Nesta terça-feira (10), a Câmara dos Deputados pode votar o projeto de novo Código Florestal, a partir de um relatório elaborado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP). No último sábado, no entanto, em São Paulo, 400 ativistas, de dezenas de organizações e movimentos sociais do campo e da cidade, além de intelectuais e cientistas, disseram não às mudanças defendidas pela bancada ruralista e o agronegócio na legislação ambiental. Até agora, governo federal e o relator do projeto não chegaram a um acordo sobre o texto final.
Jayme Vita Roso, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), comparou a resistência às alterações propostas de Aldo Rebelo no Código Florestal à luta dos setores progressistas contra projeto que permitia aos Estados Unidos utilizar a Base Militar de Alcântara, no Maranhão. O projeto, que saiu da pauta no começo do governo Lula, era considerado uma ameaça à soberania nacional e, pela localização estratégica, a entrega da Amazônia aos Estados Unidos.
A militante ambientalista e ex-senadora Marina Silva (PV) afirmou que “em lugar de andar para frente, estamos andando pra trás” com essa discussão imposta pelo agronegócio. “Não podemos deixar que meia dúzia de atrasados monopolizar o debate”, afirmou.
Segundo ela, o relatório do Aldo vai contra os anseios da população. Para corrigir os problemas do texto, ela pediu mais tempo para a votação do relatório. “O adiamento é para que se possa propor o debate e para apresentar as propostas para corrigir o texto equivocado, no meu entendimento, que foi apresentado”, disse Marina.
A atriz Letícia Sabatela, do Movimento Humanos Direitos, afirmou que a proposta de Aldo Rebelo “é uma tremenda cara de pau”. Para ela, os setores que defendem as mudanças no Código Florestal são os mesmos que impedem a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo, que sugere que as áreas onde se explora mão de obra escrava sejam destinadas à Reforma Agrária.
Pressão do agronegócio
O “setor produtivo”, como se autodenominam os representantes do agronegócio, quer aprovar as mudanças o mais rápido possível, aproveitando do pouco conhecimento na sociedade sobre o tema. Apesar de ser do interesse de qualquer cidadão, pois trata-se da segurança alimentar e da defesa da vida no planeta, poucos sabem da existência dessa lei, sobretudo os habitantes das regiões urbanas, mais de 80% da população brasileira.
“Discriminada e criminalizada”, como disse Benedito Roberto Barbosa, da Central de Movimentos Populares, a população pobre das periferias das grandes cidades nem imagina o que o código florestal tem a ver com suas vidas, e alguns vem sofrendo processos por crimes ambientais. “O código não dialoga com as milhares de pessoas que estão morando inadequadamente, o Ministério das Cidades fez pouco debate sobre o terrível quadro da questão urbana”. Há cem mil desabrigados hoje no país, devido às enchentes e desabamentos de morros.
A secretária de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmem Foro, avalia que é urgente a sociedade brasileira fazer o enfrentamento aos interesses das grandes empresas transnacionais da agricultura. “Não há necessidade de flexibilização do Código Florestal. Se não nos organizarmos, os interesses do agronegócio se sobrepõem às nossas vidas”, acredita.
“Vamos batalhar para manter o Código e fazer valer”, disse Geraldo José da Silva, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetraf). Ele afirmou que o agronegócio já não cumpre a lei vigente e, com a flexibilização, “não vão deixar uma árvore em pé”.
Sérgio Leitão, diretor do Greenpeace Brasil, lembrou que o relatório “interessa às grandes multinacionais que dominam a agricultura no Brasil”. Segundo ele, a flexibilização da lei ambiental é a reforma “abre alas” de uma série de mudanças que o agronegócio pretende fazer.
Na pauta, está o fim da diferenciação de grande e pequena agricultura, a desregulamentação da lei trabalhista, o fim dos índices de produtividade e a revogação de medidas que limitam a atuação do capital estrangeiro na agricultura e na compra de terras.
Para João Pedro Stedile, da coordenação da Via Campesina Brasil e do MST, a legislação ambiental é um “obstáculo” para a ofensiva das empresas transnacionais, do capital financeiro e dos fazendeiros capitalistas, que passaram a dominar a agricultura brasileira no governo FHC. Os objetivos centrais do agronegócio, de acordo com Stedile, são garantir a anistia financeira e criminal para os latifundiários que desmataram e desrespeitaram a lei, acabar com a Reserva Legal e abrir a fronteira agrícola para as empresas de papel e celulose.
