Pronunciamento do deputado Ivan Valente no plenário da Câmara em 3/8/2011
“O governo apresentou, nesta semana, o Plano Brasil Maior, para, em tese, responder ao processo de enfraquecimento da indústria nacional. Considerando a importância dessa atividade para a geração de emprego e renda, cumpre reconhecer que é necessário um esforço de revitalização do setor e que o lançamento do Plano Brasil Maior traz o tema para o debate. Mas o Plano, na prática, é um paliativo industrial num País dirigido pelas finanças. Indo à fundo no problema, sabemos que não se trata de uma questão localizada ou conjuntural. Há anos a indústria vem perdendo seu papel dinamizador da atividade produtiva nacional, com todas as conhecidas consequências para o emprego e a organização trabalhista nacional.
Assim, discutir a retomada da indústria significa compreender a lógica que a levou a esse patamar onde se encontra hoje. Isto é, tem que passar por uma avaliação do próprio modelo de desenvolvimento assumido pelo país. Acontece que o plano não ataca exatamente a lógica do sistema econômico que levou ao enfraquecimento da indústria nacional. Não reduz os privilégios dos benefícios financeiros vigentes, ou seja, a hegemonia do capital financeiro e os brutais e siderais juros pagos à finança nacional e internacional, forçando a supervalorização do câmbio no nosso País com a entrada maciça de dólares.
Se quisermos alterar os rumos do desenvolvimento econômico, voltando a priorizar a indústria, não adianta atuar na periferia do sistema, é preciso atacar o centro dinâmico sobre a qual ele se sustenta. Isso é, precisamente, o que o Plano Brasil Maior apresentado pelo governo brasileiro neste último dia 2 de agosto não faz.
O Plano é apresentado como uma medida de incentivo ao crescimento industrial pautado pela máxima da inovação. “Inovação para competir, competir para crescer”. Mas os mecanismos apresentados pelo plano são frágeis tanto do ponto de vista da estruturação de uma verdadeira estratégia de inovação quanto da concepção do espaço privilegiado e das ferramentas necessárias para o incentivo ao crescimento industrial.
Com relação à inovação, as medidas concretas apresentadas pelo plano foram o direcionamento de uma verba de R$3,5 bilhões do BNDES para uma linha de Qualificação, que envolve o financiamento a escolas técnicas e programas de capacitação de mão-de-obra e outros R$2 bilhões para a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Excluídas essas iniciativas, o que existe é uma longa lista de intenções ligadas à modernização do INMETRO e ao aperfeiçoamento do marco regulatório para as atividades de inovação e tecnologia, sem parâmetros consistentes de avaliação e implementação.
Do ponto de vista do esforço orçamentário, o centro do plano segue uma lógica bastante diferente. Não se trata de uma mobilização inédita de recursos para a inovação, mas de um conhecido mecanismo de incentivo produtivo por meio de isenção fiscal e crédito subsidiado. O raciocínio econômico é antigo, e nos faz lembrar de velhas receitas da década de 60. Criam-se mecanismos de redução dos gastos tributários e barateamento do crédito para alguns setores específicos, na expectativa de que os menores custos possam ser traduzidos em menores preços para os produtos da indústria nacional elevando, com isso, a capacidade de competição dos manufaturados no mercado internacional e, eventualmente, o incentivo aos investimentos nesses setores.
O valor estimado da isenção fiscal pretendida com o Plano Brasil Maior, que se realizará principalmente em torno da exoneração da folha de pagamentos e do pagamento de compensações aos exportadores, é de R$24,5 bilhões. Em relação ao crédito subsidiado, a ponta de lança serão os desembolsos do BNDES através de diversos programas, alguns novos e outros já existentes, que juntos devem alcançar R$100 bilhões até 2012.
Mas, à diferença da década de 60, o plano não prioriza o benefício de indústrias nascentes, que precisam de estímulo para começar a dar seus primeiros passos. Os setores que receberão as isenções fiscais no Plano Brasil Maior não são novos e apresentam uma história recente bastante mais complicada. Eles são justamente os setores que hoje estão sendo prejudicados pelos problemas da valorização cambial, tanto com a perda de competitividade externa, quanto com o aumento da concorrência de importados no mercado nacional. Ou seja, é um plano para compensar um problema previamente estabelecido e não para impulsionar uma dinâmica industrial nova.
