a Iniciativa Zona Norte – que permitiu a ampla presença militar estadunidense em programas para combater o crime organizado e de ajuda social sob controle da USAID. Sem falar na IV Frota, reativada há alguns anos após estar fora de serviço desde o fim da Segunda Guerra Mundial, que agora vigia todo o Atlântico Sul.
Em função de sua localização territorial estratégica, disponibilidade de reservatórios de agua doce e de fontes energéticas, incluindo a proximidade das reservas de gás da Bolívia, o golpe no Paraguai é muito interessante para a ação do imperialismo americano na região.
Bem mais estratégico, por exemplo, do que Honduras, que passou por processo institucional semelhante, que terminou com a realização de eleições fraudulentas, levando Porfirio Lobo ao poder no final de 2009. Os Estados Unidos aprovaram o golpe contra Zelaya, respaldaram o processo eleitoral e depois reconheceram a legalidade do mandato de Lobo, que não foi validada pela maioria dos governos do continente. Por que fariam diferente agora?
No entanto, no caso de Honduras, que tivemos a oportunidade de acompanhar presencialmente, em missão deste Parlamento a Tugucigalpa, a diplomacia brasileira agiu de modo bastante diferente. E isso nos preocupa, senhor Presidente. Qual a razão da hesitação da Presidenta Dilma em condenar veementemente e tratar como golpe de Estado o que está acontecendo no Paraguai? Vamos, como já faz a mídia brasileira, fazer malabarismos para dar outro nome ao que se passa no país vizinho? Equador, Argentina, Venezuela e Bolívia já declararam que o novo governo paraguaio não tem legitimidade e retiraram seus embaixadores do Paraguai. O Brasil, mesmo na nota na qual acena com sanções nos termos da cláusula democrática do Mercosul e da Unasul, não foi taxativo. De onde vem tamanho receio?
Para além da gravidade do fato e do desrespeito à democracia e à vontade do povo paraguaio, que elegeu Fernando Lugo, é preciso compreender as consequências deste golpe em nosso continente. Trata-se de um revés para as lutas campesinas e do retorno de uma política neoliberal à região, com o avanço do agronegócio controlado por multinacionais. Mais do que isso, sinaliza que as velhas estruturas da dependência, que combinam as oligarquias locais com o imperialismo, estão vivas.
Se não for rechaçado com veemência, o processo no Paraguai abre um caminho perigosíssimo na sanha das oligarquias vizinhas. Se esse “novo modelo de golpe” foi possível porque havia uma crise de poder resultante da conquista do governo por setores progressistas sem ser acompanhada de uma maioria parlamentar de esquerda, a resposta daqueles que ainda acreditam na democracia precisa ser firme e contundente.
Manifestamos aqui então todo o nosso repúdio ao golpe no Paraguai. E nosso apoio à resistência do povo que está nas ruas! As sanções do MERCOSUL, da UNASUL e do PARLASUL têm que ser tomadas imediatamente. Pelo retorno imediato do Presidente Lugo ao poder!
Muito obrigado.”
Ivan Valente Deputado Federal PSOL/SP