Segundo carta assinada pelo vereador do partido Agnaldo Timóteo, membros do PR, incluindo o deputado federal Valdemar Costa Neto, teriam cobrado R$ 300 mil mensais de administrador da Feira da Madrugada, complexo que reúne 5 mil comerciantes em terreno sob posse do Ministério dos Transportes até 2010
O deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP) protolou nesta quarta-feira (20/07), junto ao Ministério Público Federal em São Paulo, um pedido de investigação criminal de agentes políticos e servidores públicos suspeitos de corrupção passiva na chamada Feira da Madrugada, complexo comercial de São Paulo, que reúne mais de 5 mil vendedores no centro da cidade. No início da semana, o deputado teve acesso a uma carta assinada pelo vereador de São Paulo Agnaldo Timoteo (PR) com sérios indícios de cobrança de propina por parte de membros do Partido da República, com o conhecimento do deputado federal Valdemar Costa Neto (PR/SP).
Na carta, datada de 31 de março deste ano e cujo original está registrado no 10o Cartório de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo, o vereador diz que integrantes do PR teriam cobrado R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) por mês de Geraldo de Souza Amorim, sócio da empresa GSA Administração e Organização de Feiras e Eventos, administrador da Feira da Madrugada até março de 2010, a quem a carta é direcionada.
No documento, o vereador relata sua ajuda a Amorim, dizendo que chegou a levá-lo até o Prefeito Kassab e ao “nosso Ministro”, que, subentende-se, seria o então Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, do PR. Na ocasião, o terreno onde funciona a Feira da Madrugada estava sob posse da Intervenança da extinta RFFSA, subordinada ao Ministério dos Transportes.
Segundo denúncia recebida pelo Mandato do Deputado Federal Ivan Valente, a recusa de Geraldo Amorim em pagar os R$ 300 mil mensais ao PR teria originado uma ação de reintegração de posse da área por parte da União. No dia 27 de abril, a GSA cumpriu a liminar de reintegração e a área passou a ser administrada diretamente pela Intervenança da RFFSA.
“Ao se analisar o inteiro teor da carta, é possível chegar à conclusão de que havia um esquema de cobrança de propina, do qual participavam membros do PR, com o conhecimento e possível participação do Deputado Federal Valdemar Costa Neto”, afirma Ivan Valente. “O vereador Agnaldo Timóteo escreve que “peitar o Valdemar” teria ajudado Amorim a perder sua galinha dos ovos de ouro, ou seja, a administração da Feira da Madrugada”, explica o parlamentar do PSOL.
Condomínio “fantasma”
A representação entregue ao Ministério Público Federal também relata denúncias de uma cobrança ilegal de taxas de administração da Feira da Madrugada que seria feita atualmente aos comerciantes. Em maio de 2010, a União obteve a posse do terreno do Pátio do Pari e a transferiu, provisoriamente, à Prefeitura de São Paulo meses depois, em novembro do mesmo ano. Desde esta época, o “Condomínio” Complexo Novo Oriente, administrado por Ailton Vicente de Oliveira, administraria ilegalmente – sem qualquer contrato com o poder público – a Feira da Madrugada, cobrando dos comerciantes taxas mensais de cerca de R$300. O destino dos recursos é desconhecido.
“Ou seja, além de propina, haveria a cobrança de taxas ilegais dos comerciantes que trabalham num espaço administrado oficialmente pela Prefeitura de São Paulo. Pedimos que o Ministério Público Federal apure essas informações, incluindo a responsabilidade da gestão Kassab neste processo; a relação da troca de gestão da Feira com as denúncias de corrupção passiva praticadas por integrantes do PR; e a responsabilidade do Ministério dos Transportes, que deteve a posse do terreno de maio a novembro de 2010 e não regularizou o uso do espaço. Pelo contrário, em vez de licitar o uso do Pátio do Pari, a Inventariança da RFFSA colocou Ailton Vicente de Oliveira para administrar a Feira da Madrugada, o mesmo que hoje seria o responsável por essa cobrança ilegal dos comerciantes”, disse Ivan Valente.
Veja abaixo matéria publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo sobre o assunto
Em carta, vereador liga PR a cobrança de propina em SP
Após rompimento com aliado, Agnaldo Timóteo relata suposto esquema em feira de ambulantes e cita Valdemar
Administrador da feira e deputado negam a cobrança de propina; vereador paulistano se recusa a falar do caso
VERA MAGALHÃES
DANIELA LIMA
DE SÃO PAULO
O vereador Agnaldo Timóteo (PR) mandou carta em papel timbrado da Câmara Municipal de São Paulo a um antigo aliado em que menciona cobrança de propina por “oportunistas” de seu partido e cita o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP).
Na carta, Timóteo se explica por ter demitido de seu gabinete a filha de Geraldo de Souza Amorim, a quem diz ter “levado” a reuniões com o prefeito Gilberto Kassab e o ex-ministro Alfredo Nascimento (Transportes), do PR.
“Você se lembra, Geraldo, que os oportunistas do meu partido te exigiram R$ 300.000,00 mensais? E eu pergunto: te pedi alguma coisa para levá-lo ao nosso ministro? Pedi alguma coisa para levá-lo à mesa do prefeito Kassab?”, diz a carta, que foi registrada e teve firma reconhecida pelo 3º Tabelião de Notas de São Paulo.
Geraldo de Souza Amorim era sócio da GSA, empresa que em 2004 obteve da RFFSA (Rede Ferroviária Federal) autorização para instalar, em terreno da antiga estatal, a Feira da Madrugada, que reúne ambulantes no bairro do Pari (centro de SP).
A carta de Agnaldo Timóteo é a base de representação protocolada ontem no Ministério Público Federal em São Paulo pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
Ele pede a investigação de supostas práticas de improbidade administrativa, cobrança de propina e enriquecimento ilícito por parte de políticos do PR e de grupos rivais de comerciantes da feira.
A GSA foi alijada da administração informal da Feira da Madrugada em 2010. Logo depois, há indícios de rompimento do empresário com Agnaldo Timóteo, de quem era aliado. Na carta, o vereador do PR agradece as “coisas boas” que o antigo aliado lhe proporcionou.
No fim, Timóteo lamenta o rompimento: “Os maus conselheiros te levaram a peitar o Waldemar [sic] e, lamentavelmente, te ajudaram a perder sua galinha com ovos de ouro. Que pena!”
Comerciantes ouvidos pela Folha confirmaram que o Valdemar mencionado na carta é o deputado Valdemar Costa Neto, que, depois da saída da GSA, teria passado a negociar com o grupo que passou a administrar a feira, coordenado pelo advogado Ailton Vicente de Oliveira.
Tanto Valdemar quanto Oliveira negaram cobrança de propina. Agnaldo Timóteo se recusou a comentar o caso.
TAXA ILEGAL
O terreno federal em que funciona a feira passou a ser administrado pela Prefeitura de São Paulo, que, em dezembro de 2010, publicou portaria no “Diário Oficial do Município” em que proíbe a cobrança de taxa por parte dos administradores.
Mas recibos obtidos pela Folha mostram que continua havendo a cobrança de uma taxa de condomínio de R$ 300 pela empresa Novo Oriente, de Ailton Oliveira.
“A carta e os demais documentos que obtivemos são muito esclarecedores do esquema de propinas, chantagens e pressões que existe nessa feira”, afirma o deputado Ivan Valente.
“Tanto que eles conseguem arrecadar uma taxa, apesar da clara ilegalidade”, conclui o congressista.
Folha de S. Paulo – 21/7/2011