Consta, no entanto, que o fator que dá origem ao enfraquecimento industrial também já é um velho conhecido e faz parte, este sim, do centro dinâmico do modelo econômico nacional. Trata-se da política brasileira de manutenção de juros extremamente altos.
O pretenso plano de desenvolvimento industrial sofre, portanto, de um erro de concepção. Ele surge pra resolver um problema, mas não ataca a sua verdadeira causa. É claro que os setores diretamente beneficiados pelas isenções e facilitações de crédito poderão respirar um pouco mais aliviados. Mas os mecanismos são de curto prazo – a maioria será feita a título de projeto piloto e está prevista para durar apenas até dezembro de 2012 – e os desdobramentos sobre as contas públicas podem acabar levando a resultados de médio prazo ainda piores do que os atuais.
A queda da receita do Estado resultante das isenções fiscais terá que ser compensada de alguma maneira. Pelo plano, as isenções sobre a folha de pagamento referentes ao INSS, que caem de 20% para 0% nos setores de confecções, calçados, móveis e software, terão como contrapartida o pagamento de um imposto que varia de 1,5% a 2,5% sobre o faturamento. Caso a receita obtida não compense as perdas, o Tesouro Nacional se responsabilizará pelo pagamento adicional da previdência. Já as isenções ao setor exportador serão feitas mediante devolução em dinheiro, estimadas em R$ 4 bilhões anuais. Do ponto de vista das iniciativas vinculadas à expansão do financiamento do BNDES, a intenção é diversificar as carteiras de crédito com juros baixos, inferiores à Selic, e cobrir a diferença com a emissão de títulos públicos do Tesouro. Ou seja, no limite das principais estratégias do plano, está a equivocada opção pela expansão da dívida pública.
Como é sabido, o aumento da dívida pública é a principal justificativa para a elevação das taxas de juros. Isto é, voltamos ao início do problema. As taxas de juros sobem ainda mais, há entrada massiva de capitais, perpetuam-se as pressões pela valorização cambial e, com elas, o peso negativo sobre a indústria nacional. Não há no plano nenhuma alteração capaz de romper o ciclo vicioso das finanças que estrangula a economia brasileira. Como o governo poderia então evitar essas consequências? Apenas duas alternativas parecem constar na agenda do Planalto.
A primeira delas, e provavelmente a que mais agradaria o mercado, seria a opção por uma redução significativa dos gastos públicos, o que, pelo perfil do que está sendo construído, poderia se traduzir numa pressão pela diminuição do gasto previdenciário. Teríamos como resultado o clássico modelo neoliberal de buscar competitividade por meio da redução de direitos trabalhistas. Não é de se espantar que as centrais sindicais não tenham sido chamadas a participar da elaboração do plano.
A segunda alternativa seria que o crescimento econômico decorrente da aplicação do Plano Brasil Maior permitisse um aumento da arrecadação do Estado mais do que proporcional à perda de receita em razão das isenções e dos juros subsidiados. Como parte importante dos incentivos se destina às vendas externas, teríamos que contar com que o boom chinês não passasse por nenhum percalço e que a situação nos Estados Unidos e na Europa não provocassem uma desaceleração da economia mundial maior do que a que vemos hoje. Cenários pouco prováveis.
A grande questão é que o Plano Brasil Maior quer desenvolver a indústria nacional sem reduzir os privilégios dos benefícios financeiros vigentes no país, leia-se, juros altos, e sem alterar a prioridade exportadora da pauta econômica. Mas essa estrutura é justamente a razão pela qual a indústria tem perdido sua capacidade de crescimento nos últimos anos. É possível compensá-la perifericamente. Mas o efetivo desenvolvimento industrial exige uma mudança de rumos econômico muito mais estrutural, que busque dar centralidade ao desenvolvimento do mercado interno e prioridade às atividades geradoras de emprego e renda. Mas, para isso, a alta remuneração das finanças deve sair do centro dinâmico nacional. Mas não é este o caminho do governo.
Nós, do PSOL, entendemos que a política apresentada é apenas uma compensação periférica. Ela não ataca a base real do enfraquecimento do setor industrial brasileiro, com a criação de mercado interno e priorização de atividades geradoras de emprego.
Muito obrigado.”
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP