Por André Ferrari
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) sai do processo eleitoral de 2010 como a mais importante referência política de oposição de esquerda ao governo Dilma e ao lulismo.
A campanha presidencial de Plínio de Arruda Sampaio jogou um papel importante para resgatar temas centrais de luta dos movimentos sociais e da esquerda socialista. No espaço que o partido conquistou na campanha, Plínio defendeu a reforma agrária, denunciou a dívida pública como verdadeira “bolsa família” dos ricos e defendeu sua suspensão com auditoria, além de levantar uma clara defesa dos serviços públicos de educação e saúde, denunciar as privatizações e mostrar que o lulismo não se diferencia efetivamente do tucanato.
O PSOL também foi o único setor de oposição de esquerda ao governo federal que conseguiu eleger parlamentares em 2010. Foram três deputados federais, quatro deputados estaduais e um senador, pelo menos por enquanto. Se for possível reverter a semi-cassação do mandato de Marinor Brito do Pará pela decisão do STF em legitimar a candidatura do “ficha suja” Jader Barbalho, o PSOL poderá manter dois senadores.
Em algumas regiões, o PSOL foi um fator relevante no cenário político e conseguiu dialogar com amplos setores de massas. O destaque é sem dúvida o Rio de Janeiro. Apesar dos limites do partido e sua direção, algumas das mais importantes demandas dos movimentos populares encontraram em candidaturas do PSOL um canal de expressão. A luta contra a criminalização da pobreza e dos movimentos, a luta pela reforma urbana e pelos direitos sociais mais básicos puderam utilizar o PSOL como ferramenta.
Apesar de um cenário político geral adverso, marcado pelo relativo refluxo nas lutas de massas, ilusões no lulismo, pela falsa polarização entre PT e PSDB assim como a falsa novidade representada por Marina Silva, o PSOL conseguiu estabelecer algumas bases para o avanço da construção de uma oposição de esquerda efetiva no país. Mas, levar adiante essa tarefa no próximo período dependerá das avaliações e deliberações a serem definidas pelo III Congresso do partido no final desse ano.
Investir no fortalecimento das lutas dos trabalhadores
É verdade que o principal fator a definir os rumos do PSOL e da oposição de esquerda está relacionado às perspectivas para as lutas sociais. Sem o crescimento, generalização e unificação das mobilizações de trabalhadores, estudantes, sem-terra e demais setores atingidos pelas políticas neoliberais que o governo Dilma já começa a implementar, a tendência é que o espaço do PSOL fique restrito.
Porém, o partido pode e deve jogar um papel central no estímulo e fortalecimento das lutas sociais. O PSOL não é mero expectador desse processo.
Os mandatos parlamentares têm que estar integralmente a serviço das lutas concretas dos trabalhadores. Os militantes e dirigentes do PSOL devem trabalhar para enraizar o partido nos locais de trabalho, estudo, nos bairros e no campo, com uma perspectiva de organização para a luta. Da mesma forma, o PSOL deve estimular a reorganização do movimento sindical e popular.
A ameaça do eleitoralismo
Infelizmente, porém, o que vemos no interior do partido é o crescimento de uma visão e prática que subestimam as lutas diretas dos trabalhadores e jogam todas as fichas na disputa eleitoral de forma muitas vezes temerária.
Em 2010, essa visão eleitoralista foi derrotada no interior do partido com o fracasso da política de coligação do PSOL com o PV de Marina Silva e também com a derrota de Martiniano Cavalcanti na disputa sobre quem seria o candidato presidencial do partido.
Porém, ainda em 2010 tivemos situações inaceitáveis como, por exemplo, a participação do candidato a senador do PSOL no Amapá na campanha de candidatos da direita (PTB). Da mesma forma, o cálculo eleitoral desesperado levou o PSOL do Rio Grande do Sul a abrir mão de um candidato ao Senado para apoiar Paulo Paim do PT, o mesmo que recentemente, apesar de toda a demagogia, votou a favor do reajuste ridículo do salário-mínimo.
Antes mesmo de 2010, vimos coligações feitas com partidos da base governista ou legendas fisiológicas, como nas eleições de 2008. Em Porto Alegre, o PSOL coligou-se com o PV e ainda por cima aceitou receber recursos da Gerdau para a campanha eleitoral.
