Em entrevista à Carta Maior, o secretário geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Paulo Pasin, fala sobre a mobilização da categoria em várias cidades do país e critica a reação do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que chamou os grevistas de “grupelho radical com motivação político-eleitoral” e também da grande mídia corporativa. “Alckmin menospreza a consciência dos trabalhadores. A mídia, mais uma vez, mostrou seu caráter patronal”, disse Pasin. A reportagem é de Fábio Nassif.
Fábio Nassif
São Paulo – A greve dos metroviários no último dia 23 em São Paulo chamou a atenção da população, não só pela dependência que a cidade tem por este serviço, mas principalmente pela violenta reação dos grandes meios de comunicação, da Justiça e do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que, entre outras declarações, chamou os manifestantes de “grupelho radical com motivação político-eleitoral” em entrevista à Rede Globo. A greve durou cerca de 15 horas, e foi finalizada em assembleia dos trabalhadores que aceitaram o reajuste salarial de 4,15%, 1,94% de ajuste real, aumento no vale refeição, vale alimentação e adicional de risco de vida para agentes de segurança e de estação. “Alckmin menospreza a consciência dos trabalhadores” disse Paulo Pasin, secretário geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, em entrevista à Carta Maior. Diante da greve, “a mídia mais uma vez mostrou seu caráter patronal”, disse.
A truculência do governo paulista se destacou, mas o colapso nos sistemas de transporte ocorre em cidades de todo o país. Os motivos da greve em São Paulo são semelhantes aos de outras mobilizações de metroviários e ferroviários em cinco capitais. Segundo Pasin, também presidente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro), a articulação nacional das greves em curso dos trabalhadores dos metrôs de Recife e Belo Horizonte, e nos trens de Natal, Maceió e João Pessoa, é algo inédito na história do país. O dirigente vê uma desvalorização generalizada desses trabalhadores, falta de investimento público para as empresas estatais, privatização e um processo intenso de criminalização dos movimentos sociais.
Carta Maior – Trabalhadores de transportes sobre trilhos estão em greve em cinco capitais do país. O que essas greves têm em comum?
Uma mobilização nacional dessa nunca havia acontecido antes. É a primeira vez. E ocorre por algumas razões. Primeiro porque o setor de transporte está trabalhando cada vez mais e sob a base do colapso nos sistemas de transporte por todo país. A superlotação, por exemplo, que ocorre em São Paulo, não é um fenômeno isolado. Assim como os trabalhadores estão sendo obrigados a trabalhar por todo o país num regime alucinante e as empresas não os valorizam.
O segundo elemento, também muito importante, é que os trabalhadores têm muita clareza do seu papel estratégico na sociedade, na medida em que no Brasil se discute em todos os lugares a questão da mobilidade urbana. Haja visto que este tema se relaciona inclusive com a Rio+20, os trabalhadores sentem necessidade de também opinar sobre as verdadeiras soluções pros sistemas de transporte. É comum hoje em dia surgirem muitos especialistas em transporte. Tem gente séria, mas a maioria é lobista da iniciativa privada, quando os verdadeiros especialistas de transporte são esses companheiros que operam este sistema há décadas.
E o terceiro elemento é que a Federação tem buscado trabalhar em conjunto com os diversos sindicatos na perspectiva da unificação das lutas da categoria.
CM – Há uma desvalorização dos servidores públicos de maneira geral que ligue a greve dos metroviários e ferroviários com a greve dos professores do ensino superior?
Sem dúvida. O fato do governo Dilma ter anunciado a restrição aos reajustes, logo no início do ano, como medida preventiva ao possível impacto da crise econômica mundial no Brasil, os trabalhadores ficaram em alerta. E a proposta do governo federal foi de congelamento. No caso dos trens e metrôs administrados pela CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), a proposta do governo federal de reajuste zero teve um grande impacto.
