Por Mariana Cristina Moraes da Cunha e Luciano da Silva Barboza
O ufanismo construído em torno dos megaeventos que se realizarão no Brasil, a Copa em 2014 e as Olimpíadas em 2016, vem sendo sustentado por promessas de desenvolvimento, crescimento econômico e aumento dos empregos, como percebemos na fala da presidente Dilma: “O evento tornará o Brasil uma vitrine internacional – esperamos receber cerca de 600 mil turistas”. Mas na verdade esconde um jogo de interesses no qual os trabalhadores serão os maiores prejudicados.
O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, afirmou que serão gastos R$ 183,2 bilhões com obras da Copa do Mundo de 2014. Além disso, o orçamento inicial das Olimpíadas prevê gastos de R$ 25,9 bilhões. Quem se beneficiara com todo esse investimento?
A luta de classes na cidade se expressa na estreita ligação entre especulação imobiliária e investimentos públicos em infraestrutura e equipamentos urbanos. Percebemos nas cidades uma disputa entre ricos e pobres por saneamento básico, asfalto, água e por territórios melhor localizados. O Estado pode gerar infraestrutura em locais de interesses da burguesia gerando valorização fundiária na área ou o Estado pode gerar infraestrutura nas favelas, beneficiando os pobres moradores. Os conflitos no local de vida são meros reflexos de tensões subjacentes entre o conflito capital-trabalho.
Desigualdade urbana
Atrás da máscara de um projeto bem-sucedido para o Rio de Janeiro, encontram-se sérios problemas sociais e econômicos como o aumento da desigualdade urbana, que estão assumindo a forma geográfica de uma cidade dual: de um centro renovado cercado por um mar de pobreza crescente. A concentração no espetáculo e na imagem mais do que no conteúdo dos problemas sociais pode se revelar inútil a longo prazo para a melhoria da vida dos moradores.
A conta dos megaeventos já foi entregue para os trabalhadores: remoções de comunidades para dar lugar a grandes avenidas; o enorme número de pessoas desapropriadas de suas casas, muitas sem indenização ou então recebendo o valor da desapropriação abaixo do valor de mercado; o destino incerto com relação ao local de moradia dessas famílias; os impactos ambientais e urbanísticos que os megaeventos geraram na cidade.
Segundo Raquel Rolnik, relatora da ONU para o direito à moradia adequada, os megaeventos permitem a implementação de uma política que em outras situações teriam dificuldade para serem implantadas. “Estamos vivendo um Estado de exceção à lei de licitações, em relação à isenção de impostos, a não necessidade de algumas salvaguardas que normalmente são exigidas, que vão desde alterações de plano diretor que não passam pelos processos normais de alteração, excepcionalidades que já estão sendo votadas pelas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e pelo Congresso Nacional através de medidas provisórias. Em todas as esferas, isso já está acontecendo no Brasil”.
Outros ataques aos trabalhadores ocorrerão na véspera e durante os megaeventos, como a proibição de manifestações em certa distância de onde serão realizados os eventos. Assim como impedimento ao trabalho de camelôs e trabalhadores informais, remoção de moradores de rua, etc.
Higienização social
Esta sendo aprofundada uma política de higienização social que já começou a ser realizada com as remoções nas favelas. Além disso, o governo e a grande mídia culpabilizam e criminalizam os pobres por estarem em área de risco.
A expectativa de remoções apresentada pelo governo é alarmante. A Transcarioca, corredor que ligará a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, visando os megaeventos, já desapropriou 700 residências e um decreto publicado pelo prefeito Eduardo Paes relaciona 3.630 imóveis que serão desapropriados na Barra, em Jacarepaguá, Madureira, Vicente de Carvalho e Brás de Pinha. Já a Transoeste, a via expressa que vai ligar a Barra da Tijuca à Santa Cruz na Zona Oeste do Rio de Janeiro tem previsão de desapropriar 3 mil famílias. As desapropriações da Transolímpica, via expressa para ônibus articulados e automóveis que ligará o Recreio dos Bandeirantes a Deodoro, ficarão em torno de 700 imóveis.
Mais alarmante é a forma como o governo está fazendo tais desapropriações, como as remoções das famílias que moravam nas comunidades do Recreio e que foram desapropriadas sem qualquer tipo de indenização ou negociação. Varias comunidades já foram desabrigadas como a favela largo do Campinho em Madureira, as comunidades de Vila Harmonia, Restinga, Notre Dame e Vila Recreio II. Os moradores de Madureira já foram desapropriados em função da Transcarioca. Eles foram mandados para os conjuntos habitacionais em Cosmos, na zona oeste, que fica a mais de 1 hora do Campinho.
A moradora Luciana França de Madureira disse:
“A lei orgânica do município, a 429, fala que toda família removida tem que ser reassentada próxima. Isso não está sendo cumprido, porque a nossa comunidade vai ser reassentada em Cosmos, que são 18 estações de trem de onde a gente mora. É mais de uma hora de viagem. Pessoas já perderam o emprego, crianças perdendo o ano letivo, pessoas de idade que vão perder tratamento no posto médico, e outras que estão desempregadas não vão poder pagar as contas que tem nesse apartamento. A gente não tem acesso ao contrato, não pode levar o advogado nem a defensoria pública. Eu não vou sair, só saio daqui quando eu for prévia e justamente indenizada ou reassentada próxima”.
A intransigência do município do Rio de Janeiro com os moradores pode ser percebida na fala do secretário municipal especial das Olimpíadas de 2016, Ruy Cezar Miranda Reis: “É o recado: esta cidade tem ordem e tem lei”. Mas no Brasil já sabemos que a ordem é bater nos pobres quando se rebelam e a lei tem um lado claro: o lado dos ricos.
Comitê Popular da Copa
O Comitê Popular da Copa é um espaço de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores urbanos formais e informais. Este comitê organizou uma manifestação que contou com cerca de duzentas pessoas, no dia 25 de março no centro do RJ, contra as remoções de moradias populares.
De acordo com Itamar Silva, coordenador do Ibase e liderança da comunidade Santa Marta, na Zona Sul carioca:
“No Rio é uma perversidade, porque junta os grandes eventos, que é uma lógica empresarial e de especulação imobiliária, do interesse imediato daqueles que têm dinheiro na cidade, com um discurso preconceituoso em relação à favela. Então junta área de risco e necessidades de criar uma cidade ideal para receber as Olimpíadas ou a Copa, e com isso a população está completamente acuada. O interesse é de colocar o pobre bem distante e deixar só aqueles que podem pagar muito alto nessa cidade, então ou a gente enfrenta esse debate de forma organizada ou vamos daqui a alguns anos exigir do governo investimentos porque a gente não tem infraestrutura.”
Por tudo isso, concluímos que pensar como se reflete na vida dos trabalhadores todas as políticas vinculadas aos megaeventos é tarefa fundamental de todos, pois essas políticas ao invés de garantir a paz fortalecerão a segregação e o conflito de classes. Já tivemos exemplos anteriores de como esses conflitos geraram mobilização, pois após os ataques do governo para realizar o Panamericano no Rio em 2007, surgiu a reação dos trabalhadores expressa na construção da Plenária dos Movimentos Sociais, que ainda hoje é um importante instrumento para organizar as lutas de resistência no Rio de Janeiro. A união dos lutadores dos movimentos sociais, partidos de esquerda e sindicatos será determinante para a vitória das demandas dos trabalhadores no próximo período.
Mariana Cristina Moraes da Cunha, psicóloga, integrante do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas
Luciano da Silva Barboza, historiador, mestrando do IPPUR-UFRJ