Nessa data, o conselho curador da Fundação Padre Anchieta elegerá seu novo presidente. Manifestantes contrários às demissões em massa, à extinção de programas tradicionais, como Zoom, Grandes Momentos do Esporte e Vitrine, e à cessão de espaço na grade para a mídia privada prometem tomar as imediações da emissora, da zona oeste de São Paulo. Na noite de terça-feira (3), um ato reuniu profissionais de comunicação, artistas, sindicalistas e parlamentares em protesto contra as reformas na tevê.
Marcel Gomes
São Paulo – Um grande protesto contra a “privatização da TV Cultura” tomará as imediações da emissora, na zona oeste de São Paulo, no próximo dia 16 de abril. Nessa data, o conselho curador da Fundação Padre Anchieta elegerá seu novo presidente.
O advogado e jornalista Moacyr Expedito, que ocupava o cargo, renunciou semana passada, um ano antes do término de seu mandado. O conselho curador colabora com a administração da tevê, que está nas mãos do presidente da Fundação Padre Anchieta, o economista João Sayad.
O protesto foi agendado na noite desta terça-feira (3) por profissionais de comunicação, sindicalistas, artistas e parlamentares, que participaram de um ato contra as reformas empreendidas na emissora. Entre elas, destacam-se a redução do quadro de funcionários – segundo os manifestantes, em mais de mil profissionais -, e a extinção de programas tradicionais, como Zoom, Grandes Momentos do Esporte e Vitrine.
Além disso, houve a tentativa de encerramento do programa Manos e Minas, que traz manifestações culturais da periferia da cidade para a televisão. Mas, diante dos protestos, a direção da emissora recuou. Os profissionais que conduziam o programa, porém, acabaram demitidos.
Para ocupar a grade, a TV Cultura convidou tradicionais veículos da grande imprensa paulista para fornecerem conteúdos, entre eles Folha de S. Paulo, Estadão e Veja. Por enquanto, apenas a Folha ocupou o espaço, com um jornalístico nas noites de domingo. Segundo o próprio jornal, foi feita uma permuta: a tevê cedeu espaço em troca de espaço publicitário no jornal impresso.
Indignação
“É a mídia privada ocupando espaço na tevê pública, um absurdo”, protestou o jornalista Renato Rovai, presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom) e editor da revista Fórum. Segundo ele, por trás dessas mudanças está uma concepção da mídia privada e de governos do PSDB de “não engolirem o serviço público de comunicação”.
Na mesma linha, o diretor da Altercom e da Carta Maior, Joaquim Ernesto Palhares, lembrou que a tevê pública do Rio Grande do Sul foi “sucateada” no governo de Yeda Crusius (2007-2011), do PSDB. “É o modelo tucano de fazer política e governar, e que ainda conta com um cinturão midiático ao seu redor”, afirmou.
Para o jornalista Pedro Pomar, também presente no ato, o desmonte da TV Cultura é “estratégico para os tucanos”. “É mais um capítulo da reforma do Estado que eles vêm empreendendo nos últimos 20 anos. E a emissora é um símbolo que precisa ser destruído, porque ela mostra que o que é público pode ser bom”, criticou.
O ato, realizado no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, contou com a participação de funcionários e ex-funcionários da TV Cultura. A jornalista Marilu Cabañas, demitida após 16 anos de casa, se emocionou ao fazer um relato sobre os novos rumos da programação da emissora. “Quando eu estava produzindo uma série sobre crianças desaparecidas, veio uma ordem de que não devíamos ficar falando sobre pobres nas reportagens”, contou. A série acabou exibida, por pressão de outros colegas.
Desmonte
Já o funcionário Sérgio Ipoldo Guimarães revelou que o departamento em que trabalhava, o de meteorologia, foi extinto, para dar lugar a um convênio com a empresa Somar Meteorologia. Hoje, ele ocupa um cargo na direção do Sindicato dos Radialistas, e não sabe o que fará na emissora quando retornar. “Meu desejo é me qualificar para outra função”, disse.
Para João Brant, do coletivo Intervozes, o desmonte da tevê tem o potencial de influenciar as experiências culturais das pessoas. “Eu mesmo tive minha formação musical através da rádio Cultura AM, que tinha uma amplitude de repertório e muito cuidado com a música brasileira”, afirmou.
O enfraquecimento da TV Cultura gera, ainda, uma baixa na formação de quadros técnicos para o sistema público de comunicação. Segundo o professor Laurindo Leal Filho, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a academia brasileira não tem tradição na formação de pessoal para o sistema público, e esse papel era desempenhado pela TV Cultura.
Mais ações
Além do ato no dia 16, os manifestantes, que também participam de entidades como Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e Sindicato dos Jornalistas, entre outras, farão pressão na Assembléia Legislativa para que uma audiência pública discuta a questão. Entre os parlamentares que apóiam a proposta, participaram do ato os deputados estaduais Carlos Giannazi (PSOL), Simão Pedro (PT) e Leci Brandão (PCdoB).
Renata Mielli, do Centro de Estudos Barão de Itararé, sistematizou as propostas dos participantes. Além dos protestos do dia 16 e da audiência pública na Assembléia, as entidades envolvidas circularão um manifesto contra o desmonte da tevê, colherão depoimentos de artistas e jornalistas, encaminharão um ofício solicitando que sejam ouvidas pelo conselho da Fundação Padre Anchieta, e exigirão auditoria nos contratos da emissora.
Matéria publicada originalmente no site da Agência Carta Maior – www.cartamaior.com.br