A falta de investimento também é uma caraterística comum do funcionalismo público. Ou seja, há desvalorização do servidor e um abandono das empresas públicas responsáveis por esses serviços.
CM – Qual a proposta da categoria para o transporte dessas cidades?
A Fenametro, em conjunto com os sindicatos, tem feito uma discussão em torno da proposta de 2% do PIB para transportes sobre trilhos. É bom que se destaque, que, na nossa opinião, este investimento deve ser feito em torno de empresas estatais, já que o governo Dilma anuncia pelo Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC) um certo investimento em metrô, mas todos eles sobre a forma de Parceria Público Privada (PPP). Da mesma forma como aqui em São Paulo o governo Alckmin avança nos projetos de privatização, como é o caso da linha 4 – amarela.
Este investimento no transporte coletivo precisa buscar corrigir uma grave distorção que é a primazia do transporte individual. Desde o governo de Juscelino Kubitschek os governos privilegiam e constroem políticas que beneficiam as montadoras de automóveis. E nós estamos chegando a uma situação muito preocupante, onde se produz centenas de carros por dia no país.
Em todas as capitais do o congestionamento é uma constante. As cidades não andam e não tem obra que consiga resolver esta situação.
CM – Qual a avaliação da greve do metrô de São Paulo?
Pra entender a greve de São Paulo é preciso, em primeiro lugar, localizá-la nesse contexto nacional. Foi uma greve importante pois demonstrou uma enorme unidade da categoria, dos diversos setores de trabalho. Este é um elemento fundamental para nós. E como consequência disso, o governo Alckmin dobrou sua intransigência. Conseguimos demonstrar a força da categoria e, ao mesmo tempo, mantivemos um diálogo com a população.
Ficou muito claro que nossa proposta era trabalhar, desde que fosse liberada a catraca. E como o discurso do governo era para funcionamento do metrô, ele demonstrou, ao negar esta proposta, sua própria hipocrisia em não atender os usuários.
CM – Foram tomadas diversas medidas legais para que a greve não ocorresse. Acha que este é um direito que está sendo ameaçado no Brasil?
Eles querem acabar com o direito de greve. Na Constituição de 88, a partir das lutas populares, o Estado incluiu o direito de greve. No entanto, a classe dominante deixou muitos itens em aberto para serem regulamentados. O primeiro artigo foi regulamentado durante o governo de José Sarney, em 89, que, por medida provisória, aprovou uma Lei de Greve. Na prática, era uma lei anti-greve, que afronta a própria Constituição. E cada vez mais a classe dominante avança sobre este direito, com os interditos proibitórios, por exemplo.
Um outro passo neste sentido é penalizar financeiramente as entidades com multas astronômicas. Isso significa atingir também o direito de organização. No caso do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, estamos recebendo diversas ações do Ministério Público. A Associação Comercial de SP, acha que nós devemos pagar o prejuízo ao comercio causado supostamente pela greve, a partir de uma conta que eles fizeram.
Nós queremos convocar todas as entidades sindicais, populares, estudantis, movimentos, democratas de uma maneira geral, para uma ampla campanha nacional em defesa do direito de greve.
CM – A participação do poder judiciário nas negociações da greve também fazem parte de um processo de criminalização do movimento?
Nós somos, desde sempre, a favor da negociação entre a patrão e empregado. A participação da justiça nas negociações coloca sobre nós uma faca no pescoço. A justiça não é neutra e neste sentido essa interferência joga a favor dos interesses da empresa.
CM – Qual sua opinião sobre a cobertura da mídia sobre a greve?
A mídia mais uma vez mostrou seu caráter patronal. Ela se recusou a dizer sobre nossa proposta de liberar a catraca para os usuários e trabalhar normalmente. As revoltas populares apareceram como se fossem contra nós, enquanto nós presenciamos uma indignação contra o governo do estado. Vimos na estação Tatuapé, por exemplo, a população gritando “o povo na rua, governo a culpa é sua”.