“O Código Florestal é uma das leis mais importantes para o país”, opinou Luiz Zarref, da Via Campesina Brasil. Condenando o “ambientalismo conservador que separa o ser humano da natureza”, o engenheiro agrônomo também discorreu sobre as lutas progressistas que construíram esse código, onde a “propriedade privada deve submeter-se ao interesse da nação”. Mas a reserva legal não é respeitada pelo agronegócio, “que quer derrotar a função social da propriedade”, diz Zarref, “a reserva florestal foi alienada dos produtos agrícolas, e pode ser usada produtivamente sem se desmatar nada”.
Correlação de forças no Congresso
Dos 21 partidos com representação na Câmara, apenas o PSOL, PV e PT defendem a necessidade de mais tempo para a discussão do Código Florestal com a sociedade. Segundo o deputado federal Paulo Teixeira, líder do PT na Câmara, a bancada do partido votou favorável ao regime de urgência para não se isolar da conjunto da base do governo e manter influência sobre a discussão. “O debate é o governo centralizar a base, não a base centralizar o governo”, avalia. Ele não está confiante na votação do projeto nesta semana. “O governo só aceitará um relatório equilibrado e que não viole as leis ambientais. Caso isso não ocorra, não dá pra votar”, garantiu o deputado.
O deputado federal Ivan Valente reforçou a importância do relatório Aldo Rebelo não ser votado. Para ele, é fundamental uma discussão maior da sociedade, porque esse tema não está relacionado apenas aos atores do meio rural, mas é de interesse nacional e da sociedade brasileira, que está contra mudanças que contribuem com a ampliação do desmatamento.
“Este é um debate que divide e que tem lado. Do lado do agronegócio estão também os que votam pela grilagem de terras, usam trabalho escravo e a pistolagem no campo. Os meios de comunicação também tem lado, é só olhar os últimos artigos publicados na imprensa”. “Ficou claro que Aldo Rebelo foi o verniz necessário para dar uma conotação nacionalista a essa disputa, mas que modelo de desenvolvimento se está defendendo?”, questionou.
Luiz Antonio de Carvalho, assessor especial do Ministério do Meio Ambiente, afirmou que o governo não aceita a diminuição da Reserva Legal e das APPs, além da anistia aos desmatadores. Para isso, ele coloca a necessidade da discussão dos casos pontuais em que as APPs inviabilizam o pequeno agricultor para evitar que as exceções se tornem uma regra.
O governo teme a apresentação de emendas ao projeto, que abriria uma porta para que a bancada ruralista imponha medidas de interesse do agronegócio. “É o pior que pode acontecer, porque as emendas não virão a nosso favor. Elas virão em favor da anistia para a área rural consolidada, para massacrar, digamos assim, para demolir o conceito de reserva legal, e por aí vai. Vamos brigar para que se construa um consenso, inclusive com o deputado Aldo Rabelo, para que o projeto entre sem sofrer emendas lá dentro”, disse Carvalho.
Para João Pedro Stedile, “há forças e energia na sociedade para barrar as manipulações do poder econômico” neste debate. “Estamos esperançosos que se crie um clima na sociedade para que a Câmara vete essa proposta. Se não, que o Senado vete ou a presidenta Dilma vete”. O dirigente do MST propôs também a convocação de um plebiscito nacional para que a população participe e opine sobre as mudanças no Código Florestal. “O povo tem que dizer se é a favor do desmatamento ou não”, disse.
Manifesto
Ao final do seminário, foi aprovado um manifesto pelas organizações e movimentos presentes. O texto (abaixo) está aberto a adesões no site. Assinaturas podem ser feitas no site http://emdefesadocodigoflorestal.blogspot.com/
O teólogo Leonardo Boff, enviou mensagem ao seminário, concluindo que “a terra pode viver sem nós, e melhor; nós é que não podemos viver sem ela”.
* Com informações do site do MST e da Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada
* Fotos: Douglas Mansur
Manifesto contra as mudanças em discussão no Código Florestal
O Seminário Nacional sobre o Código Florestal, realizado em São Paulo no dia 7 de maio de 2011, reuniu 400 participantes de 50 entidades, movimentos populares, parlamentares, cientistas, acadêmicos e organizações sociais do campo e da cidade. Dessa ampla articulação, manifestamos nosso repúdio ao projeto de Lei 1876/99 e ao substitutivo apresentado pelo relator, deputado Aldo Rebelo, em trâmite na Câmara dos Deputados e que versa sobre alteração do Código Florestal.
