No mês de junho o Brasil sediará um grande evento. Será a Conferência Rio +20. No ano de 1992 nosso país havia sediado a Conferência “ECO-92”. À época, o objetivo oficial do Encontro era debater os problemas ambientais gerados pelo modelo capitalista de produção e consumo, construindo uma estratégia oficial para minimização de danos.
Jurandir Silva
Passados 20 anos, o Brasil sediará mais um evento mundial de debate sobre os problemas ambientais. Durante estes 20 anos, por um lado cresceram as preocupações mundiais em relação ao meio ambiente e às catástrofes naturais, por outro, mantém-se níveis de produção e consumo insustentáveis para o planeta Terra. Em todos os encontros e conferências realizadas durante este período, pouco ou nada se avançou em medidas concretas de combate aos danos ambientais, como a redução na emissão de gases tóxicos por parte do setor industrial ou a redução do uso de agrotóxicos na produção agropecuária. Da mesma forma, pouco se avançou em medidas reais de promoção de desenvolvimento sustentável, como mudanças de matriz energética, como o aproveitamento de energia solar, ou no fortalecimento de pesquisas e incentivos reais à produção agroecológica.
É plenamente possível dizer inclusive que em nível internacional observamos diversos fracassos e retrocessos nesse campo. Como os fracassos para a adesão de muitas nações industrializadas ao Protocolo de Kyoto – que estipula a diminuição da emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa – ou o novo fracasso de negociações na Conferência Mundial do Clima (COP-15), em Copenhaguen, no ano de 2009.
Em nosso país, os retrocessos são ainda mais visíveis. Em nossa história, já fomos espoliados em quase todos os recursos naturais presentes em nosso território. Os colonizadores exploraram de maneira totalmente insustentável madeira e minério. Atualmente, o recurso natural que é brutalmente explorado é a terra.
As terras em nosso país continuam distribuídas de maneira absurdamente desigual. 1% dos proprietários rurais, latifundiários, ocupam 40% das terras agriculturáveis no país, sendo responsáveis pela produção de menos da metade dos alimentos consumidos na mesa dos brasileiros. O latifúndio é o local de atuação do agronegócio exportador, um dos setores que mais lucrou no país nos últimos anos. Esse mesmo setor recebe absolutamente mais benefícios governamentais do que a agricultura familiar ou a reforma agrária em seu conjunto. Ou seja, os Governos Brasileiros dos últimos anos privilegiam o agronegócio exportador em detrimento dos camponeses.
Além de ter sua produção majoritariamente voltada para a exportação e não para a alimentação dos milhões de famintos do país, o agronegócio brasileiro é responsável por profundos processos de poluição e degradação ambiental. Desde 2008, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e é o país do mundo que mais utiliza agrotóxicos, sendo que 19% de todo o agrotóxico utilizado no mundo é depositado no país. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), um terço dos alimentos consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos.
O agronegócio brasileiro é diretamente responsável pela contaminação dos alimentos, dos consumidores e dos trabalhadores rurais que manuseiam esses produtos. Além disso, é no latifúndio que se verificam os mais altos índices de erosão hídrica e eólica. O desmatamento de grandes áreas e a monocultura são responsáveis por esses processos. Ainda assim, os defensores do latifúndio e do agronegócio exportador não se calam. Fazem questão de propalar a produção agrícola crescente e a geração de empregos. Esquecem-se de todos os males gerados pelo latifúndio e da estimativa de inúmeros institutos de pesquisa de que para cada 1 emprego gerado pelo latifúndio, para a mesma área, a agricultura familiar gera 10 empregos.
O Novo Código Florestal
Nem o avanço do latifúndio em detrimento da agricultura familiar, nem os impactos ambientais gerados pelo agronegócio exportador, nem a crescente preocupação nacional com o meio ambiente e com a produção de alimentos saudáveis fizeram com que os governos no Brasil recuassem em suas medidas pró-latifúndio.
A mais recente e devastadora destas medidas é a alteração do Código Florestal. É uma medida do governo, amplamente apoiada por sua base aliada e diretamente aplicada pelo PCdoB – partido do relator do projeto – para satisfazer os anseios deste setor da economia nacional.
Antes de entrarmos na discussão sobre as alterações no código, vejamos os conceitos de Reserva Legal e Área de Preservação Permanente.
Reserva Legal: Área dentro da propriedade rural que deve ser destinada à manutenção do bioma, ou seja, não pode ser explorada com fins agrícolas.
Área de Preservação Permanente (APP): Áreas próximas de rios e lagos, topos de morros e encostas que deve ser preservada permanentemente, pois o desmatamento nessas áreas pode gerar riscos.
