Testemunhas afirmam que ele foi agredido por policiais militares, com golpes de cassetetes na cabeça.
Guilherme Balza
Texto transcrito
do UOL, em 21/04/12
www.uol.com.br
O aposentado e ex-morador do bairro Pinheirinho, Ivo Teles dos Santos (foto acima), 70 anos, que ficou dois meses hospitalizado após a ação de reintegração de posse da comunidade de São José dos Campos (97 km de São Paulo), morreu no último dia 9, vítima de falência múltipla de órgãos.
Ele deu entrada no hospital municipal Dr. José Carvalho de Florence no dia 22 de janeiro, em São José, horas depois do despejo. Lá, ficou internado em coma até 22 de março, quando sua filha Ivanilda Jesus dos Santos, 34, chegou da Bahia para retirá-lo. Até a morte, diz Ivanilda, o aposentado permaneceu em estado vegetativo, sem se movimentar, nem responder a qualquer estímulo.
A causa da morte do aposentado está sendo investigada pela delegacia seccional de São José e é motivo de controvérsia: segundo o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), testemunhas afirmaram a conselheiros do órgão que Santos foi hospitalizado após ser agredido por policiais militares, com golpes de cassetetes na cabeça.
O defensor público Jairo Salvador diz que outras testemunhas relataram a mesma versão em depoimento à Polícia Civil. Já segundo a administração do hospital, Santos deu entrada na unidade com “quadro confusional” e “crise hipertensiva” após sofrer um AVC hemorrágico, diagnosticado após a realização de uma tomografia do crânio.
No dia da ação no Pinheirinho, o aposentado foi entrevistado por uma repórter do jornal “O Vale”, de São José dos Campos, e afirmou: “Eles vieram com muita violência para tirar a gente de casa. Eu reagi e eles partiram para cima. Caí no chão e os três policiais continuaram a bater com o cassetete em mim. Olha só como estou agora? Não consigo nem andar.”
Santos morava sozinho em uma das áreas mais pobres do Pinheirinho, conhecida como Cracolândia. A única pessoa próxima do aposentado no município era a ex-mulher, Osorina Ferreira de Souza, também moradora da comunidade, com quem Santos viveu por 20 anos.
Depois da reintegração, Osorina saiu à procura do ex-marido. Encontrou-o apenas dias depois. Em 4 de fevereiro, acompanhada de deputados estaduais e conselheiros do Condepe, solicitou ao hospital o Boletim de Atendimento de Urgência (BAU), documento médico que atesta as condições em que o paciente deu entrada no hospital.
A direção da unidade negou o documento, alegando que informações sobre o paciente são sigilosas e só podem ser repassadas a familiares. De acordo com o relatório do Condepe, integrantes do corpo de enfermagem do hospital teriam informado à Osorina que a causa primária de internação de seu ex-marido seriam as agressões que ele teria sofrido, e não o AVC.
A filha do aposentado afirma que, quando o retirou do hospital, ele estava com vários hematomas, cicatrizes e escoriações pelo corpo, além de pontos na cabeça. A ela o hospital entregou a tomografia do crânio de Santos e outros documentos, mas não forneceu o BAU. “Não me entregaram, mas estou disposta a viajar para retirar. Esse documento é fundamental”, afirma Ivanilda.
No dia 6 de fevereiro, segundo o Condepe, a versão do hospital e da Secretaria Municipal de Saúde sobre o motivo da entrada do aposentado na unidade foi registrada em boletim de ocorrência lavrado no 5º DP de São José.
A PM nega que tenham ocorrido as agressões. A filha de Santos diz que entregará todos os documentos médicos que recebeu para a defensoria.
O defensor público Jairo Salvador afirmou que, em posse dos documentos, irá pedir um laudo do Instituto de Medicina de São Paulo. A defensoria recebeu 586 ações individuais de moradores que sofreram violência física e psicológica ou perderam bens na ação. “É incrível a simetria dos relatos. Ou houve uma histeria coletiva ou o que eles dizem realmente aconteceu”, afirma o defensor.
A reportagem do UOL não conseguiu localizar na seccional os responsáveis pela investigação.
História de Ivo Teles dos Santos
Após retirar o pai do hospital, Ivanilda ficou por uma semana na casa de uma irmã no Itaim Paulista, no extremo leste da capital paulista. De lá, foram para Ilhéus, no litoral sul baiano, onde ela trabalha como camareira e vive com dois filhos. Ela conta que teve de abandonar o emprego para cuidar do pai.
“Abandonei o trabalho para ficar em casa cuidando dele. Meu pai ficou sem uma peça de roupa sequer, só com o roupão do hospital. Tive que comprar. Ele usava fraldas, medicamentos… E não consegui retirar a aposentadoria dele. Foi tudo com o meu dinheiro.”
Segundo Ivanilda, seu pai deixou Ilhéus no início da década de 80, quando ela tinha apenas sete anos, para procurar emprego em São Paulo. Antes de se aposentar, Santos fez vários bicos, trabalhou em uma empresa que produzia antenas parabólicas e foi carpinteiro. Além de Ivanilda, o aposentado têm outro filho, de 49 anos, que não foi registrado como seu filho e mora no Rio de Janeiro.
A mãe de Santos ainda é viva. Ela tem 87 anos e também mora em Ilhéus. A família tentou esconder dela o estado de saúde do aposentado, mas foi inevitável. “Ela viu a situação que o filho ficou. Foi muito dolorido para ela e para a família toda.”
Assista o Vídeo da desocupação do Pinheirinho “O Massacre de Pinheirinho: A verdade não mora ao lado”