Pronunciamento do deputado Ivan Valente
“Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados,
A Comissão Pastoral da Terra entregou ontem ao governo federal uma lista com o nome de 1.855 trabalhadores do campo que sofreram algum tipo de ameaça de morte ou sobreviveram a atentados violentos no país entre os anos de 2000 a 2010. Foi entregue ainda uma segunda lista, com o nome de 200 pessoas ameaçadas mais de uma vez. Outras 30 sofreram tentativa de assassinato. As listas mostram o quadro de total insegurança que vem sofrendo os trabalhadores do campo e ambientalistas que vivem no norte do país. Um quadro denunciado sistematicamente por organizações e movimentos populares que atuam na região, mas que só se tornou “notícia nacional” quando quatro pessoas – três no Pará e uma em Rondônia – foram assassinadas em menos de uma semana.
A Comissão Pastoral da Terra, desde 1985, presta um serviço à sociedade brasileira registrando e divulgando um relatório anual dos conflitos no campo e das violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras, com destaque para os assassinatos e ameaças de morte. Desde 2001, a CPT registrou entre os ameaçados de morte o nome de José Claudio. Seu nome aparece nos relatórios de 2001, 2002 e 2009. E nos relatórios de 2004, 2005 e 2010 constam o nome dele e de sua esposa, Maria do Espírito Santo.
Também o nome de Adelino Ramos, assassinado na semana passada, em Vista Alegre do Abunã, Rondônia, constou da lista de ameaçados de 2008. Em 22 de julho de 2010, Adelino participou de audiência pública em Manaus e denunciou as ameaças que vinha sofrendo constantemente, inclusive citando nomes dos responsáveis pelas ameaças. De nada adiantou o alerta. Em seu velório, homens armados em um carro apareceram para intimidar os presentes. Sua família está amedrontada, sentindo-se totalmente insegura, acuada por pistoleiros e ainda sem a proteção da Polícia Federal.
No dia 29 de abril de 2010, a CPT entregou ao Ministério da Justiça os dados dos conflitos e da violência no campo, compilados nos relatórios anuais divulgados pela pastoral desde 1985. Até 2010, foram assassinadas 1580 pessoas, em 1186 ocorrências. Destas somente 91 foram a julgamento com a condenação de apenas 21 mandantes e 73 executores. Dos mandantes condenados somente Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Irmã Dorothy Stang, continua preso.
O Massacre de Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, que matou 19 sem-terra e deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar, completou 15 anos agora em abril. Os responsáveis políticos pelo massacre, o governador Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Câmara, sequer foram indiciados. A Justiça continua protegendo o direito de poucos e deixando impunes o assassinato de muitos. É rápida para ordenar uma desocução de terra, mas incapaz de condenar o mandante de um crime quando as vítimas são os trabalhadores e trabalhadoras do campo.
A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, admitiu ontem que o governo não tem condições de proteger todos que sofreram ameaças, mas prometeu mapear as situações mais graves. Mas essas situações já estão mapeadas! Todos os meses um trabalhador rural, indígena, ribeirinho, quilombola, camponês é morto na Amazônia. Alguns casos ganham repercussão, mas a esmagadora maioria continua invisível.
O problema é que não basta investigar as mortes no campo e buscar punir os responsáveis pela violência. Intensificar a fiscalização e o controle e investigar as ameças é importante, mas cabe ao Estado brasileiro, de uma vez por todas, implementar políticas de longo prazo que permitam atacar, na raiz, as causas da violência no campo. Senão ficaremos enxugando gelo, e o Estado continuará cúmplice por inação dessa violência. O governo anunciou que vai formar uma comissão para analisar o assunto. Mas as causas da violência no campo são conhecidas há muito tempo. Essas mortes foram anunciadas, e o Estado foi omisso em proteger essas vidas.
As mortes no campo, Senhor Presidente, são resultado de um modelo de desenvolvimento concentrador, excludente, que privilegia o grande produtor e a monocultura, em detrimento dos pequenos. É este modelo que esta Casa quer fortalecer, inclusive, ao aprovar as mudanças no Código Florestal. É um modelo que rasga nossa legislação ambiental, ainda em vigor; que fomenta a grilagem de terras; que utiliza mão-de-obra em condições análogas à da escravidão; que vaia quando o assassinato de um casal de trabalhadores é anunciado nesta tribuna. A que ponto chegamos…
A verdade é que a violência na Amazônia é uma questão econômica, que enriquece muita gente. Gente que elege seus representantes no Congresso Nacional e que ocupa postos importantes no governo federal, para garantir que tudo permaneça como está. Haverá algum debate, podemos ver surgir um novo “plano de ação” e, quem sabe, com muita sorte, alguém seja indiciado pelas quatro mortes da última semana. Mas a violência continuará se a reforma agrária não for feita, se as terras indígenas não forem demarcadas, se os territórios quilombolas não forem regularizados, se não houver limites para a ação das madeireiras, se a floresta Amazônica não for protegida de fato.
Só a ação repressiva não vai resolver, e o governo federal sabe disso. Mas não está disposto a mudar este modelo, que, por trás do discurso de desenvolvimento econômico, destrói a natureza e ceifa vidas. Vimos o que aconteceu nesta Casa durante as discussões sobre o Código Florestal. A Câmara dos Deputados aprovou não apenas uma licença para desmatar, mas deu mais combustível para a violência no campo e nas florestas. Como bem disse a CPT, em recente nota divulgada, “na Amazônia matar e desmatar andam juntos”.
O Brasil precisa ter a coragem de colocar o dedo na ferida e enfrentar de forma eficaz essa realidade. É uma tarefa do Poder Executivo, do Judiciário e do Legislativo. Da nossa parte, seguiremos trabalhando pela aprovação de leis que avancem – e não retrocedam, como aconteceu com o Código Florestal – neste sentido. Mas também denunciaremos e cobraremos do governo federal e da Justiça brasileira que ajam com rigor, independentemente dos interesses poderosos que tenham que ser enfrentados.
Toda a nossa solidariedade e apoio às famílias das vítimas da violência no campo. E nosso compromisso de luta para transformar essa realidade.
Muito obrigado.”
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP
Plenário da Câmara dos Deputados – 1/6/2011