A Reserva Legal cumpre o papel de manutenção da biodiversidade dentro de uma propriedade rural ou agroecossistema. Não permite que determinado produtor rural implante monocultura em todo o seu território. A manutenção da biodiversidade permite que espécies vegetais e animais importantes para o ecossistema, mas que não são objeto imediato de exploração, tenham um “espaço” dentro de cada propriedade rural. De acordo com o velho código, o tamanho da reserva legal depende da região. Na Amazônia, a reserva legal tem que ser de 80%; no Cerrado, dentro da Amazônia Legal, tem que ser de 35%; e, nas demais regiões, tem que ser de 20%.
A APP cumpre um papel fundamental. Temos visto no Brasil e no Mundo uma série de catástrofes naturais que ocorrem devido ao desrespeito às APPs. A manutenção de vegetação no entorno de rios e lagos é fundamental pois protege essas áreas da erosão. As plantas presentes na APP dos rios permitem uma maior estabilidade física do solo, evitando ou minimizando o efeito de chuvas e escorrimento de água dos rios com relação a erosão. Áreas no entorno de rios sem vegetação permitem a perda de solo por erosão. Uma grande área envolvendo vários rios, na qual ocorreu desmatamento da APP dos rios (algo comum no Brasil), permite que a água das chuvas gere intensos processos de erosão, além da perda de solo, que a água se concentre nos rios e que possa atingir determinadas regiões com muita violência e em grande quantidade, gerando enchentes. As APPs de morros e encostas não são menos importantes, visto que a mesma interação entre plantas e solos que ocorre nas margens de rio também ocorre nos morros, portanto a manutenção de vegetação nessas áreas é fundamental para minimizar os riscos de deslizamentos, extremamente perigosos para as comunidades que vivem próximas dessas áreas.
As mais importantes mudanças no Código que foram aprovadas pela Câmara no mês passado dizem respeito às Reservas Legais, ás APPs e à Anistia aos desmatadores.
Em relação às APPs, foi retirada do texto a determinação do tamanho das mesmas. O relatório deixa a cargo do Executivo a definição das faixas que terão de ser recuperadas, por meio de um Programa de Regularização Ambiental que ainda deve ser implantado. As diretrizes gerais do programa serão determinadas pelo Executivo Federal, mas a definição de detalhes e pontos específicos será feita pelos Executivos Estaduais. Dessa forma, a exigência de reflorestamento ao longo de cursos d’água e as faixas de vegetação nativa que devem ser respeitadas para a regularização de propriedades ficam temporariamente indefinidas.
Além disso, abre-se a brecha para que o tamanho da APP seja inserido dentro do cálculo da Reserva Legal, o que, na prática, permite uma menor área de preservação ambiental e manutenção da biodiversidade dentro de cada propriedade.
Em relação à anistia aos desmatadores, o novo código não aponta nenhum tipo de punição a quem desmatou APPs até 2008. Ou seja, quem desmatou indiscriminadamente antes de 2008, não vai receber nenhum tipo de punição, multa ou repreensão, podendo inclusive os desmatadores continuarem acessando créditos agrícolas. Essa era uma das maiores exigências dos latifundiários, grandes responsáveis pelo desmatamento na história do Brasil. Além disso, no texto da Câmara, foi retirado o ponto que exigia a manutenção de 20 metros quadrados de área verde em novas expansões urbanas.
Luta ambiental, Rio+20 e Cúpula dos Povos
Como já dissemos, vivemos uma etapa de preocupação social crescente com o meio ambiente. Uma parcela cada vez maior da população acompanha atentamente as posições de governos, empresas e partidos em relação ao tema.
Os governos de plantão precisam dar uma resposta a essas preocupações. A realização da Conferência Rio+20 no mês de Junho faz parte dessa perspectiva. Infelizmente, a absoluta maioria dos governos é agente dos grandes empresários. Vivemos um momento de capitalismo em crise e os capitalistas não vão querer produzir menos e lucrar menos para responder a preocupações ambientais.
Nesse sentido, é possível afirmar que há uma enorme tendência de que a Conferência oficial Rio+20 seja um novo fracasso em negociações concretas para mudanças ambientais reais. Os Governos vão tentar cumprir seu papel, aparecendo bem aos olhos de quem defende o meio ambiente. Os empresários, por sua vez, vão tratar de tentar manter seus níveis produtivos, com sua consequente poluição, bem como vão tentar atingir com mais força o “mercado verde” que vem crescendo devido às preocupações ambientais de uma parcela cada vez maior de consumidores.
