Na última quinta-feira (19/04), o deputado Paulo Piau (PMDB/MG) tornou público o relatório do novo Código Florestal que pode ser votado esta semana na Câmara. Como o texto aprovado anteriormente pelos deputados foi modificado no Senado, precisa passar novamente pela Casa. O resultado dessa tramitação, no entanto, é ainda mais temerário para o meio ambiente e a biodiversidade brasileira.
Além de manter a anistia para aqueles que desmataram ilegalmente até 2008, o texto de Piau tem eixos estruturantes que ampliam significativamente o impacto ambiental do novo Código Florestal e colocam o direito à propriedade como máxima inquestionável pelo poder público.
A primeira linha mestra do novo relatório da Câmara é reduzir as Áreas de Preservação Permanentes (APPs) que, desmatadas ilegalmente, devem ser recuperadas. A versão do Senado já era recuada, cancelando as multas dos desmatadores. Mas agora a regra é a impunidade geral, com total flexibilização para as chamadas “áreas consolidadas”. “Além de não pagar pelo crime ambiental, os desmatadores ficarão liberados de vez de apresentar um Plano de Recuperação e replantar as APPs”, criticou Ivan Valente, que integra a Frente Parlamentar Ambientalista.
Entre as APPs que, pelo relatório de Piau não precisam mais ser recuperadas estão as matas ciliares com distância entre 15 e 100 metros das marges dos rios e os topos de morro usados para pecuária. O texto da Câmara, por exemplo, considerava como área consolidada, liberada de recuperação, somente os topos de morro usados na produção de lenhosas (uvas, maçãs, etc).
Outra mudança feita pelo relatório de Paulo Piau, que explicitamente homenageia os ruralistas, foi retirar do texto do Senado a observação de que devastações em Áreas de Preservação Permanente localizadas dentro de Unidades de Conservação não podem, em hipótese alguma, serem consideradas áreas consolidadas. Ou seja, o Senado obrigada a recuperação dessas áreas em qualquer caso. Ao retirar essa observação do texto, a bancada ruralista anistia de outra forma os desmatamentos.
Segundo levantamentos, a previsão é que o texto do Senado permitiria recuperar cerca de 330 mil quilômetros de APPs desmatadas no país. Se passar a versão que os ruralistas defendem agora na Câmara, todo este passivo ambiental será desconsiderado.
As áreas de apicuns e salgados – regiões no entorno dos manguezais, ocupadas para a produção de camarão – também deixam de ser consideradas APPs. O texto do Senado, que trazia um capítulo inteiro sobre o uso sustentável dos apicuns e salgados, limitando sua ocupação em 10% na região amazônica e em 35% no restante dos mangues, se transformou em um único artigo dentro do capítulo de “área de uso restrito”. De acordo com o novo relatório, que atendeu ao lobby dos produtores de camarão, desde que se faça o Zoneamento Econômico e Ecológico da região, os apicuns e salgados podem ser totalmente ocupados. O impacto nos mangues será brutal.
Estadualização e liberação do crédito
Outra linha condutora do novo relatório do Código Florestal da Câmara é a que devolve aos estados o poder de definição sobre a necessidade de recuperação das APPs. A medida, na avaliação do deputado Ivan Valente, enfraquece a normatização e a fiscalização nacional, além de comprometer toda a lógica do SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente). A ideia é que cada estado avalie suas “peculiaridades” e defina se determinada área degradada deve ou não ser recuperada, independentemente de os biomas atravessarem as fronteiras administrativas da federação. Se aprovado desta forma, o texto permitirá, por exemplo, que as margens de um determinado rio devam ser recuperadas numa certa medida dentro de um estado e em outra no estado vizinho.
“Na prática, deixar para os estados resolverem essa questão é fortalecer a defesa da autonomia do proprietário rural para definir como ocupar o solo da porteira de sua fazenda pra dentro, como se isso não tivesse qualquer consequência do ponto de vista da preservação ambiental do conjunto daquele bioma ou região. É uma lógica que favorece o descontrole do poder público e privilegia o vale-tudo da propriedade privada”, analisa Ivan Valente.
Por fim, outra medida estruturante do relatório de Piau é quebrar a relação, prevista no texto do Senado entre tempo de recuperação ambiental e direito a crédito e incentivos do governo para esta recuperação. Antes, só teria direito a acessar esses recursos públicos o proprietário que fizesse o Cadastro Ambiental Rural e apresentasse um cronograma de recuperação no Plano de Regularização Ambiental. Agora, basta assinar um documento de intenções que os recursos são liberados.
O Senado também diferenciava os proprietários em categorias de acordo com o grau de descumprimento da lei ambiental praticado cada um. Ou seja, havia maiores restrições e obrigações para aqueles que desrespeitaram de forma mais intensa a legislação em vigor. Piau exclui as categorias, igualando as agressões ao meio ambiente e, assim, privilegiando aqueles que devastaram mais.
“É uma lógica totalmente irresponsável e antipedagógica, que passa uma mensagem muito clara de impunidade para o país. Nós, ambientalistas, já não tínhamos acordo com o texto do Senado, que anistiava os desmatadores e permitia novas derrubadas através de uma série de flexibilizações no Código em vigor atualmente. Mas era um texto que reduzia alguns impactos do relatório original de Aldo Rebelo e havia sido pactuado dentro do governo”, explica Ivan Valente.
“De volta à Câmara, a bancada ruralista, suprapartidária, retoma seu radicalismo, enfrenta o governo e desacata a Presidência da República, rasgando os acordos feitos no Senado. Se prevalecer este texto, não restará à Presidenta Dilma outra alternativa a não ser vetá-lo. Será isso ou a vergonha internacional na Rio+20 e o maior retrocesso histórico na nossa legislação ambiental”, concluiu o parlamentar do PSOL.
Fonte: www.ivanvalente.com.br