*Por Afrânio Boppré
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é um partido de esquerda que nasce como necessidade de responder à crise que a esquerda brasileira vive. Sua existência não resultou apenas disso, mas tem aí uma motivação decisiva. A crise que nos referimos reside principalmente no fato de setores importantes da “esquerda” ter efetuado um radical transformismo político. A contestação intransigente ao capitalismo (o que deve caracterizar qualquer partido de esquerda) foi abandonada, cedendo lugar a uma posição de edulcorar a prática política de modo a se tornarem palatáveis aos interesses da classe dominante. No Brasil houve uma conversão, na medida em que esses setores que ameaçavam o sistema político e econômico em uma perspectiva pró-trabalhadores assumiram a função de garantidores da estabilização pró-classe dominante. Esse giro foi conduzido com muito cuidado de modo a não haver desidratação eleitoral. Perdeu-se a simpatia de setores organizados da classe trabalhadora, no entanto, compensado com políticas assistencialistas para outros setores. O pior: criou-se a falsa idéia de que este é o limite e como se tivéssemos chegado ao ótimo possível. O PSOL nasce a partir dessa circunstância e com a missão de quebrantá-la e recompor a idéia de que o socialismo não só é possível, como é necessário e urgente.
Numa conjuntura onde professores, bombeiros, técnicos administrativos das universidades federais, trabalhadores da Usina Hidrelétrica de Jirau em Rondônia dentre outros milhares de brasileiros apontam o caminho da luta como forma de responder a situação de precariedade de suas vidas, temos um governo respondendo por ajustes econômicos, para salvaguardar o pagamento da dívida pública na ordem de R$ 635 bilhões anuais, o que representa 44,93% do orçamento da União de 2010. Por outro lado esses dados da Auditoria Cidadã da Dívida acusam que somente 2,89% são destinados a Educação e 3,91% a Saúde.
Para o PSOL é urgente alterar a política econômica. A pauta brasileira não pode ser a de insistir com privatizações a exemplo dos aeroportos; de megaeventos com licitações secretas para favorecer a pilhagem; já temos sete meses de governo Dilma e aumentamos a taxa de juros cinco vezes alcançando 12,5% a.a. – a mais alta do mundo em termos reais. Dilma anunciou corte de R$ 50 bilhões no orçamento da União de 2011 com impacto direto para pessoal na ordem de R$ 3,5 bilhões; congelamento de salários; cortes no Ministério da Reforma Agrária na casa de R$ 1 bilhão.
Nosso “novo” governo está também minado por ardilosa estratégia fisiológica e corrupta. Postos chaves da república desmoronam em meio a escândalos de corrupção diários. Nossas florestas estão ameaçadas pela tramitação no congresso nacional do Código Florestal, que na prática é uma licença para desmatar e atender os interesses do agronegócio. Belo Monte figura como padrão não sustentável de desenvolvimento.
Estes aspectos são suficientes para o PSOL não aceitar os princípios programáticos do governo brasileiro em curso e se definir como oposição de esquerda e programática, sem contudo, deixar de se opor também firmemente aos partidos tradicionais da oposição de direita e conservadora que se opõem no varejo ao governo do PT/PMDB mas guardam grande afinidade no atacado.
O PSOL propugna em favor do ecosocialismo. No entanto, não concluímos que há na história um movimento direcional-linear em seu favor. A formação social capitalista produz contradições que abrem brechas para sua própria negação mas, por sua vez, sua superação exige um sujeito social forte e disposto a por um fim ao impasse histórico em que a humanidade vive. Impasse esse de múltiplas dimensões: econômica, ecológica, social, financeira, bélica, política e moral.
O capitalismo mesmo que cambaleante não ruirá por si mesmo. Nada nos garante que no bojo de suas crises iremos encontrar a oportunidade de sua superação. Partimos do pressuposto então, de que o capitalismo terá de ser derrubado e ninguém o fará sem ter o que colocar em seu lugar. Neste sentido, o socialismo deve ser visto como superação ao modo de produção capitalista. A estratégia para tal intento deve ser processual e obra de milhões de brasileiros e brasileiras. O PSOL se reivindica integrante desse sujeito histórico e está disposto a acumular forças e perseverar na construção de uma sociedade pós-capitalista. Atuaremos com os movimentos sociais, propugnando a auto-organização popular das classes trabalhadoras, sem o qual é impossível pensar em superação do capitalismo. Atuaremos pela via institucional com esta coerência. Basta ver que nossa bancada de deputados federais, estaduais e senadores dignifica os valores programáticos, éticos e ideológicos partidários socialistas.
Entendemos que a concepção partidária está relacionada com a formação econômico-social brasileira. Não há como conceber um partido sem considerar a situação e o momento histórico em que está inserido. Sendo assim, o PSOL quer se consolidar como partido amplo, plural, profundamente democrático e militante.
O PSOL é a um só tempo meio e fim. Meio porque se predispõe a ser instrumento a serviço dos explorados e oprimidos, instrumento para combater a homofobia, o racismo e o sexismo por exemplo, instrumento em favor da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, em favor da reforma política com financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, da educação pública de qualidade, de fortalecimento de políticas públicas para a saúde e mobilidade. O PSOL é meio porque opera como instrumento para a sociedade alcançar determinados objetivos, mas é também um fim, isto é: precisa ser construído, precisa de permanentes atualizações, de cuidado consigo mesmo para seu pleno funcionamento democrático e libertário. Sendo assim, jamais será obra acabada e está em permanente processo de construção. Consideramos que a “forma” partido não é dicotômica com a “forma” movimentos sociais. Por isso, não concordamos com a apresada conclusão de determinados (as) companheiros (as) que diante do sentimento de perda desistiram da estratégica tarefa de edificar um partido em favor da classe trabalhadora e caíram ou no movimentismo ou vestiram o pijama mediante gigantesca desilusão com o PT. Neste sentido o PSOL se dispõe a ser um aconchegante abrigo para a esquerda brasileira.
E por isso afirmamos o PSOL como sendo um novo partido socialista em favor de uma nova política, essencialmente anticapitalista e radical na defesa dos direitos e interesses das classes trabalhadores e de todas as camadas e setores oprimidos na sociedade. Em síntese, para estes tempos de novos desafios após o transformismo político do que hoje já é uma velha esquerda, acomodada as benesses do estado, o PSOL é um partido indispensável e necessário!
*Afrânio Boppré – Economista, professor e secretário geral do PSOL
Artigo originalmente publicado na Edição Especial da Revista Caros Amigos – Dilemas e Desafios para a Esquerda Brasileira