O substitutivo apresentado pelo relator afronta princípios caros à sociedade brasileira, além de contrariar disposições da Constituição Federal. A intenção de desmonte e fragilização da legislação é evidente e somente a possibilidade de mudança no Código já esta causando o aumento da degradação ambiental.
Denunciamos a falta de participação e democracia em relação à forma como esse debate, que é de interesse nacional, vem sendo realizado. Ao contrário do que os defensores afirmam, o projeto e seu substitutivo não contemplam as demandas da agricultura familiar e camponesa, das populações tradicionais e quilombolas.
Do mesmo modo, não há respeito às especificidades das cidades brasileiras e não são incorporadas as propostas dos movimentos sociais urbanos, que defendem políticas de justiça social para a população de baixa renda, sempre exposta e marginalizada em áreas de maior risco. Tampouco estão presentes as contribuições e avanços da ciência com relação à possibilidade de maior aproveitamento sustentável do uso do solo.
Para construir uma política ambiental que leve em conta os interesses do povo brasileiro e das futuras gerações, é preciso mais tempo para que as questões controversas sejam amplamente debatidas e apropriadas pela sociedade de forma mais abrangente. Não aceitamos que mudanças de tamanha envergadura sejam votadas às pressas sem o necessário envolvimento de todos os setores envolvidos.
Na verdade, as mudanças propostas favorecem empreendimentos de interesse empresarial e não social, como a especulação imobiliária no campo e na cidade, o latifúndio, o agronegócio, as grandes empresas nacionais e estrangeiras, como a indústria de celulose e papel. A defesa dessa alteração só irá beneficiar os mesmo setores que perpetuam a prática do trabalho escravo e outras iniciativas que afrontam direitos humanos.
São estes interesses que defendem as alterações contidas no projeto, por exemplo, a suspensão das multas e anistia a crimes ambientais do latifúndio e do agronegócio, que avança de forma violenta sobre nossos bens naturais, assim como a isenção das reservas legais em qualquer propriedade.
As reservas legais são áreas que admitem exploração sustentável e assim devem ser mantidas. Somos contra a transformação de tais áreas em monocultivos de espécies exóticas. Consideramos necessário melhorar a fiscalização e denunciar o desmonte dos órgãos ambientais e, ao mesmo tempo, ter políticas de incentivo à recuperação das áreas degradadas. Não podemos retroceder.
É preciso estabelecer clara diferenciação entre a agricultura extensiva, de monocultivo para exportação, e a agricultura familiar e camponesa, responsável por 70% dos alimentos que vai para mesa dos brasileiros, segundo o censo do IBGE. Portanto, é preciso ter políticas para agricultura familiar e camponesa, que afirmam um projeto de agricultura no qual não há espaço para o agronegócio.
Precisamos reforçar uma política ambiental nacional, com maior apoio aos órgãos fiscalizadores, em vez de ceder às pressões das elites rurais para tirar essa competência da esfera federal. Nos manifestamos contra a flexibilização das áreas de preservação permanente nas áreas rurais, pois sem elas a própria agricultura estaria em risco. Defendemos uma ampla política de reforma agrária e urbana, a demarcação das áreas indígenas e a titulação dos territórios quilombolas, com proteção de nossas florestas, rios e biodiversidade. Denunciamos a repressão aos camponeses e as populações de baixa renda nas cidades.
O que está em jogo é o próprio modelo agrícola, ambiental e de uso do solo no Brasil, contra as propostas da bancada ruralista e do capital financeiro e especulativo. Defendemos que nossos bens naturais sejam preservados para todos os brasileiros, para garantir o próprio futuro da humanidade.
Esperamos que a presidenta Dilma mantenha seus compromissos de campanha no que toca à não flexibilização da legislação ambiental e nos comprometemos a apoiar e dar sustentação política na sociedade para enfrentar os interesses do agronegócio que vem buscando o desmonte da legislação ambiental. Conclamamos ao povo brasileiro a se somar nessa luta contra as mudanças no Código!
SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE O CÓDIGO FLORESTAL
São Paulo, 7 de maio de 2011