Entrevista Michael Löwy:
“A ‘flexibilização’ do código florestal é um bom exemplo desta avidez do lucro que ameaça levar à destruição da floresta Amazônica”
Por Débora Prado – Revista Caros Amigos
Nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, o sociólogo Michael Löwy vive em Paris desde 1969. Autor de diversos livros, é organizador do livro Revoluções (Boitempo, 2009), que inspirou a multi-exposição Revoluções, aberta ao público até 03/07, no Sesc Pinheiros, em São Paulo. Nesta entrevista ao site da Caros Amigos, ele avalia o potencial revolucionário de movimentos latino-americanos e das revoltas no mundo árabe, comenta a flexibilização do código florestal brasileiro, o assassinato de militantes do campo e as grandes obras hidrelétricas. Confira.
Caros Amigos – No projeto Revoluções, o sr. afirma que as revoluções nunca se repetem e, por mais que se possa aprender com as anteriores, sempre há um processo de inovação que é imprevisível. O sr. diria que há um processo de inovação na América Latina? Existe uma revolução bolivariana em curso?
Michael Löwy – Existem hoje em dia na América Latina vários movimentos sócio-políticos com vocação revolucionária. O exemplo mais evidente é o Exercito Zapatista de Libertação Nacional, que mostrou uma notável capacidade de inovação, com várias iniciativas que tiveram repercussão internacional. Basta mencionar a Conferência Intergalactica de Chiapas em 1996, que foi o ponto de partida do movimento altermundialista. Outros movimentos com capacidade de inovação são os piqueteiros e as ocupaçôes de fabrica na Argentina, os movimentos indigenistas, em particular na região andina e o MST brasileiro.
Existem também governos com um programa de ruptura com a oligarquia, com a dominação imperialista e com o neo-liberalismo, mas é cedo ainda para se falar em « revolução ». O exemplo mais interessante é no momento a Bolivia de Evo Morales ; o processo bolivariano da Venezuela com Chavez, e a « revolução cidadã » de Rafael Corrêa no Equador são mais contraditórios, com avanços e recuos.
Caros Amigos – As transformações no mundo árabe podem ser entendidas como o começo de uma revolução? Por que?
Sem dúvida assistimos na Tunísia e no Egito a uma autêntica revolução democrática e popular, derrubando regimes ditatoriais corruptos e opressores. É um belo exemplo de inovação, as formas de luta e de auto-organização são inéditas e inesperadas. Da capacidade dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, de se organizarem de forma autônoma vai depender o futuro deste processo e o seu caráter revolucionário. Caros Amigos – Como a comunidade europeia tem encarado as transformações no mundo árabe?
Os dirigentes da comunidade européia manifestaram perplexidade diante destes movimentos, já que tinham, ja ha muitos anos, propiciado apoio político, econômico e militar a estas ditaduras do mundo árabe. No momento, sua maior preocupação é impedir o afluxo de imigrantes da África do Norte na Europa, intensificando o controle policial nas fronteiras. Caros Amigos- Em maio, é aniversário da Comuna de Paris. Como a Comuna influenciou a Europa? E a América Latina?
Precisaria de um livro inteiro para responder à esta pergunta… Todos os movimentos revolucionários do século 20, à começar pela Revolução Russa, foram influenciados pela Comuna de Paris. Hoje em dia se observa, na Europa e talvez em outros continentes, um interesse renovado pela Comuna de 1871, pelo seu caráter profundamente democrático, pluralista, libertário e internacionalista.
Caros Amigos – Nas últimas semanas, a proposta de flexibilização do código florestal causou polêmica no Brasil. Você avalia que seja possível promover uma exploração capitalista sustentável, como pregam os defensores do novo código?
Um “capitalismo sustentável” é tão provável como um crocodilo vegetariano… A lógica intrinsecamente perversa de expansão ilimitada e de acumulação infinita do capital conduz inevitavelmente à destruição do meio ambiente e à catástrofes ecológicas como o aquecimento global. A “flexibilização” do código florestal é um bom exemplo desta avidez do lucro que ameaça levar à destruição da floresta Amazônica, um desastre de proporções planetárias. São os mesmos que mataram Chico Mendes e Dorothea Stang, e mais recentemente o casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva: todo e qualquer obstáculo à exploraçâo/destruição da floresta tem de ser eliminado…
Caros Amigos – A preservação ambiental precisa ser colocada no centro das plataformas de transformações sociais? Por que?
Porque as condições de vida, a saúde e a própria sobrevivência da população depende de se preservar os equilíbrio ecológicos. Todo programa de transformação social ou de luta contra o neoliberalismo tem portanto de incluir a questão ecológica como um aspecto essencial. Se deixarmos que continue o « business as usual », dentro de dez, vinte ou trinta anos sofreremos as dramáticas consequências da mudança climática. De fato, desde ja se fazem sentir os primeiros efeitos do aquecimento global, com a ameaça da sequia que pesa sobre a Europa, a África e outros continentes. Por isto somos muitos a colocar como horizonte histórico da luta pela transformação social o ecosocialismo, a síntese dialética entre a revolução social e a ecologia.
Caros Amigos – O sr. avalia que Brasil tem priorizado grandes obras – como novas centrais nucleares e mega hidrelétricas – a agenda ambiental? Se sim, que riscos isto representa?
A energia hidrelétrica deve ser utilizada, mas não desta forma, com megaprojetos (Belo Monte!) a serviço da indústria de exportação de alumínio, destruindo imensas áreas de vegetação. É pena que o governo brasileiro, em vez destes projetos faraônicos – que vem da época da ditadura militar – de centrais nucleares e mega-hidrelétricas, com consequências ambientais profundamente negativas, não desenvolve as energias alternativas, eólica, solar. Não falta sol no Brasil, o pais poderia ser um dos pioneiros mundiais no campo da energia solar.
* Fotos: Divulgação Boitempo Editorial