A mídia faz o papel essencialmente ideológico. Ela tinha que passar imagem contrária à greve para viabilizar um clima político de criminalização. E também pra proteger o PSDB, que é o responsável pela situação que gerou a greve.
CM – Acha que a mídia fez a relação da desvalorização dos trabalhadores com o acidente que ocorreu na Linha Vermelha do Metrô a poucos dias do início da paralisação?
É importante explicar que nós não fizemos uma vinculação direta do acidente com a greve. Nossa reivindicação tem a ver com nossa campanha salarial. Mas, é interessante observar que a mídia protegeu o Metrô na questão do acidente por uma questão muito clara que é a privatização.
Não podemos dizer que nenhum sistema operacional está livre da possibilidade de viver um acidente. Mas, este acidente mostrou a importância de ter um operador de trem, para, em casos urgentes, possa tomar medidas de segurança que evitem tragédias como a que quase aconteceu. Portanto, a mídia escondeu esta informação sobre o acidente e aproveitou essa greve pra fazer uma campanha a favor da privatização. A Linha 4 – amarela, que é privada e não tem operador de trem, foi mostrada como exemplo pois não deixou de funcionar. Inclusive o Metrô tentou fazer funcionar parte de suas linhas para que a Linha 4 permanecesse em pleno funcionamento durante a greve. E na verdade, foi montada uma operação perigosa para a população já que quem operou estes trens durante a greve não estava preparado para esta função.
CM – Em outros anos alguns trabalhadores haviam sido demitidos do Metrô durante mobilizações. Quais foram os motivos alegados na época e como estão esses processos?
As demissões aconteceram em duas ondas, em 2007. Uma de cinco dirigentes sindicais, que lutavam pelo veto à Emenda 3 e depois outra por conta da greve pela Participação nos Resultados igualitária. Colocamos este tema da criminalização na pauta de negociação e apesar do Brasil ter sido condenado na Organização Internacional do Trabalho por prática anti-sindical nestes casos e alguns trabalhadores terem ganhado na justiça individualmente, a maioria ainda não conseguiu reverter suas demissões. Naquele ano, a mídia agiu da mesma forma como agora.
CM – O governador Geraldo Alckmin chamou os grevistas de “grupelho radical com motivação político-eleitoral” que prejudicou a população da cidade. O que responderia a ele? Quem são os grevistas?
A nossa data base de maio existe há muitos anos. Portanto a nossa campanha salarial é em maio. No ano passado a empresa negociou, e, por isso, não teve greve. Esse ano, depois de quatro rodadas, a empresa não negociou. E isso como forma de jogar sobre nossas costas os ajustes que querem fazer para não serem afetados pela crise. Portanto, da nossa parte, não tinha nenhuma ligação com o processo eleitoral. O único que falou em eleição foi o governador. Ele que quis jogar a população contra a categoria.
Em segundo lugar, esta questão de grupelho. Nossa categoria é mobilizada, nossas assembleias são massivas, com ampla participação, transmissão pela internet e envolvimento de diversos setores do Metrô. O problema é que Alckmin menospreza a consciência dos trabalhadores ao achar que alguém os manipula. A diretoria do sindicato traz propostas para as assembleias mas quem define todos os passos é a categoria, por seus debates e por sua própria consciência. Ou então, para o governador, todos os metroviários e ferroviários em greve no país são grupelhos?
Por último eu diria que nosso sindicato é independente. Em congresso recente ele se desfiliou da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e realizará um plebiscito daqui um ano e meio pra decidir sua filiação ou não a uma outra central. Nós primamos por buscar a unidade daqueles que lutam por um sindicalismo independente de governo, dos partidos, das empresas, etc. E a unidade que construímos tanto na greve dos metroviários de São Paulo como nos demais estados – inclusive entre centrais sindicais distintas – demonstra mais uma vez uma coisa óbvia mas que muitos insistem em esquecer: quando a classe se une ela é muito mais forte do que quando se divide.