Ocorre que, paralelamente à Conferência Oficial Rio +20, acontecerá a Cúpula dos Povos, evento organizado majoritariamente pelos movimentos sociais. Devemos buscar uma grande participação neste evento, para que possamos, ao lado de milhares de lutadores de todo o mundo, pressionar os governos por medidas reais contra a devastação do meio ambiente e debater ações concretas e medidas importantes em direção à sustentabilidade.
Precisamos ter muito claro entre nós que o sistema capitalista é historicamente o responsável pela devastação ambiental. O capitalismo sempre precisou e continua precisando espoliar profundamente os recursos naturais em todo o planeta Terra para que os mais ricos, o 1% da população mundial, continuem lucrando em detrimento dos outros 99%, que sofrem os efeitos das catástrofes ambientais, vivem do seu próprio suor ou estão em condições miseráveis.
Ocorre que não nos basta identificar que o capitalismo é o responsável pelos problemas ambientais. Esta é uma avaliação e a partir dela temos que ter uma política. Parte desta política é exigir dos governos e poderosos que parem com a exploração ambiental predatória em todos os níveis, que diminuam a geração de gases de efeito estufa, que tomem medidas reais para cessar o desmatamento, a poluição das águas e a destruição da biodiversidade.
Outra parte de nossa política – e na Cúpula do Povos temos espaço para desenvolvê-la – é debater e apresentar soluções reais para os problemas ambientais. Não precisamos apenas criticar o modelo atual de produção e consumo, podemos também apresentar sugestões de como a sociedade poderia se organizar para buscar a sustentabilidade.
Nesse sentido, podemos trabalhar amplamente com a ideia de diversificação da matriz energética. Embora tenhamos algumas alternativas em crescimento, a principal fonte energética utilizada no mundo é o combustível fóssil petróleo. A utilização indiscriminada de petróleo nos processos produtivos gera impacto ambiental, a partir da queima deste combustível nos motores, mas gera também uma extrema dependência econômica das atividades vitais em relação às empresas que controlam a produção, a distribuição e a comercialização deste combustível. Além disso, há ainda muitas dúvidas referentes aos danos ambientais que podem ser causados pela extração de petróleo, por exemplo, na camada do pré-sal.
Devemos trabalhar com a ideia de que há inúmeras fontes de energia disponíveis e que devem ser utilizadas diversificadamente. Ou seja, devemos defender a utilização integrada e sustentável de energia a partir de biocombustíveis, eólica, hídrica ou solar, dando maior ênfase para esta última, que tem potencial para democratizar o acesso à energia em todo o mundo.
No que se refere a produção primária – agricultura – devemos fazer uma firme defesa da produção de alimentos para consumo local, a partir da agricultura familiar de base ecológica, privilegiando alimentos saudáveis e baratos.
A defesa de um sistema de transporte coletivo eficiente e ecologicamente correto também deve ser uma bandeira de todos. Atualmente temos em praticamente todo o Brasil máfias de empresários que controlam os transportes, prestando um serviço caro e rentável apenas para os empresários e os governos. Devemos realizar uma defesa eficaz do transporte coletivo público e de qualidade, para reduzirmos assim a quantidade de carros nas ruas, diminuindo a poluição e possibilitando que as pessoas que utilizam apenas o transporte coletivo – a maioria da população – sejam tratadas dignamente.
Podemos ter uma política ousada de defesa da construção de políticas públicas eficazes para o uso maciço de bicicletas. Aproveitando os exemplos de cidades como Buenos Aires, na Argentina, ou diversas capitais europeias, nas quais há inúmeras ciclovias que permitem o trânsito de ciclistas, políticas de troca de vale-transporte dos servidores públicos por bicicletas, integração real entre transporte coletivo e bicicletas, nova educação no trânsito, entre outros medidas.
Outro aspecto que podemos debater é em relação à geração e destino do lixo urbano. Sabidamente, esse é um grave problema, principalmente nos grandes centros urbanos. O modelo de sociedade consumista que o capitalismo impõe, faz com que milhares de toneladas de lixo sejam gerados diariamente e não há, por parte da ampla maioria dos governos, nenhum tipo de política eficiente de coleta seletiva de lixo, com reciclagem e reutilização, gerando-se assim um passivo ambiental enorme para o conjunto da sociedade. Devemos defender modificações no próprio processo produtivo que permitam uma menor geração de resíduos e uma ousada política de reciclagem, tanto de lixo seco quanto de lixo orgânico, para a produção de adubos ou biocombustíveis.
Temos muito ainda o que pensar e debater em relação a propostas eficazes de desenvolvimento sustentável. Aqui apresentamos apenas algumas ideias que podem e devem ser debatidas e ampliadas por toda a militância.
Jurandir Silva, secretário-geral do PSOL Pelotas, membro da Direção Estadual do PSOL-RS é Engenheiro Agrônomo, Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar.