Após a publicação do artigo do deputado federal Ivan Valente – Código Florestal: a pressa é inimiga do futuro (Folha de S. Paulo – 9/5/2011), o deputado Aldo Rebelo tentou desqualificar o artigo do Ivan em carta enviada ao Painel do Leitor, veja abaixo a resposta do deputado do PSOL aos “erros” aritméticos do Aldo negócio
Código Florestal
O deputado Aldo Rebelo (“Painel do Leitor”, 10/5) mais uma vez erra na aritmética para defender mudanças no Código Florestal. A afirmação que fiz de que poderá haver desmatamento de até 70 milhões de hectares caso o código seja alterado considera estudo do Ministério Público Federal -segundo o qual, apenas no Norte, a exclusão de quatro módulos fiscais no cômputo da reserva legal liberaria 71 milhões de hectares- e documento do Observatório do Clima em que se diz que a dispensa de recompor a reserva legal em áreas equivalentes geraria desflorestamento de 69 milhões de hectares.
O valor citado por Aldo corresponde, na verdade, apenas à área da agricultura familiar (Censo Agropecuário do IBGE de 2006). Mas sua proposta prevê mudanças para todas as propriedades. As contas não são simples como o deputado supõe.
Em vez de debater só com o agronegócio, Aldo precisa ouvir o Incra, o Ministério Público e a comunidade científica. Não pode brincar com os números e com o futuro das gerações.
IVAN VALENTE, deputado pelo PSOL (São Paulo, SP)
Painel do Leitor – Folha de S. Paulo – 11/5/2011
Código Florestal
O artigo do deputado Ivan Valente “Código Florestal: pressa é inimiga do futuro” (“Tendências/Debates”, ontem) colhe projeções onde não semeou fatos.
Sugere que a isenção da reserva legal para propriedades de até quatro módulos, que eu defendo, aumentará o desmatamento em “até 70 milhões de hectares”.
A aritmética quer saber como.
A área total dessas propriedades é de 80,2 milhões de hectares, segundo o IBGE. Se existissem 70 milhões de hectares de mata para derrubar, eles representariam cobertura vegetal de 87%, superior à reserva exigida para a Amazônia, que é de 80%.
A maioria das pequenas propriedades está sujeita a uma reserva de 20%. Pelo artigo, em vez de terras em uso há séculos, existiriam nestas áreas verdejantes parques florestais. O articulista parece seguir aquela orientação caipira: “Chuta pro mato, que o jogo é de campeonato”.
ALDO REBELO, deputado do PC do B e relator da reforma do Código Florestal (Brasília, DF)
Código Florestal: pressa é inimiga do futuro
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo – 9/5/2011
IVAN VALENTE
A tentativa de flexibilização da legislação ambiental dará a Estados e municípios uma autonomia que trabalha a favor do agronegócio do país
O projeto do novo Código Florestal, se aprovado, significará um brutal retrocesso na proteção do meio ambiente e da biodiversidade.
Basta olhar para o resultado da ocupação irregular das áreas de preservação permanente (APPs) nas tragédias no Rio de Janeiro para ter a dimensão da irresponsabilidade de reduzir tais áreas, como defende o relatório de Aldo Rebelo.
O projeto também sobrepõe as APPs à reserva legal, porção de terra de mata nativa, ignorando que cada uma cumpre funções específicas, que valorizam a propriedade.
Segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sua preservação possibilitaria inclusive aumento na produtividade agrícola. Nas plantações de soja, a produção poderia ser até 50% maior com a ajuda da polinização.
As propriedades rurais de até quatro módulos fiscais -90% dos imóveis rurais do Brasil- também ficam desobrigadas de recompor a área de reserva legal, aumentando o desmatamento em até 70 milhões de hectares. O impacto é altamente negativo, sobretudo para o efeito estufa, cuja redução está entre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Para os ruralistas, ampliar a competição internacional justificaria a ocupação de todas essas áreas.
Inúmeras pesquisas demonstram, no entanto, que, sem ferir a legislação e as florestas, há terras e técnicas de produtividade suficientes para elevar a produção.
Na votação do relatório na comissão especial, todas as entidades representantes da pequena propriedade e da agricultura familiar se posicionaram contra as mudanças. Sabem que o grande agronegócio exportador é o maior interessado na alteração do Código Florestal e que, na realidade, os grandes proprietários se arrogam a falar em nome dos pequenos.
O texto reformulado também anistia os desmatadores que cometeram infrações até julho de 2008.
Argumenta-se que 90% das propriedades estão irregulares, mas há uma questão pedagógica em jogo.
Desde 1999, está em vigor a Lei de Crimes Ambientais, e a legislação já concede o prazo de 30 anos para uma propriedade recuperar o que devastou. O constante desrespeito ao Código vigente se dá pela certeza da impunidade.
O Estado deveria, ao contrário, estimular a recomposição das áreas e recompensar a preservação com o pagamento de serviços ambientais à agricultura familiar.
A tentativa de flexibilização da legislação ambiental nacional dará ainda a Estados e municípios uma superautonomia, que trabalha a favor do agronegócio e da especulação imobiliária nas cidades.
A questão é complexa e merece ser melhor analisada, como pediram o Ministério Público, a OAB e a SBPC. A tramitação açodada do texto, à luz da pressão de interesses imediatistas, significa negar o direito à participação da população em uma discussão que interessa a todos e que pode comprometer o futuro de inúmeras gerações.
IVAN VALENTE, engenheiro mecânico, é deputado federal pelo PSOL-SP e membro da Frente Parlamentar Ambientalista.Foi relator na Câmara de Negociação do Código Florestal.