O centro de São Paulo não tem que ser revitalizado, porque lá tem vida, diz a fotógrafa Paula Ribas, há 37 anos moradora da velha Luz que será, se a prefeitura conseguir, a Nova Luz. Enquanto a população reage como pode aos amplos poderes dados à prefeitura para decidir a vida de moradores e comerciantes, apelando à Justiça, a especulação imobiliária já corre solta.
Caio Sarack – Carta Maior
São Paulo – “Eu fiquei neste bairro [da Luz] no pior momento dele, por que tenho que sair agora?”, indaga a jornalista e fotógrafa Paula Ribas no documentário “Luz” (produção espanhola, http://vimeo.com/32513151). Moradora do bairro há 37 anos e coordenadora do blog “Apropriação da Luz”, Paula é a crítica em pessoa do projeto Nova Luz, que literalmente passou um trator pela Cracolândia e daqui por diante passará a atingir dos cortiços à classe média alta. E, como sempre, computando mais prejuízos à população de baixa renda.
A discordância começa com a forma como a prefeitura vê a urbanização do centro de São Paulo.“O termo ‘revitalização’ é um erro de conceito. Revitalizar é dar vida onde não existe mais. Se no centro não existe vida, quero saber onde é que ela está”, diz. E continua em relação às intenções subentendidas no que é apresentado meramente como um projeto urbanístico. “O projeto Nova Luz é obviamente resultado da Lei de Concessão de 2009. Essa lei é para o empobrecimento social, ela visa lucro e só”, afirma Paula, em entrevista à Carta Maior.
A polêmica sobre habitação no centro começou com a aprovação em 2009 da Lei de Concessão Urbanística. Ela dá ao governo poder para tratar da moradia como entender, assegurado pelo parágrafo 3º da lei: “Caberá exclusivamente ao projeto urbanístico específico definir, dentre os imóveis situados no perímetro da concessão urbanística, quais deverão ser objeto de desapropriação, demolição, reforma ou construção”.
Para Paula, a lei definiu uma situação que não abre espaço à participação popular no projeto de reurbanização do centro. “O projeto nos apareceu pronto e o que tínhamos eram audiências públicas em que as pessoas só podiam falar por três minutos e as associações, por cinco. Quando é que este tempo é suficiente para um assunto tão complicado?”, pergunta. Como era de se esperar, essas audiências apenas referendaram a enorme liberdade dada ao governo municipal para decidir o que bem entender. A obra irá demolir 60% das construções. A comunidade de moradores e comerciantes reagem com ações na Justiça, que adiam as decisões e obras da prefeitura.
A jornalista ainda lista mais dois fatores que inviabilizam Nova Luz: “Além das ações, o projeto não tem EIA RIMA [resolução liberada pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Social – Cades], não tem planejamento ambiental. Também depende da aprovação do Conselho Gestor da Zona Especial de Interesse Social (Zeis), do qual sou conselheira. Nós estamos acompanhando estreitamente esse processo. Queremos inclusão, é simples”, argumenta.
Nova Luz não distingue em suas demolições. Desapropriará da classe média alta até os cortiços. “O projeto, junto com a Lei de Concessão, visa fazer um acordo do particular para o particular”, conta Paula. O que irá diferenciar o novo proprietário é seu poder de compra; o terreno antes privado, continuará dessa forma, só que pago por quantias maiores. “A prefeitura colocou condições para as construtoras e empresas: conquista do espaço aéreo do centro, os prédios do Centro pela sua idade são baixos. E impostos serão abatidos às empresas que se instalarem na região central em até 60%”.
O projeto passa de forma apenas subsidiária, por exemplo, na questão do consumo de crack. A construção de UBS e hospitais são parte de um projeto urbanístico onde o crack não tem tratamento especial. “Quando se pergunta qual será a especialidade dos centros médicos, não sabem responder. Como assim? Não se precisa vir até o centro pra ver que suas dificuldades são de certa forma particulares. O crack e a Cracolândia deveriam ter um capítulo à parte na Nova Luz. Precisa de atenção especial”, critica a jornalista.
A dinâmica na região está mudando antes mesmo da aprovação da Nova Luz. Terrenos são fracionados para maior aproveitamento do solo. Proprietários e herdeiros já começaram a vender – a preços bastante razoáveis – prédios e quarterões para construtoras. O Centro, hoje, é pólo de atenção imobiliária, com visitas constantes de corretoras, construtoras e incorporadoras. Paula Ribas ainda se preocupa com a ausência de ações da prefeitura para deter o encarecimento da região. “Se conquistarmos os espaços de moradia, queremos também que a região não encareça seus serviços. O projeto não tem preocupações com os reflexos indiretos da sua intervenção. A gente não quer nada de graça, a gente quer poder pagar. Estamos sendo vítimas de um verdadeiro loteamento da cidade de São Paulo”, conclui.
Fotos: Paula Ribas