Internamente ao partido, a ânsia eleitoralista pode ser extremamente danosa à democracia interna. Mandatos parlamentares transformam-se em verdadeiros Olimpos de onde uma elite define políticas sem qualquer consulta ou debate nas bases.
O eleitoralismo também deforma e desconfigura a base militante do partido. Se o eleitoralismo prevalece, vale a filiação em massa, despolitizada e descomprometida com a construção partidária e as lutas dos trabalhadores. Essa base deformada acaba por resumir-se, no máximo, a um amontoado de cabos eleitorais e não um coletivo militante consciente e crítico, capaz de atuar e pensar por conta própria.
O crescimento orgânico do PSOL tem que se dar principalmente com base no recrutamento ao partido dos melhores ativistas dos movimentos e lutas sociais. Essa base orgânica sólida é que permitirá ao partido influenciar politicamente setores muito mais amplos do povo. A ausência de um partido de militantes ativos e organizados, faz do PSOL refém dos interesses eleitorais.
Crise do PSOL em São Paulo
A crise que estamos observando no PSOL de São Paulo reflete a hegemonia eleitoralista no partido de conjunto. A tentativa de um setor ligado ao deputado estadual Carlos Giannazi, em ação coordenada com a corrente MES, de filiar mais de 700 pessoas ao partido sem nenhum critério de militância ou qualquer base política mais sólida, representa um passo qualitativo para trás.
O problema é que alguns dos setores que hoje questionam essa prática, no caso a corrente majoritária em São Paulo (APS), ajudaram a diluir o caráter militante do partido nos últimos anos. A praticamente total ausência de critérios para a participação de filiados na eleição de delegados aos Congressos não foi uma política exclusiva de Giannazi e do MES.
A descaracterização progressiva do PSOL como partido de lutadores da classe trabalhadora e de militantes socialistas é resultado da política dos setores majoritários. A única forma de cortar pela raiz práticas como a que se tenta implementar em São Paulo é revertendo radicalmente a política majoritária.
Rupturas com o partido
Recentemente setores organizados romperam com o partido em estados como Maranhão e Rio Grande do Sul, além de muitos outros ativistas independentes que seguiram o mesmo rumo.
Essas defecções são resultado da política adotada pela direção no último período. A seguir o curso atual, o partido vai perder uma base importante de seu quadro militante ativo. Esse processo só vai fortalecer a base despolitizada e oportunista no PSOL e coloca em sério risco o seu futuro.
O PSOL é um elemento progressivo na realidade da luta de classes no país. Vimos isso com a campanha de Plínio em 2010 e o papel que joga, por exemplo, no Rio de Janeiro. O partido ainda é a principal referência de oposição de esquerda no país. O grau de fragmentação e dispersão da esquerda independente do governo seria ainda maior se o PSOL não existisse. Esses fatores justificam a política de atuar no PSOL e buscar construí-lo com uma política consequente.
Porém, nesse momento, atuar no PSOL só se justifica se travarmos uma firme luta política pelo resgate de seu projeto original de um partido classista, democrático e socialista. Para isso, é preciso construir uma ala esquerda unificada e consequente no PSOL capaz de aglutinar todos os que queiram resistir ao curso eleitoralista.
Chamamos a todos os militantes consequentes do PSOL a defender de forma clara e franca o retorno do partido ao seu projeto original:
• Por um PSOL que seja oposição consequente, classista e socialista ao governo Dilma, ao lulismo e à direita tradicional.
• Enraizar o partido nas lutas dos trabalhadores e da juventude como prioridade.
• Intervir no processo eleitoral com uma política classista e socialista e candidaturas a serviço das lutas dos trabalhadores.
• Organizar o partido pela base, com núcleos ativos nos bairros, locais de trabalho e estudo, categorias e movimentos sociais.
• Construir o PSOL com os lutadores da nossa classe e não um partido de cabos eleitorais.
• Não às coligações com partidos burgueses e governistas em 2012. Não às contribuições financeiras de empresas ao partido. Não à filiação industrial, sem critérios.
• Por um PSOL democrático e militante, classista e socialista. Pela unidade de uma Frente de Esquerda com PSTU, PCB e demais organizações e movimentos de luta da classe trabalhadora.
André Ferrari, Diretório Nacional do PSOL